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Contos-->COMPASSO DE ESPERA -- 30/11/2007 - 20:55 (Heleida Nobrega Metello) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos





Compasso de espera

Heleida Nobrega Metello, 2004


Parto sempre do princípio de que um quem conta um conto, aumenta um ponto. E assim, deixo para vocês identificarem ou não, a veracidade do fato.

Há 20 anos atrás, estávamos reunidos para um pequeno recital, na casa principal da fazenda São José, construída nos áureos tempos do café na região do Vale do Paraíba, tendo Dona Marina, como anfitriã. Ela era uma senhorinha altiva, e na época, devia beirar os 60 anos. Mas, destacava-se dos demais presentes.

Digo senhorinha, porque sua estatura não chegava a um metro e meio. Tinha uma postura impecável, além de provida de incontáveis dotes. Um encanto de criatura!

Seu nome completo era Marina Tornello, e procedia de tradicional família italiana. Sua fala ainda tinha um pequeno toque ‘cantado’ dos italianos, mas nada exagerado.

Contou-nos que desde criança, o piano havia sido sua paixão. Periodicamente fazia reuniões musicais e literárias para os amigos mais próximos. Por inúmeras vezes, em algumas creches ou escolas de crianças carentes, abandonadas. Acreditava que poderia ser um alento para suas almas. E talvez, a única oportunidade para entrarem em contato com a música clássica e alguns contos literários. Queria sensibilizar aqueles pequenos ‘ouvidos’.

Certo dia, prosseguiu ela, o Senhor Quincas, um dos empregados da fazenda, trouxe-lhe um envelope. A senhora Marina abriu-o e retirou do seu interior uma partitura intitulada: “Compasso de Espera”. Não existia indicação do remetente.

Obviamente não queria identificar-se.

A partir daí, nunca deixou de executá-la. A melodia possuía um ritmo forte e ao mesmo tempo, suave. Capaz de ‘tocar’ até o coração do capataz da fazenda, um homem de atitudes frias, entorpecidas.

Tal fato tornou-se bastante conhecido entre as pessoas que freqüentavam a casa. Contudo, ninguém jamais avaliou o quanto essa melodia tinha penetrado em sua alma, passando mesmo a ser sua companheira na espera da realização de um sonho.

O tempo ali, fez sua passagem suavemente. A Senhora Marina continuava com seu semblante sereno, porém sem aquele tom róseo na face. Os cabelos, já quase todos brancos prendiam-se à nuca de forma mais simples, mais natural, mas sempre imponente. A imagem da desesperança jamais tomou posse de sua fisionomia. Era como se o futuro ainda a aguardasse.

No inverno de 1984, no momento do início de mais um recital, estava eu, também presente, quando João, o então filho do Sr. Quincas, entregou-lhe desta vez, não um envelope, mas um ramalhete de rosas vermelhas.

- “Quem enviou-me estas rosas, João?” Ouvimos então, a Senhora Marina perguntar-lhe.

-“Fui eu, respondeu-lhe Jonas, num tom bastante sóbrio, porém delicado.”

A senhora Marina empalideceu com a visão.

Estava ‘vis-à-vis’ de seu amor mais secreto. No instante em que o conheceu e se apaixonou, soube-o casado. Guardou para si aquele sentimento.

Como não era de seu feitio desistir, continuou a jornada conforme o destino lhe assinalava.

Investiu grande parte de sua vida em benefício de pequenas e desamparadas criaturas.

O passar de tantos anos permitiu-lhe presenciar muitas delas tornarem-se adultas, saírem da instituição e até casarem-se. Ainda era capaz de ouvir as primeiras pequeninas vozes na sua sala ou no salão da creche, ao som do piano. Todas tinham aprendido a cantar e a ouvir lindas histórias.

Jonas retomou a palavra, em meio a tamanho silêncio. Há seis meses ficara viúvo.

Pediu-lhe perdão pela ousadia. Mas era imprescindível vê-la naquele momento.

A senhora, gentilmente pediu licença para ausentar-se por uns minutos.

Permanecemos tão mudos, quanto surpresos.

Presenciamos os dois sentarem-se à mesa posta, junto à primavera, que se enrolava em tons verde e laranja na pérgula. Timidamente, serviram-se de chá.

Não demonstraram estranheza ao constatarem os cabelos brancos, os corpos levemente arqueados e os diversos sulcos que marcavam seus rostos. Apenas olhavam-se profundamente, como se o tempo não tivesse diluído o frescor da juventude.



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