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Artigos-->Educandos e educadores: a questão da motivação -- 27/06/2002 - 15:18 (Dante Gatto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Educandos e educadores: a questão da motivação



Comecei a pensar mais profundamente sobre o assunto a partir de 1998, quando assumi a cadeira de Teoria da Literatura na Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), campus de Tangará da Serra. Aliás, a minha primeira experiência como professor.

Ensinar literatura? Bem, de literatura sempre gostei. Ensinar, em princípio, num curso de terceiro grau, em que os alunos estão definidos sobre o que querem da vida profissional, não me parecia uma tarefa das mais árduas. No entanto, as dificuldades foram muitas, desde as de caráter conteudísticas e didáticas/pedagógicas, como as de caráter sócio-filosóficas.

Uma das questões deste complexo de problemas, que é o que proponho tratar aqui, configura-se num clamor mais ou menos generalizado que posso resumir na solicitação de uma aluna: “Estou desmotivada. Quero ser motivada a gostar de literatura”. Diante disso me senti sem chão: perplexidade. Mas que diabo eu tenho a ver com isto. Ora, um estudante que em toda a sua vida pregressa não conseguiu tal motivação não deveria estar cursando letras. Tive impulsos de dizer-lhe: “Você está no curso errado, você está buscando a profissão errada”. E mais: “Por favor, procure encontrar o teu caminho para ser feliz. Eu sou um cara feliz”. E radicalizando para ser eficaz, pensei em dizer-lhe: “Não venha feder com a tua infelicidade na minha radiosa manhã de primavera”.

É claro que eu não fiz nada disso. Amarguei longamente a minha perplexidade. Afinal, conclui, trata-se de um problema meu também, enquanto problema educacional. Isto, conforme Paulo Freire (Pedagogia do oprimido, 22.ed., Paz e terra, 1987), implica assumir sua concepção problematizadora (p.72-3). Educação subentende um processo dialético numa praxis constante orientada pelo seu caráter ontológico:



"Sua ação, identificando-se, desde logo, com a dos educandos, deve orientar-se no sentido da humanização de ambos. Do pensar autêntico e não no sentido da doação, da entrega do saber. Sua ação deve estar infundida na profunda crença nos homens. Crença no seu poder criador". (op. cit., p.62) (O negrito é nosso)



Tal crença instaura uma nova relação:



"Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas". (op. cit., p.68)



Educar passa pela compreensão de uma realidade em constante processo de transformação e que tais transformações devem ser proporcionadas pela praxis que lhes aponta as contradições, tornando toda verdade relativa e circunstancial. Um processo dialético, portanto, em que todos – educandos-educadores e educadores-educandos – estão profundamente inseridos.

Bem, era preciso motivá-los. Pensei numa infinidade de estratégias neste sentido, mas tudo é relativo quando se trata de pessoas: o que motiva alguns paralisa outros. