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Contos-->RICHTER 8.2 -- 28/03/2009 - 01:00 (Jose Araujo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
São Paulo, quarta feira, 22 de abril de 2020, o dia amanhece na capital paulista, são seis horas da manhã e Ana Laura já esta de pé desde as cinco e entre os preparativos para levar Leninha para a escola e para ir trabalhar, ela tem que se desdobrar em duas, cuidando da filha, da casa e dela mesma, como sempre, fazia, dia após dia. Com toda a agitação e correria das pessoas que vivem e trabalham nas grandes metrópoles, é comum os pais deixarem de dar a atenção necessária aos filhos, pois na maioria dos casos, marido e mulher tem que trabalhar, ficam fora de casa a maior parte do dia e os filhos, ficam sob a responsabilidade de escolas particulares, publicas ou de pessoas que são contratadas para cuidar delas em sua ausência, mas com Ana Laura era diferente, quando o assunto era sua filha, suas prioridades eram outras, como deve ser.

Desde jovem, ela sabia da importância de uma criança ser bem monitorada e acompanhada pelos pais, sabia das conseqüências da ausência deles em suas vidas e nunca deixou de dar o suporte e a atenção que sua filha precisava. Mesmo nas épocas de maior agitação em sua vida profissional, ela não deixava de se preocupar com o bem estar fisico e psicológico de sua filha e o resultado deste comportamento como mãe, era uma relação baseada em amor, carinho, reciprocidade de sentimentos, mas principalmente, uma profunda confiança e credibilidade mútua, o que fazia delas, uma família feliz e unida como poucas, num mundo onde os valores haviam sido invertidos, desde muito tempo atrás.

Leninha tinha apenas sete anos de idade, mas tinha uma personalidade forte e à sua maneira, possuia uma opinião formada sobre as coisas que já conhecia da vida, o que era incomum em jovenzinhos de sua idade. Ela era uma criança que tinha uma vida de criança e sabia que precisava agir como tal, vivendo e divertindo-se, aprendendo viver, cada coisa a seu tempo, mas tinha também a capacidade de compreender e saber como agir na ausência de sua mãe, durante todo o período em que ficava sozinha até ela chegar do trabalho e com isto, ela nunca causou dores de cabeça a ela, sempre soube se comportar e ainda ajudava no que podia, na verdade, Leninha era na expressão da palavra, uma criança exemplar. Ana Laura era arquiteta e trabalhava numa construtora de renome na Avenida Paulista e Leninha estudava numa escola no bairro da Penha, zona leste da cidade e todos os dias, ela deixava sua filha na escola, esperava os portões se fecharem por medida de segurança e ia para o trabalho, utilizando como via de regra o transporte pelo metro, fazendo baldeações, na estação Sé e depois na estação Paraíso, para descer na estação Brigadeiro, próxima ao seu trabalho.

Lenhinha entrava às sete na escola e saia ao meio dia, indo direto para casa pelo transporte escolar e quando lá chegava, tomava seu banho, almoçava, fazia suas lições e o que mais pudesse fazer para ajudar e ia dormir o resto da tarde, pois levantava muito cedo e precisava descansar. Com todo o stress e correria da vida na cidade, elas se davam muito bem, pois sabiam como driblar os problemas causados por contratempos e suas vidas, como mãe e filha, não poderia ser melhor. Seu pai vivia no exterior desde que se separou de sua mãe e esta circunstancia, nunca foi encarada como uma infelicidade, muito pelo contrário, elas se uniram mais do que nunca e só o fato delas terem uma à outra, supria qualquer falta ocasional que pudesse ser sentida em suas vidas.

Ana Laura sempre foi uma profissional extremamente competente, seus projetos eram arrojados, futuristas, mas sua principal característica era a atenção que ela sempre dedicava à segurança do bem maior que temos neste mundo, a vida. Desde que terminou a faculdade, ela sempre se dedicou aos estudos complementares para que pudesse ser uma profissional competente, assistia a todos os cursos, simpósios, palestras e convenções que surgiam sobre a influencia da geologia na arquitetura moderna, pois mesmo sendo recém formada, sabia das conseqüências de um projeto mal elaborado, que uma vez executado, sem preocupação com a segurança do ser humano, poderia ser o inicio de um caminho que quase sempre leva ao assassinato em massa de pessoas inocentes.

