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Artigos-->CUBA, O INFERNO NO PARAÍSO -- 14/07/2002 - 09:33 (BELADONAIDIOTA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
CUBA, O INFERNO NO PARAÍSO



Juremir Machado da Silva



Na crônica da semana passada, tentei, pela milésima vez,

aderir ao comunismo. Usei todos os chavões que conhecia para

justificar o projeto cubano. Não deu certo. Depois de 11 dias

na ilha de Fidel Castro, entreguei de novo os pontos. O

problema do socialismo é sempre o real. Está certo que as

utopias são virtuais, o não-lugar, mas tanto problema com a

realidade inviabiliza qualquer adesão. Volto chocado: Cuba é

uma favela no paraíso caribenho.



Não fiquei trancando no mundo cinco estrelas do hotel Habana

Libre. Fui para a rua. Vi, ouvi e me estarreci. Em 42 anos,

Fidel construiu o inferno ao alcance de todos. Em Cuba, até

os médicos são miseráveis. Ninguém pode queixar-se de

discriminação. É ainda pior. Os cubanos gostam de uma fórmula

cristalina: Cuba tem 11 milhões de habitantes e 5 milhões de

policiais . Um policial pode ganhar até quatro vezes mais do

que um médico, cujo salário anda em torno de 15 dólares

mensais. José, professor de História, e Marcela, sua

companheira, moram num cortiço, no Centro de Havana, com mais

dez pessoas (em outros chega a 30). Não há mais água

encanada. Calorosos e necessitados de tudo, querem ser

ouvidos. José tem o dom da síntese: Cuba é uma prisão, um

cárcere especial. Aqui já se nasce prisioneiro. E a pena é

perpétua. Não podemos viajar e somos vigiados em permanência.

Tenho uma vida tripla: nas aulas, minto para os alunos. Faço

a apologia da revolução. Fora, sei que vivo um pesadelo.

Alívio é arranjar dólares com turistas . José e Marcela,

Ariel e Julia, Paco e Adelaida, entre tantos com quem

falamos, pedem tudo: sabão, roupas, livros, dinheiro, papel

higiênico, absorventes. Como não podem entrar sozinhos nos

hotéis de luxo que dominam Havana, quando convidados por

turistas, não perdem tempo: enchem os bolsos de envelopes de

açúcar. O sistema de livreta, pelo qual os cubanos recebem do

governo uma espécie de cesta básica, garante comida para uma

semana. Depois, cada um que se vire. Carne é um produto

impensável. José e Marcela, ainda assim, quiseram mostrar a

casa e servir um almoço de domingo: arroz, feijão e alguns

pedaços de fígado de boi. Uma festa. Culpa do embargo norte-

americano? Resultado da queda do Leste Europeu? José não

vacila: Para quem tem dólares não há embargo.



A crise do Leste trouxe um agravamento da situação econômica.

Mas, se Cuba é uma ditadura, isso nada tem a ver com o

bloqueio. Cuba tem quatro classes sociais: os altos

funcionários do Estado, confortavelmente instalados em

Miramar; os militares e os policiais; os empregados de hotel

(que recebem gorjetas em dólar); e o povo. Para ter um

emprego num hotel é preciso ser filho de papai, ser protegido

de um grande, ter influência , explica Ricardo, engenheiro

que virou mecânico e gostaria de ser mensageiro nos hotéis

luxuosos de redes internacionais.



Certa noite, numa roda de novos amigos, brinco que, quando

visito um país problemático, o regime cai logo depois da

minha saída. Respondem em uníssono: Vamos te expulsar daqui

agora mesmo . Pergunto por que não se rebelam, não protestam,

não matam Fidel? Explicam que foram educados para o medo,

vivem num Estado totalitário, não têm um líder de oposição e

não saberiam atacar com pedras, à moda palestina. Prometem,

no embalo das piadas, substituir todas as fotos de Che

Guevara espalhadas pela ilha por uma minha se eu assassinar

Fidel para eles.



Quero explicações, definições, mais luz. Resumem: Cuba é uma

ditadura . Peço demonstrações: Aqui não existem eleições. A

democracia participativa, direta, popular, é um fachada para

a manipulação. Não temos campanhas eleitorais, só temos um

partido, um jornal, dois canais de televisão, de propaganda,

e, se fizéssemos um discurso em praça pública para criticar o

governo, seríamos presos na hora .



Ricardo Alarcón aparece na televisão para dizer que o sistema

eleitoral de Cuba é o mais democrático do mundo. Os

telespectadores riem: É o braço direito da ditadura. O

partido indica o candidato a delegado de um distrito; cabe

aos moradores do lugar confirmá-lo; a partir daí, o povo não

interfere em mais nada. Os delegados confirmam os deputados;

estes, o Conselho de Estado; que consagra Fidel. Mas e a

educação e a saúde para todos? Ariel explica: Temos

alfabetização e profissionalização para todos, não educação.

Somos formados para ler a versão oficial, não para a

liberdade. A educação só existe para a consciência crítica, à

qual não temos direito. O sistema de saúde é bom e garante

que vivamos mais tempo para a submissão . José mostra-me as

prostitutas, dá os preços e diz que ninguém as

condena: Estão ajudando as famílias a sobreviver . Por uma

de 15 anos, estudante e bonita, 80 dólares. Quatro velhas

negras olham uma televisão em preto e branco, cuja imagem não

se fixa. Tentam ver Força de um Desejo . Uma delas

justifica: Só temos a macumba (santería) e as novelas como

alento. Fidel já nos tirou tudo. Tomara que nos deixe as

novelas brasileiras . Antes da partida, José exige que eu me

comprometa a ter coragem de, ao chegar ao Brasil, contar a

verdade que me ensinaram: em Cuba só há rumvoltados .



E-mail:juremir@pucrs.br

Correio do Povo, Porto Alegre - RS, 4 de março de 2001"



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