Ganhei minha primeira sandália corrulepe, quando tinha quatro anos de idade.
A corrulepe é uma espécie de sandália com uma tira passando entre o dedão e seu vizinho. O solado nem sempre de sola, no compasso de cada passo, batia na planta dos pés gerando o som: corrulep, corrulep...
A corrulepe é precursora da sandália japonesa e traz consigo uma designação pejorativa de salga-bunda. Isso porque, não tendo rabicho, ao se andar, vai levantando areia e jogando no traseiro do indivíduo. Ainda assim, foi grande minha alegria ao ganhar minha primeira corrulepe confeccionado por meu pai. Naquele dia, embora com apenas quatro anos, botei o pé na estrada e fui sozinho, até a casa de meu avô Mariano, à procura de Mãe-Duca, para mostrar-lhe o presente que ganhara. Mãe-Duca era uma das tias que tinha por mim um carinho de mãe e morava ali, pertinho, a menos de 400 metros.
- Cadê Mãe-Duca? Perguntei.
- Está na roça colhendo feijão. Respondeu vovó Delfina, lançando um olhar sobre minha sandália nova. Afoitamente, lancei-me em direção ao roçado. Logo que passei da porteira, emaranhei-me numa touceira de carrapichos. Um grito inocente ecoou no silêncio incontido de minhas lágrimas de criança, como o uivo choroso de cachorro desmamado. Pela primeira vez senti na pele os espinhos de carrapicho que o inimigo semeou no meio do feijoal. Senti-me só. Sozinho e embaraçado nos espinhos de carrapicho do caminho.
Muito atenta, Mãe-Duca ouviu meus berros e veio prestar o necessário socorro.
- Meu “caçulo”, que você está fazendo no meio desse mato? Como posso agora levar um saco de feijão e ainda você na cacunda!
- Vim mostrar “asapragata” que papai fez pra mim.
Ela me abraçou e disse: “É muito bonita suas precata, mas vamos voltar pra casa, o sol tá quente demais pra você.”
SILVA, Francisco de Assis; LIMA,Adalberto. O Brasil nosso de cada dia.