Em 22 de abril de 2008, um tremor de terra com 5.2 graus na escala Richter atingiu São Paulo, sem conseqüências mais graves, não sendo sentido em muitos lugares da cidade, mas no apartamento da familia de Ana Laura a coisa não foi bem assim. Ela era ainda adolescente quando isto aconteceu, mas ficou impressionada e preocupada com a segurança dos moradores de seu prédio, pois em alguns andares as portas ficaram travadas, não se abriam para que as pessoas pudessem sair para a rua e em seu apartamento, não foi diferente. Seu Pai teve que tirar as dobradiças da porta para poder retira-la do lugar e só assim todos puderam sair do apartamento, indo para a rua até saber o que havia acontecido.

A experiência foi marcante para Ana Laura e ela jurou a si própria que seria uma arquiteta, mas seria uma profissional diferente, uma pessoa que faria seu trabalho, baseado nas necessidades de segurança dos seus semelhantes e se não fosse assim, então ela não o faria, nem por todo o dinheiro deste mundo. Ao longo dos anos, mesmo antes de se formar na faculdade, ela já fazia suas pesquisas por contra própria e aprendeu que ao contrário do que era divulgado pela imprensa e pelas autoridades competentes, os moradores da região sudeste do Brasil estavam sob o risco de serem atingidos por um terremoto de proporções incalculáveis a qualquer momento, pois no território nacional haviam pelo menos 48 falhas mestras, a maioria concentradas em escalas progressivas, estando a região Sudeste em 1º lugar, a Nordeste em 2º, seguidas de longe pelas regiões Norte em 3º e Centro Oeste na 4ª posição e isto sem contar que ano, após ano, havia a possibilidade de descobrirem novas e mais perigosas falhas nas placas tectônicas e com a natureza não se brinca, seu poder pode ser destruidor.

Ana estudou minuciosamente um relatório sobre os terremotos ocorridos nos últimos tempos no Brasil e descobriu que o maior que havia sido registrado, tinha sido de 6.2 na escala Richter em 31 de janeiro de 1.955, em Porto do Gaúchos, Norte do Mato Grosso, sendo sentido num raio de mais de 300 quilometros e tambem que houve outro em São Paulo, em 1.922 na região de Mogi Guaçu com 5.2 na escala Richter, que em novembro de 1.980, foi registrado um terremoto de 5.0 na escala Richter em Pacajus no Ceará e em 1.986, na cidade de João Câmara no Rio Grande do Norte, onde cerca de quatro mil casas foram derrubadas e desde o abalo daquele ano, mais de 60 mil outros já haviam sido registrados. Ela aprendeu muito, pesquisando e estudando com afinco o comportamento do solo tanto no Brasil como em outros países por onde viajou e Ana Laura, mais do que ninguém, chegou à conclusão de que a Terra é um enorme ser que assim como nós, tem sentimentos, sente alegrias, tristezas, dores e que pode, exatamente como nós, entrar em stress profundo, refletindo os efeitos desta pressão nos movimentos das placas tectônicas, que causam os abalos sísmicos e outras reações.

Ela sentia em seu coração que o planeta era como se fosse uma pessoa doente e carente, precisando de amor, carinho, cuidados, atenção e que os terremotos, nada mais eram do que espasmos de dor, de um corpo doente e cansado, sem esperanças de cura dos males que o afligem. Sua experiência, sua inteligência, a fizeram chegar rápido ao posto de uma das arquitetas e pesquisadoras mais renomadas do país, tendo sido convidada varias vezes a participar de manifestações em prol da proteção do planeta e do meio ambiente, assim como os simpósios internacionais sobre a segurança obrigatória na construção de edificações. Todas as suas idéias, eram muito aplaudidas em todos os lugares onde se apresentava para expor e sugerir novas formas de segurança na àrea de construção civil.

