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Contos-->Sentia o vento -- 01/04/2005 - 17:48 (Márcia Cristina Rodrigues Pereira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Sentia o vento de onde eu estava. Era forte e afastava a janela, devagar e cada vez mais. As cortinas voavam, fazendo uma dança, em movimentos ora leves, ora bruscos. Fiquei a observar aquele instante, com a porta do quarto fechada, com o coração fechado. Não podia nem ao menos ver qualquer luz perto de mim. Pelo menos a noite era dotada de uma delicada iluminação, que não agredia meus olhos, nem meus sentimentos. Queria ficar sozinha pra sempre, naquele ambiente. Não podia, não podia... Teria de encarar as pessoas que me aguardavam lá fora. Estariam próximas da porta, quem sabe, ou até espiando pelo vão da fechadura. Ouvidos à espera de um soluço de choro, de algum móvel sendo arrastado com fúria, de algum grito se perder pelo ar, de algum objeto ser atirado ao chão. Não me mexi desde o momento em que adentrei pelo meu quarto. Fiquei sobre a cama, sem forças para pensar no que tinha havido, sem forças para nada, absolutamente nada. Tinha perdido toda a noção de meus atos. Pensava apenas em estar no silêncio, no escuro, na paz. Dentro de mim já havia conflitos suficientes. E naquele dia, os conflitos também foram o bastante. Chega! Pra que tudo isso? Igreja, essa gente toda, você assim? Já não quero me casar com você! Quantas vezes tive vontade de lhe dizer que tinha acabado, mas me impedia, com medo de ouvir a verdade?

As cortinas continuavam voando. Eram finas, de um tecido bonito, leve, brancas. Tinham um babado em todo seu contorno. Qual o nome do tecido mesmo? Não me lembro... Lá, lá, I need some distraction, lá, lá... lá, lá, lálá... Sempre tive a mania de ficar com as mãos entre as pernas, mesmo sabendo que elas ficam insensíveis facilmente. Aliás, nem as sinto mais. Fecho meus olhos, porque os sinto pesados. Uma lágrima quente escorre pelo meu rosto e pára em minha boca. Desde criança gostava desse gostinho. Mãe, por que a gente chora? Então é por que estamos tristes? Por isso que a lágrima é gostosa, né? Pra deixar a gente feliz, pelo menos por isso... Não vai me dizer nada? Estou falando com você? Os convidados estão lá fora! Diga logo! Se não diz, eu aviso a eles que não vai acontecer nada hoje. Fale, Elen!

Uma outra lágrima escorre pelo meu rosto. Desta vez, não passa perto dos lábios, indo direto para o travesseiro. Preciso ver novamente a janela. E as cortinas. E seu movimento. Lá, lá, lá, give me angel... give me angel... lá.. lá... Essa música é linda. Ele adorava ouvir comigo. Pensávamos nas montanhas, no dia em que tivéssemos nossos filhos. Sentiríamos o tempo passar e estaríamos juntos, cada vez mais. Ouvia nossos risos ainda. Sentia o beijo dele em mim, em meu rosto. Lá, lá, lá.... I’m sorry...lá, lá, lá... I want to fly in the air... lá... oh, beautiful... Nunca soube muito inglês; ele dominava. Nem sabe acompanhar a letra, Elen... Precisa procurar aulas e fazer. Já lhe disse isso... Eu sei, eu sei.

Engraçado, como as cortinas são lindas, quando voam. Parecem muito mais leves que um pássaro. Da minha janela via o horizonte, toda tarde, e o pôr-do-sol o encantava. Psiu... vamos ver a despedida do sol... Depois conversamos.... Apoiava-me no seu ombro, tocava em meu rosto, sonhava com todas as estrelas que viriam com a despedida do sol. Após uma partida, há de haver uma dor, Elen, mas, sempre há uma recompensa. Sempre.

Minhas mãos tinham dormido e não sentia nem o sangue circular por elas. Quando tento levantar meus braços, eles não obedecem ao estímulo e pendem levemente para os lados. Deito-os na cama. Um ardor muito forte foi chegando. Era o sangue retomando seu lugar de origem. Meus olhos ardem também, como nunca. Preciso abri-los novamente. O sangue corria pelas veias de minha mão, enquanto uma sensação horrível permanecia, até que elas acordassem em definitivo. Embora já tivesse sentido essa dor da dormência antes, deixei com que elas uma nova vez ficassem sem sangue, e sofressem essa perda. Eu sabia que ele não me amava mais. Sabia e deixei que chegasse o dia...

O sentimento de não ter o movimento das mãos é estranho. Permaneci sem me mexer por horas, ali, na cama. As lágrimas haviam secado. Agora, tinha os olhos abertos e tinha minhas mãos despertas. E tinha a mim novamente viva. Viro-me devagar para a beira da cama. Apoio minhas mãos nas pernas, levanto-me, caminho até o banheiro. Lá, lá, lá, leave me alone... lá, lá... lá, rá... Jogo água em meu rosto. Não arrisco me olhar no espelho. Fico de costas, respiro profundamente... Uma tontura leve me desnorteia. Seguro-me na porta. As cortinas estão mais quietas agora. Olho para porta, olho para minha cama, olho para minhas mãos. Há sangue nelas; estão vermelhas, bem vermelhas. Há forças suficientes em mim. Caminho para o armário, escolho uma roupa colorida, essa vermelha... sim... essa.... prendo meus cabelos com um coque, discreto, seguro por um longo palito de madeira. Fica muito bem com os cabelos presos assim, por isso lhe dou esse palito... Gosta? Solto os cabelos e os ajeito com os dedos. Acabo me vendo refletida no espelho da cômoda. Estou com olheiras... Esse creme deve ajudar... Pronto, assim... pronto. Calço minhas sandálias. Caminho. Mexo na chave. Movo a maçaneta. Abro a porta. Lá, lá... the angel.... give me, angel... lá, lá, rá, lá...

A janela do quarto se fechou sozinha. A cortina parou de voar com o vento. Lá, lá, rá, lá...
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