hoje passei a tarde me preparando psicologicamente para ir à livraria onde você, no presente momento, deve estar autografando o livro de sua mais recente lavra.
Lá pelas tantas resolvi telefonar para me informar sobre a acessibilidade do local e descobri que infelizmente não poderia comparecer posto que o evento seria no segundo e terceiro piso.
Matutando sobre a situação lembrei-me de um caso ocorrido há muito tempo, que agora relato a você esperando, de todo o coração, suas providências.
Nos idos dos anos 60, moravam em Brasília, vindos de Belo Horizonte, por força do cargo, o Ministro Saulo Dinis, sua esposa e seus seis filhos (quatro rapazes e duas moças, contrariando a tradição da serra das Alterosas onde costumam nascer mais mulheres do que homens).
Todos bem comportados. Todos cruzeirenses convictos. Todos apreciadores de uma boa partida de biriba, a “brinca”, como convinha à tradicional família mineira.
Todos menos um, pois o primogênito, Henrique Dinis, era atleticano fanático, boêmio, biriteiro, arruaceiro e, imagino eu, se fosse partir prum carteado tinha que ser a “vera”.
Contam as línguas ferinas, dentre as quais incluo a minha própria, uma vez que não vou fazer segredo do episódio, que depois de umas talagadas Henriquinho entrou no Mocambo já chamando Jesus de Genésio e pediu uma cerveja, que lhe foi negada pelo dono do estabelecimento, alegando que não ia servir porque ele já estava bêbado.
Nosso personagem rodou nos calcanhares em direção ao estacionamento, ligou o carro, fez a manobra, embicou em direção ao bar e entrou arrastando mesas e cadeiras com o pára-choque. Freou em frente ao balcão, meteu a mão no porta-luvas, sacou um revólver 38, apontou para o proprietário e falou pausadamente: “Me dá logo a minha cerveja”. Ao que foi prontamente atendido.
Em outra ocasião, já mais velho e surrado de tanta cachaçada, mandaram-no passar uma temporada na fazenda de um tio para ver se os ares do campo ajudavam a acalmar seus rompantes irascíveis.
Parece que deu resultado. Henrique voltou contando que depois de uma pescaria de onde não trouxera nenhum peixe, mas sim muita garrafa vazia, deitou-se na cama sem passar pelo banheiro. No meio da noite acordou apertado e ainda zonzo. Não se aventurou a levantar. Viu na cama ao lado o tio roncando com as botas largadas no chão e não teve dúvida: encheu-as, uma após a outra, com uma grande mijada e tornou a desmaiar no travesseiro.
Mas, como diz o ditado, quem foi incendiário aos 20, aos 40 vira bombeiro.
Quando seu primo Fernando Sabino foi à Capital Federal lançar o romance “O Grande Mentecapto”, Henrique Dinis já estava domado pelo tempo e seu palco de atuação se restringia à portaria do prédio onde morava e à banca de jornal do outro lado da rua, que pertencia ao negro Vicente, seu grande amigo e companheiro de torcida do alvinegro de BH. Não se afastava mais de casa e nem chegou a comparecer à tarde de autógrafos no Cine Brasília.
Mas se Maomé não foi à montanha, a montanha que fosse a Maomé.
Na manhã seguinte, quem não teve paciência de esperar na fila para adquirir o livro do grande escritor pode comprá-lo ali na Banca do Vicente, com direito a autógrafo do autor e ainda dois dedos de prosa com seu sobrinho Henriquinho Dinis.
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Nessa altura do campeonato, caríssimo amigo, tenho a certeza de que você já entendeu o porquê de tanta história.
Ficarei aguardando seu comunicado com o dia, hora e local do evento em que poderei comparecer.