Contudo, desde que se formou e conseguiu seu primeiro emprego na área da construção, Ana Laura encontrou inúmeras vezes problemas na aceitação de seus projetos, sendo que neles o maior custo estava no item segurança, do que ela não abria mão de forma alguma e em conseqüência disto, outros projetos feitos por seus colegas eram aprovados por serem menos despendiosos e muitas vezes, sem ter ao menos o básico necessário no tocante à segurança do ser humano. Por duas vezes ao longo dos anos, ela perdeu o emprego por se recusar a assinar projetos criados em grupo para as construtoras para as quais trabalhou, pois neles, seus colegas de trabalho atendiam às necessidades da construtora, não dos futuros usuários ou moradores que iriam ocupar a construção depois de pronta. Jamais ela deixou de tentar incutir na cabeça dos dirigentes das empresas em que trabalhava, que São Paulo, principalmente a Capital em seus pontos mais altos, era uma área de grande risco e que há muito tempo, a cidade já vinha sendo atingida por tremores de terra, muitas vezes despercebidos pela população ou atribuídos aos movimentos do Metrô no sub-solo, mas em resposta, ao invés de apoio, ela só recebia piadinhas de mau gosto e olhares atravessados, como se quisessem dizer que ela estava louca, que tinha perdido a razão.

De uma forma ou de outra, mesmo com todas as dificuldades do dia a dia, da resistência das grandes construtoras em aceitar a realidade do risco iminente, ela e sua filha viviam bem, não eram ricas, mas o que Ana Laura ganhava era o suficiente para mantê-las, alem de que, só o amor que as unia, já alimentava o corpo, a alma e o coração. Eram nove horas da manhã e ela havia acabado de chagar ao local de trabalho que ficava no 8º andar de um prédio antigo na Avenida Paulista, ela tinha deixado Leninha na escola e só a veria novamente no final do dia quando chegasse em casa, mas naquele dia, ela não estava se sentindo a vontade, era como se algo apertasse seu coração e uma angustia tomava conta de seu ser, de uma forma que nunca havia ocorrido antes em sua vida. Ana Laura foi até o banheiro feminino, resolveu passar um pouco de água no rosto para ver se se sentia um pouco melhor. Quando se aproximou do lavatório e se debruçou para jogar água em sua face, numa fração de segundos, o chão tremeu debaixo de seus pés e o espelho explodiu em cacos e por pouco, ela não se feriu sériamente.

Assustada, ela voltou para sua sala e no caminho todo mundo no escritório estava comentando sobre o que havia acontecido e alguns rapazes desceram ao piso térreo, para ver se descobriam o que aconteceu. Ela, como uma profissional experiente e dona de um conhecimento profundo sobre o assunto, sabia em seu coração que era uma questão de tempo e a terra iria tremer de novo e quando ela o fizesse, só Deus poderia saber com que intensidade isto iria acontecer. Desde o momento do tremor, a Avenida Paulista já estava com milhares e milhares de pessoas nas calçadas comentando assutadas sobre o incidente e esperando o sinal das empresas para retornarem aos seus ambientes de trabalho e retomar o expediente.

Foi então que tudo aconteceu...

De repente, a Terra tremeu como nunca, as fachadas e portas de vidro dos enormes arranha céus dos grandes bancos e empresas multinacionais se transformaram em uma chuva assassina de cacos e lascas de vidro, cortantes e afiadas, matando e ferindo centenas de pessoas que estavam nas calçadas, paradas ou de passagem ao longo da avenida e enquanto os vidros as atingia, tudo chacoalhava com uma ferocidade incrível, as pessoas não conseguiam ficar em pé caindo no chão, painéis e cartazes luminosos se desprendiam dos edifícios caindo e destruindo o que encontravam em seu caminho durante a queda. Os postes de iluminação do canteiro central da Avenida Paulista, mais pareciam varas de Bambu, balançando de lá para cá, até que muitos foram arrancados de suas bases fincadas no chão e caíram em cima de uma quantidade enorme de carros e ônibus que estavam sendo chacoalhados sem piedade pelo tremor. A intensidade do tremor foi aumentando gradativamente e em menos de dois minutos, os prédios começaram a cair, primeiro as grandes antenas de rádio, TV e telefonia celular que ficavam espetadas no alto dos edifícios, depois os andares mais altos, que se despedaçavam e desmoronavam em direção ao chão.

