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Contos-->A boneca no asfalto -- 14/11/2000 - 17:06 (MICS) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Depois de muito esperar por um final de semana prolongado, foi com entusiamo que começamos os preparativos para alguns dias de viagem com alguns dias de antecedência pois a praia para onde vamos não tem nada, nem estrada.
- Meninos façam as malas. Não se esqueçam de levar roupa de frio.
Quem diria que em setembro ainda estaríamos em pleno inverno? Até onde me lembro, setembro sempre foi mês de viajar para praia com muito sol e calor. Mas as lembranças agora se condensaram demais, parece que a cada ano que passa perco um ano na memória. Juntam-se fatos de muitos acontecimentos num só tornando as lembranças nebulosas, imprecisas, até que coisas menos relevantes percam-se para sempre.
Arrumo a comida em caixas para facilitar o transporte no barco. Suspiro só de pensar na hora e meia de viagem no tó-tó-tó que é como carinhosamente (ou seria onomatopéicamente?) chamamos as baleeiras pequenas.
Procuro alguma coisa pra me distrair se estiver chovendo. Ler está quase fora de cogitação, uma vez que não há luz e vela só serve mesmo pra romantizar ambientes ou nos salvar nos apagões além de, é claro, iniciar incêndios em criado-mudo de adolescentes. Acho uma caixinha de música que comecei a restaurar e onde falta um boneco de madeira entalhada, já começado há muito tempo. Me surpreendo ao perceber que o "muito tempo" são onze anos, idade da minha filha caçula.
Percorro a casa verificando se esqueci alguma coisa. No jardim vejo a bola comprada há alguns dias.
- Crianças, a bola. Vejam se acham a bomba. Elas reclamam que já levamos duas bombas. Anoto mentalmente que preciso atualizar minha lista do que já tem lá. Da última vez descobri que já tem dois de quase tudo, ao menos na cozinha.
Malas fechadas, carreta enganchada, estamos quase prontos. Encontrados e contados os gatos, passamos a fase final: - Não esqueceram nada mesmo? E lá vai uma pra dentro de casa buscar o biquini. Invariávelmente alguém esquece alguma coisa, o que de certa forma é interessante porque estimula nossa criatividade na busca de alternativas para todo tipo de esquecimento. O problema das escovas de dente resolvemos deixando sempre uma para cada um por lá mesmo. É comum elas darem cria.
Atravessamos a cidade para pegar a estrada. Gosto de São Paulo assim vazia, a cidade me parece mais suave. Curioso o pensamento de que pessoas possam tirar a suavidade do lugar. Imersa em pensamentos nem vejo o tempo passar. Quando me dou conta estamos a caminho da serra. Essa etapa do caminho é a que mais gosto. Estradas de duas mãos, bem arborizadas, cheias de cantos e recantos.
Gosto de olhar tudo que passa. Tenho uma atração mórbida pelas cruzes à beira das estradas. Costumava inventar uma estória para cada cruz até o dia que descobri num disco muito antigo, daqueles de gramophone, a estória da Cruz de Ferro na estrada de Taubaté. Foi um assassinato passional, sem nada a ver com acidente ou coisa parecida.
Numa curva, uma cruz me chama a atenção. É uma cruz pequena, branca, sem flores.
Pendurada nela, uma bonequinha de pano.
Comecei a pensar nos motivos que levaram alguem a colocá-la alí. Seria uma oferenda? Uma forma de minimizar a dor da perda? Qualquer motivo me parecia mórbido, trágico, assustador. Me assusta o sentimento das pessoas, o tipo de reação que elas podem ter. Comentei o fato mas ninguem se mostrou interessado.
Fomos a praia, tomamos banho de sol, de chuva e de vento. Até a lua deu de aparecer naqueles dias, uma meia lua risonha.
Na volta, me dei conta de que estávamos próximos da cruz com a boneca.
Mostrei à minha filha e esperei sua reação com certa ansiedade.
- Ah! Mãe, que bonitinho. Uma boneca no asfalto.

Mics
21/09/2000
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