Morávamos numa casa campestre de alvenaria em estilo rústico, ainda assim, aconchegante, por causa do amor que tínhamos. Ali conviviam 14 irmãos, filhos de um só matrimônio de nossos pais.
O terreiro de areia branca, palco dos folguedos, das brincadeiras de roda, cirandinha, casamento chinês e das fogueiras de São João, enchia-se de tios e tias, que traziam os filhos e tornavam o encontro um espetáculo inesgotável de criatividade: faltava tempo para usufruirmos de tantas modalidades de brincadeiras que criávamos e assim, o tempo voava, quando percebíamos – a lua já estava alta. Os tios iam-se para suas casas, ansiosos, aguardávamos outra oportunidade de reencontro familiar.
Em volta do terreiro, plantas regionais nativas: bom-dia, flor branca com pistilo amarelo; boa-tarde, branca com pistilo vermelho, exalavam um cheiro característico que, segundo a crença popular, afastava cobras. No quintal criavam-se lindas galinhas de penas coloridas. A mamãe dizia: “Elas são lindas! Eu as criava mesmo que só servissem para enfeitar o quintal!”
No meio do pátio, o caramanchão com um pé de buganvília cor-de-rosa Pink, plantado por ela. Nos esteios, protegidos pela sombra da buganvília os animais de montaria ficavam amarrados, até serem encilhados para as freqüentes viagens de idas e vindas ao povoado. No lado direito da casa, o curral de vacarias e o chiqueiro das cabras, prendiam as fêmeas paridas para a ordenha no dia seguinte. Não gostávamos do sabor do leite de cabras e só o tomávamos como remédio para gripe ou alguma enfermidade respiratória. Como o clima no campo é saudável, raramente se adoecia e assim, os cabritos se fartavam com o leite das cabras.
Minha mãe se levantava às 05:30h. tirava o leite e preparava um delicioso café da manhã. Mais tarde, descia para lavar as roupas de casa no rio. Às 10:30h lá vinha ela andando devagarinho, subindo o morro, de volta ao lar. Seus cabelos pretos e lisos brilhavam ao sol como negras asas de anu e a passos largos, vencia cada palmo de chão. Não raras vezes, eu a acompanhava na trajetória até o Riachão. Como tinha apenas dois anos, na hora de voltar empacava: “Ocupada, ocupada, não caminha não!” E a bondosa mãe via-se obrigada a me trazer nas costas.
Nas noites de luar a calçada se enchia de gente: avós, tios, primos e parentes mais distantes vinham conversar, trocar informações e saber das novidades. Naquele tempo ainda não se tinha rádio nem televisão, as notícias chegavam por carta ou de boca em boca. Vivíamos como dizia Luís Gonzaga: “... sem rádio e sem notícia das terras civilizadas”. Mas éramos felizes porque respirávamos o ar puro da natureza e não se ouvia falar em violência ou droga.
Durante a conversa dos adultos era servido café torrado em casa, socado ao pilão e adoçado com rapadura. Enquanto isso, brincávamos de “O Rei Mandou Dizer” e outras cirandices.
A mãe natureza foi nossa melhor fonte de recreação e de esportes. Não tínhamos brinquedos sofisticados, isso é verdade, dispúnhamos, no entanto, de espaço físico suficiente e ambiente saudável, favoráveis ao desenvolvimento biopsicossocial.
O tempo transcorria sem preocupação de nossa parte com qualquer perigo. Vivíamos livres como um passarinho, embora atentos às normas da religião, e do bom relacionamento com os vizinhos. Nisso papai era bastante exigente.
Na época das chuvas o rio Riachão transbordava; pouco tempo depois, oferecia uma água pura e cristalina. Era raso, por estar perto da nascente, e depois que a cheia baixava, já se podia ver a areia branca do seu leito e as piabas nadando numa água transparente e sem nenhuma poluição. Ficávamos horas a fio olhando as piabinhas, e por vezes as recolhíamos em cacimbas improvisadas por nós mesmos à margem do rio.
No verão, fazíamos redes de sarça e armávamos nos galhos grossos da oiticica para nos balançar, preparávamos quitutes nas casinhas cobertas de folhas ou palha de carnaúba e brincávamos com pequenos ossos, como se fossem nossas vaquinhas, com efeito, empreendíamos fantasiosas viagens no mundo da imaginação, tocando o gado para pastar ou trazendo-o de volta para o curral. Outro bom entretenimento era andar a cavalo, armar arapucas para pegar codornizes e fojos para apanhar preás. Vivíamos felizes e tranqüilos, sem rádio, televisão, sem informações importantes, ou nem sempre importantes...
Viver no silêncio e no aconchego da paz ainda é um sonho possível, apesar da violência. No campo se tem tudo isso, além de água e ar puro. Porém a vida do sertanejo não é só sombra e água fresca, é também de muita labuta, de trabalho de sol-a-sol, luta e sacrifício. Na época do cultivo do milho e feijão, papai pegava a cabaça-d’água, a enxada e o chapéu, nem falava nada, era seguido pelos filhos e passavam o dia capinando o mato, aceirando cercas ou outros serviços que preveniam contra a invasão do gado ao legume. Essa precaução era mais para evitar a invasão do gado de terceiros, pois à exceção da vaca do Junco, o nosso gado era todo manso. A Limíthia, por exemplo, deixava montar e até mesmo mamar em suas tetas. Era um animal com características especiais, mestiça de zebu com pé-duro, e mesmo sem raça definida, chegava a dar 10 litros por dia nos tempos de boa pastagem.
O trabalho era árduo com descanso apenas aos domingos e dias santos. Os feriados de calendário não eram cumpridos, trabalhava-se, pesadamente, todos os dias. Na parte da tarde, mamãe levava um cafezinho com bolo frito ou beiju; à noitinha, já quase escuro, retornavam do serviço e, segundo Diassis, cheirando a miroró.