O caos estava instalado e crateras surgiam a ermo, aqui e ali arrastando para dentro delas, muitos carros e ônibus, ainda cheios de passageiros, pois era horário de pico e por medo as pessoas não saíram dos veículos e enquanto isto, dentro dos prédios o desespero era ainda maior. Grande parte dos edifícios não contava com saídas de emergências, muito menos com proteção antiterremoto, afinal, para todos os efeitos, o Brasil sempre foi um pais sem riscos de abalos sísmicos, porque iriam investir em segurança nas construções e gastar o dobro do valor de um obra normal, equipando os edifícios com os equipamentos e itens necessários para eventualidades como esta. A maioria dos prédios, em questão de minutos, foi reduzida a um monte de destroços e lembranças e em meio a elas, milhares de vidas se perderam, tudo que sobrou, foi uma série de cortinas de fumaça negra, erguendo-se de explosões que ocorriam a toda hora, nos mais diversos locais e do jeito que ele veio, ele se foi, o terremoto acabou, mas a dor, o sofrimento e a sensação de impotência nas vidas das pessoas que sobreviveram, só estava começando.

Não se sabe como, nem porque, mas o edifício onde trabalhava Ana Laura, apesar de toda a sua idade e falta de recursos de segurança, manteve-se em pé, com muitas rachaduras em todos os andares, inclinado como se fosse cair, mas não desabou e todos estavam apavorados, sem saber o que fazer. O escritório da construtora para quem Ana trabalhava ficava no 8º andar do prédio, sem escadas de incêndio e infelizmente, as portas de fogo do prédio eram tão antigas, que ao invés de se abrirem para fora dos conjuntos comerciais, elas se abriam para dentro dos imóveis e com isto, as duas unicas portas de saida do escritório, estavam travadas pelo deslocamento do piso sem poder ser abertas, a não ser, arrancando-as do lugar e assim, longos momentos de angustia se passaram nos corações de todos que lá estavam e Ana Laura só pensava em uma coisa naquele momento, ela precisava chegar até a escola de Leninha, ela precisava saber se tudo estava bem com sua filha e numa prece silenciosa, ela rogava ao Pai todo poderoso que protegesse seu pequeno anjo, sua única companheira na vida, mais do que tudo, a razão de seu viver.

Da enorme janela do andar onde Ana se encontrava, tudo que se via lá embaixo era destruição, buracos enormes abertos pelas crateras que agora estavam cheios de escombros dos edifícios que ruíram e caíram em cima dos ônibus e carros lotados que já haviam sido arrastados para dentro delas no inicio do terremoto. As linhas do Metro de São Paulo estavam destruídas, inúmeros pontos dos túneis desabaram sobre composições cheias de usuários indo ao trabalho e nas estações, na hora do desastre foi possível ver as grandes colunas de sustentação feitas de concreto armado serem quebradas, como se fossem pequenos palitos de dente feitos de madeira. A Av. Brigadeiro Luiz Antonio era o retrato da desolação em toda a sua extensão e no sentido centro, prédios seculares desabaram, sem deixar pedra sobre pedra, hidrantes havia estourado jorrando àgua com uma força enorme, o viaduto desabou sobre a via impedindo a passagem das poucas viaturas do corpo de bombeiros e para todo o lugar que se olhava, só se via dor, morte, desgraça e sofrimentos dos sobreviventes e a cidade que nunca havia dormido parou, inerte, sem esperanças, parecia que tinha chegado a hora do julgamento final e depois dele, quem sobreviveu, não ia, não vinha, de ou para lugar algum.

O terremoto que atingiu a Capital Paulista foi da maior magnitude, tendo seu epicentro na àrea dos jardins e ele destruiu todo o Centro da cidade e com seus reflexos, destruiu tambem muitos bairros e cidades próximas, causando morte e destruição em toda a extensão de sua área de abrangência, sendo sentido em estados visinhos, causando em alguns deles pequenos estragos, sem maiores conseqüências, mas São Paulo, esta não escapou da força implacável da natureza, pereceu, transformando-se em destroços e cinzas em todo lugar. Após muito tempo, alguns de seus colegas conseguiram soltar as dobradiças de uma das portas de incêndio e todos conseguiram sair, descendo as escadas com o coração na mão, com medo do prédio vir a desabar e acabar ali mesmo, com mais algumas dezenas de vidas, cada segundo de agilidade na fuga era precioso e afinal eles chegaram à rua, sãos e salvos. Ana Laura quando tomou consciência do estado de destruição daquela avenida que ela via da janela de seu escritório todos os dias, antes tão linda, iluminada e poderosa, mas que agora não era mais nada, a não ser um amontoados de escombros e destoços, completamente destruída, não se conteve, deixou as lágrimas que estavam presas em seu coração rolarem livremente e naquele momento, a imagem de Leninha lhe veio à mente mais forte do que nunca e seu único desejo, era ir de encontro a ela, onde quer que ela estivesse, porque dentro de seu coração, ela sabia que precisava cumprir uma promessa que fez à sua filha um dia, quando ela lhe disse: “Filha, não importa o que aconteça, não importa onde você esteja, se você precisar de mim e vou estar lá para te ajudar”.

