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Contos-->PODE ME CHAMAR DE MOTORISTA -- 07/01/2001 - 20:59 (Mario Jacoud) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
PODE ME CHAMAR DE MOTORISTA



“Boa noite, doutor”. Carlos, o motorista, abriu a porta traseira do carro e Doutor Jorge entrou, sem responder. O que essa gente pensa? Que pobre não precisa de boa noite? Que, do lado de cá, todos os dias são iguais? Sempre péssimos? Nem me reconheceu, tem uma cargo na diretoria da empresa só porque é genro do presidente da companhia. Faz um ano, levei ao aeroporto, atrasado, pediu pressa, corri o que pude para chegar a tempo, disse que ia me recomendar na firma, nada, nem se lembra de mim.

“Minha residência”. Outra vez ? Duas faltas do meu motorista e mandam o mesmo do ano passado? Será que não tem outro substituto na empresa? Só porque pedi pressa, correu feito louco até o aeroporto, reclamei com o responsável, mas, pelo visto, não tomou conhecimento. Exigirei providências.

“Sim, senhor”. Eu sei onde ele mora. Peguei o endereço antes de sair. Que casa! O sogro deu como presente de casamento, mas, pelo que se comenta, vai ter que mudar logo. Dizem que as coisas não andam bem com a mulher... Detesto quando toca o celular do passageiro, por mais que eu não queira presto atenção na conversa, acabo distraindo.

“Alô........sim.......chegarei logo.......calma.....pense mais um pouco.....” O que ela quer? Trabalho muito, faço tudo que posso, dou toda atenção possível. Jura que me ama, mas diz que assim não dá para continuar. Como pode? Será que ama? De minha parte o amor é o mesmo. Sei que falam que casei pelo dinheiro, pelo emprego. Mentira! Por amor, foi por amor! Maldito retrovisor, esse motorista, parece que não tira os olhos de mim, tentando adivinhar...

“Com licença, doutor”. Pronto! Lá vou eu tentando conversar de novo, mas não posso evitar, sou assim, que posso fazer? “Problemas em casa, com a patroa, não?” Acho que fui longe demais. Não respondeu, vá lá. “Sabe, doutor, em casa tambem é assim, para ela nada está bom, parece que sempre falta alguma coisa. E isso me incomoda. Ela já quis separar, eu tambem. Pensei bem e fiz umas continhas, assim: todos temos qualidades e defeitos, e as qualidades devem superar os defeitos, nem que seja um pouquinho, cinquenta e um a quarenta e nove por cento. Se ela for boa para mim durante metade do dia, tudo bem. Durmo oito horas, o trabalho me ocupa por mais dez horas, sobram seis horas. Então? Por mais que ela queira brigar, jamais vai estragar metade do meu dia.” Será que entendeu? Esses desse tipo...parece que quanto mais estudam mais burros ficam. “Em nome do amor, doutor, faço o impossível para compreende-la por seis horas, só seis horas”.

“É mesmo?” Só me faltava essa, filosofia de motorista. Após um dia desse, tantas reuniões infrutíferas, a caminho de mais uma briga, quem sabe separação...O sujeito tem um pensamento simplista demais...vinte e quatro horas, ocupado dezoito, é só suportar mais seis...Bem, às vezes, a solução do problema está no mais simples...”Como é o seu nome?” Carlos, como eu podia lembrar? Quero ver como se sai dessa, agora. “Pois é, Carlos, digamos que, nessas seis horas que você passa com sua mulher, ela atazana tanto, mas tanto, que as seis passam a contar por doze, treze horas, ou uma eternidade? Como você faz?” Peguei...

“Doutor, vou falar o que penso, se não concordar me desculpe. Acho que as mulheres são assim como seres especiais, bem diferentes de nós, humanos. Agem e pensam de outra maneira. Quer um exemplo? Se sua mulher telefonar, durante seu trabalho, e não falar nada importante, o senhor vai ficar irritado, vai dizer para ela não fazer mais isso, que está ocupado, etc...Ora, ela deixou seus afazeres para que? Para irrita-lo? Não, doutor, ela quer ouvir sua voz, fazendo isso ela está dizendo que o ama, e sua voz, mesmo não dizendo nada, tem que mostrar que a ama tambem. Simples e fácil. O telefonema que o senhor recebeu é um exemplo. Se fosse o senhor a ligar, e dissesse que estava a caminho de casa e com saudade, com certeza não teria brigas por hoje, não acha? E olha que o senhor tem um celular...”

“Simples e fácil, ora”. Motorista, matemático, psicólogo, filósofo, metido. “Você pensa que tem solução para todos os problemas de relacionamento entre casais, um motorista! Responda, então, a pergunta que fiz. Se mesmo com o tal telefonema, ela estiver esperando para mais uma batalha verbal, o que você faz?”

“O doutor usa paletó para que?” Deixe ele pensar um pouco, acha que não entendo nada, ele que está complicado, não eu. “Eu uso tambem, sou obrigado. Tenho cinco bolsos no meu, acredito que o senhor tenha no seu, não? A diferença entre nós é o que carregamos nos bolsos. Veja nos seus, celular, cigarros, isqueiro, carteira e não sei mais o que. Nada que seja importante para ela. Nos meus tenho um bombom e uma rosa. Todos os dias pego uma flor do jardim da empresa, conto com o doutor para guardar segredo, senão adeus emprego. Ao primeiro sinal de mau humor, estendo a rosa, como um mágico. Se não for suficiente, tenho o bombom, que guardo para uma segunda tentativa, ou para o dia seguinte. Se precisar da terceira tentativa, tenho minha boca, doutor. Não é pela boca que a gente mostra o que tem no peito, na alma? Faço isso sem palavra alguma. Enquanto ela ainda tenta brigar, fico mágico novamente e falo tudo o que quero com um beijo, inesperado, apaixonado. Tudo fácil, simples e barato”.

“Pare na próxima esquina, vou seguir caminhando. Como é seu nome mesmo?”

“Pode me chamar de motorista, mesmo, doutor”.

Carlos estacionou e abriu a porta para Doutor Jorge. Enquanto manobrava o veículo viu o homem falando ao celular e caminhar em direção à floricultura. Carlos, o motorista, solteiro convicto, matemático, psicólogo, filósofo, mágico, metido e mentiroso. Simples e fácil.

Mário Jacoud



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