É impossível negar que o mundo em que vivemos é o teatro das surpresas. Isto significa que a vida é o palco do inusitado no qual o absurdo representa comédias e tragédias inesperadas. Então, onde ficam as certezas? No trajeto mutável das ciências? Na razão, que o homem orgulhoso supõe possuir como pressuposto de condutas superiores? Nas religiões, que ostentam o consolo de um além reconfortante e conferem a certeza da fé? Que me desculpem os cientistas, os cartesianos, os religiosos, pois nada confere a certeza. O animal superior do planeta singra os mares das dúvidas e para não naufragar levanta as velas dos sonhos e segue os ventos da esperança.
Mesmo o bem e o mal, o certo e o errado, a verdade e a mentira, oscilam pelo caminho das etapas históricas de forma diferenciada. Certeza mesmo, só a morte, mas mesmo ela vem quando menos se espera. E quando cada pessoa pensa que pelo menos se conhece, é surpreendida por seus próprios comportamentos diante de determinadas circunstâncias.
Mas se o mundo é o vasto teatro do imprevisível, nos reservando sempre armadilhas e surpresas, o que aliás dá graça à vida, existem peculiares reinos nesse planeta onde o inusitado se acentua e a arte de representar é elevada ao virtuosismo. A política é por excelência um desses reinos. Afinal, o espécime político pode ser caracterizado como aquele que pensa uma coisa, diz outra e faz o contrário.
O político surpreende por seu imediatismo. Muda de direção com a mais surpreendente facilidade, suas idéias são fogos de artifício, sua lealdade pode ser comparada a chama de um fósforo. Como reconheceu Lourenço de Médici, o Magnífico, lá pelos confins dos 1400, "a afeição e a fidelidade de meus amigos não duram a partir do momento em que me afasto mais de dezesseis quilômetros de Florença".
Não nego que exista um núcleo imutável do poder, onde sobressaem a ambição, a inveja, a vaidade. Mas os comportamentos que daí advém são sempre inesperados e isso é mais visível em campanhas eleitorais.
Não vou me ater aqui ao governador de Minas Gerais, Itamar Franco, que poderia ser apresentado como um dos símbolos do imprevisível no reino da política. Não vou voltar a comentar as constantes mudanças que os políticos fazem de um partido para o outro. Mas nesta encruzilhada onde o futuro nos espreita das sombras das incertezas, impressiona os passos dos candidatos sobre o terreno escorregadio da imprevisível.
O PT, que vem se esmerando na modalidade do vale-tudo, surpreende pelo pragmatismo de suas coligações, impensáveis num passado recente. No caso da retórica light fabricada pelo marketing, Lula não convenceu os investidores estrangeiros que lêem nas entrelinhas os perigos dos cacoetes socialistas, cultivados por seu partido. Mais incertezas.
Enquanto isto, Ciro Gomes, clone com defeito do ex-presidente Collor, ataca Armínio Fraga (será que Ciro Gomes, se ganhar, põe Mangabeira Unger como presidente do Banco Central? Deus nos acuda!) e, com sua costumeira arrogância de "coronel", dá ordem aos Estados Unidos, pedindo distância de nossa campanha. É a velha dor de cotovelo latino-americana gerando mais perplexidade.
Serra, que poderia, quem sabe, manter a estabilidade econômica e que acusa com razão seus adversários, Ciro Gomes e Lula, de pregarem o calote da dívida externa sob o disfarce do eufemismo, coloca certas dúvidas ao permitir que seus estrategistas de campanha responsabilizem o Banco central por parte do "tumulto" que agitou o mercado. E logo Serra, que havia convidado Fraga para permanecer no cargo, caso ganhe.
Roseana Sarney foi inesperadamente defenestrada da campanha por esses motivos de caixa 2. Já o PT, é imune a este tipo de escândalo. Quanto a Garotinho, já não sabemos até quando agüentará depois que foi abandonado pelo irmãos do PL.
No reino do imprevisto nunca se pode prever com exatidão o que acontecerá, mas estou desconfiada que boa coisa não vai ser.
Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga, escritora e professora universitária e escreve nos finais de semana para a Agência Cone Sul de Notícias