Todos estavam preocupados com suas famílias, pais, irmãos, parentes, namorados e resolveram se juntar em grupos dos que moravam na mesma direção, mas ninguém era da Zona Leste e Ana Laura acabou por ficar sozinha e não demorou muito, ela começou sua grande caminhada até o Bairro da Penha onde ficava a escola de Leninha e sem transportes, sem pontes e viadutos para atravessar os rios, seria ficil, mas ela não desistiria por nada neste mundo de encontrar sua filha. Ela desceu a Brigadeiro por entre os escombros e corpos que estavam pelo caminho, uns poucos bombeiros tentavam ajudar algumas pessoas presas num restaurante que não caiu e durante sua caminhada até a Praça João Mendes, tudo que se ouvia eram gritos de dor, tudo que se via eram destroços e restos de estruturas de prédios que teimavam em ficar em pé.

Quando chegou ao parque D.Pedro II, já cansada de caminhar, percebeu que os viadutos que davam passagem por cima do rio Tamanduateí dando acesso à Avenida Rangel Pestana, também haviam desmoronado e passar sobre os destroços caídos sobre o rio seria uma aventura, pois se ela caísse, com a água sendo represada pela estrutura caída nele, seria sua morte, mas ela não desistiu, pé ante pé, passo, após passo, equilibrando-se em alguns pontos, escorregando em outros e quase caindo na água, ela venceu o desafio e pode seguir seu rumo. Caminhando no que sobrou da Av. Celso Garcia, cansada, com sede, com sono, Ana Laura registra imagens de horror em seus olhos, pois até chegar na Penha, o cenário que se descortinava em sua frente era simplesmente devastador. Em todos os Bairros da Capital o Terremoto causou mortes, pânico e destruição e o grupo do corpo de bombeiros, despreparado para uma situação como aquela, não tinha nem materiais, nem contingente para ajudar a socorrer a população de maneira efetiva e na falta de socorro, muitos iam perecendo e as mortes só aumentando a cada momento.

O governo do Estado e a prefeitura do Município, nunca aceitaram as idéias que através dos órgãos competentes Ana Laura havia apresentado e naquele momento, era fácil de ser ver os resultados e as conseqüências de tanto descaso com o fator humano, em nome de contenção de despesas, sem a menor consideração para com a segurança da população. A maior e mais impactante imagem de terror só era possivel ser vista do alto, porque sobrevoando a cidade, onde agora só se viam lá embaixo um nunero infinito de destroços, cinzas e fumaças, antes era possível se avistar a silhueta e os reflexos dos grandes prédios espelhados da Avenida Paulista, com suas antenas magnificas plantadas em cima deles, como se fossem uma espécie de coroa, lhes conferindo títulos de majestade, como sugeria o lugar. O resto da tarde e a noite inteira Ana Laura caminhou, nos escuro, no frio, com fome e a dor em seus pés era tanta, que qual quer um teria desistido, mas não Ana Laura e ela continuou, até que pela manhã ela chegou caminhando a pé, vinda do que restou da avenida Paulista, aos restos da Av. Penha de França de onde antes se via a imagem magnífica da Igreja de Nossa Senhora da Penha, agora tudo que se via eram destroços, escombros e fumaça subindo aos céus.

Ao chegar o lugar onde ficava a escola onde sua filha estudava, seu coração quase parou, pois o prédio de dois andares da escola se assemelhava a um disco de pizza, completamente achatado, irreconhecivel em suas formas, apenas um monte de ferro, pedras e cimento amontoados no chão. Ana Laura no desespero, tentava lembrar em que ponto do prédio ficava a sala de aula de Leninha, mas um branco preencheu seu cérebro e enquanto isto, outros pais foram chegando e desesperados com a situação entravam em parafuso, caiam em prantos, chorando e gritando com toda a dor de seus corações que tudo estava acabado, que nada mais poderia ser feito, que seus filhos estavam todos mortos e não havia mais nada a fazer, mas a memória dela não iria deixa-la não mão naquele momento e ela se lembrou exatamente onde ficava a sala de sua filha. Ela sabia que haveria muito trabalho na remoção de escombros a ser feito e pediu ajuda a todos que lá apareceram, tendo como resposta, apenas o som da palavra não.

Algumas mães desmaiavam e eram carregadas pelos seus maridos ou amigos para longe, pais solidários, diziam a Ana Laura que ela devia desistir, que se ela ficasse ali naquele lugar, estaria correndo perigo, pois mesmo após vinte e quatro horas do grande terremoto, explosões aconteciam e mais pessoas morriam ou ficavam gravemente feridas. Alguns voluntários que auxiliavam o corpo de bombeiros, estavam percorrendo as escolas dos bairros e a situação em cada lugar era mais desesperadora e quando chegaram onde estava Ana Laura, disseram o mesmo que todos já haviam dito, que ela tinha que desistir, que nada mais poderia ser feito, mas Ana Laura não, ela não desistiu, ela tinha que ver com seus próprios olhos o que aconteceu com sua filha e mesmo machucada, cansada, com sono e com fome ela resolveu que se ninguém iria ajuda-la, ela o faria com as próprias mãos.

Doze horas, vinte e quatro horas se passaram e ela cavando e removendo somente com as mãos, pedra após pedra e naquela altura, com as mãos sangrando, com muitas dores, ela já não mais sentia fome, sede, sono ou cansaço e uma força interna a impulsionava a continuar e ela não parou. Mesmo com seus joelhos machucados e sangrando, seus pés cortados e perfurados por escombros de ferro e madeira ela iria até o fim. Da roupa que ela usava no trabalho do dia a dia, agora já não havia sobrado quase nada, a não ser alguns trapos e ela se sentia, suja e cheirando mal, mas uma mãe como ela não desiste em momento algum. Em determinado momento, ela ouviu algo, mas achou que estava sonhando e logo depois uma voz abafada se fez ouvir claramente: “Mãe!?!? É você mãe?!?!? Sou eu, Leninha!

Naquele momento ela não sabia se chorava ou se respondia à sua filha, mas uma coisa é certa, mais do que nunca em toda a sua vida, Ana Laura acreditou na existência de Deus e com o coração parecendo querer saltar para fora de seu peito, ela gritou: “Leninha?!?!? É a mamãe meu amor!!! Como você esta??? Onde você esta???”

A voz de Leninha no meio de toda aquela destruição, parecia ser uma benção dos céus, indicando a direção de onde estava e ela respondeu: “Estamos aqui embaixo Mãe, bem perto da coluna ao lado da mesa da professora! Quando tudo começou a cair, nos corremos para perto da professora e quando o teto desabou, o piso do andar superior não se quebrou por completo e formou um retângulo entre nós e a parede e foi isto que nos salvou!”

Ana Laura queria mais detalhes, queria saber o que a esperava lá embaixo e perguntou quem mais estava com ela: “Leninha meu amor, quem mais está com você???”

Na resposta de Leninha veio uma vaga visão do que ainda estava por vir: “Dos trinta alunos mãe, só há 12 de nós aqui em baixo e que ainda estão vivos! Eles estavam todos assustados, mas eu disse a eles para se acalmarem, pois você prometeu que vinha me salvar e quando você chegasse, eles estariam salvos também!”

Ana Laura não compreendeu e respondeu a Leninha: “Filha, eu não sabia que você estava em perigo até tudo acontecer, mas eu estou aqui para te ajudar”

Leninha então respondeu: “Mas eu sempre tive certeza de que você viria me salvar mãe! Você não se lembra?? Um dia você me disse que não importava o que acontecesse, não importava onde eu estivesse , se eu precisasse de você, você estaria lá para me ajudar!” Você cumpriu mãe e eu nunca duvidei disto!!!

Enquanto elas falavam, Ana Laura continuava trabalhando com as mãos até que finalmente conseguiu alcançar o lugar de onde vinha a voz de Leninha e com muita dificuldade, sem ajuda de ninguém, cavou um buraco por onde poderia tirar sua filha e as crianças de lá. As crianças gritaram de alegria e muitas choravam de emoção e quando Ana Laura pediu que Leninha saísse primeiro , mas ela se recusou, dizendo que seus amiguinhos deveriam sair primeiro, porque ela não tinha medo, afinal sua mãe havia lhe prometido numa frase, dita uma única vez na vida, mas que ela nunca mais esqueceu. A frase dita por sua mãe, para alguns pode parecer comum entre mãe e filha, mas foi dita de coração e quando Leninha se sentia ameçada, ela fechava os olhos e ouvia sua mãe dizer: “Filha, não importa o que aconteça, não importa onde você esteja, se você precisar de mim e vou estar lá para te ajudar”.

Desde 22 de abril de 2008, quando Ana Laura presenciou pela primeira vez um terremoto, ele fez tudo que estava ao seu alcance para melhorar as condições de segurança da população, seja em suas residências ou ambientes de trabalho, mas como sempre, mesmo agora, dia 22 de abril de 2020, tantos anos após o evento que marcou sua adolescência, as autoridades competentes ainda ignoravam a necessidade da criação de uma lei de segurança contra terremotos e as grandes construtoras, por medidas de economia, não aprovavam seus projetos porque eles encareciam demais as obras e como sempre, eram descartados e substituídos por outros, para a alegria do bolso de todos os interessados, mas para a infelicidade geral da população.

Naquele dia, 22 de abril de 2020, São Paulo veio abaixo no maior terremoto de todos os tempos na região, se transformando num monte de escombros, destroços e cinzas, mas a cidade que sempre foi conhecida como a cidade que nunca para, graças a todos os sobreviventes, paulistas natos, ou paulistas vindos de todas as partes do Brasil e do mundo, a fizeram reviver de uma forma muito especial. São Paulo renasceu como a Fênix, ela ressurgiu das cinzas e tornou-se novamente a maior capital do País, mas com uma diferença, tudo que foi construído a partir da destruição do total da cidade, teve que ter seu planejamento, analisado e aprovado pela nova Governadora e ela era, ninguém menos de que Ana Laura, a arquiteta que tentou, mas não conseguiu ser ouvida como devia pelos governantes, dirigentes e responsáveis pelas empresas na área da construção civil.

Os sismólogos usam a escala de magnitude para representar a energia sísmica liberada por cada terremoto.

Para ilustrar melhor, abaixo há uma descrição dos efeitos típicos de cada terremoto, em diversos níveis de magnitude, mas vale lembrar que a catástrofe que atingiu São Paulo em 2020, em termos de magnitude, muito além do que se conhecia até então.

Escala Richter em graus:

Menos de 3,5 : O terremoto não é sentido, mas pode ser registrado.

De 3,5 a 5,4: Freqüentemente não se sente, mas pode causar pequenos danos.

De 5,5 a 6,0: Ocasiona pequenos danos em edificações.

De 6,1 a 6,9: Podem causar danos graves em regiões com muitas pessoas.

De 7,0 a 7,9: Terremoto de grande proporção, causa danos graves.

De 8 graus acima:Terremoto muito forte. Causa destruição total na comunidade atingida e em todas as comunidades próximas.

Para que Ana Laura, a arquiteta e mãe de Leninha fosse ouvida, para que as pessoas que detinham do poder de decisão pudessem acordar para o perigo e para a realidade, a maior metrópole brasileira e algumas cidades vizinhas como Guarulhos, São Miguel Paulista, Mauá, São Caetano, Santo André, São Bernardo e Diadema, dentre varias outras, tiveram que sucumbir ao poder de uma imensa catástrofe, mas com tudo de ruim que ocorreu, algo muito especial aconteceu, Ana Laura como mãe, mostrou que seu amor por sua filha, tinha muito mais poder do que toda a força da natureza, mesmo tendo que enfrentar a devastação de um terremoto, com a magnitude de 8.2 na escala de Richter.
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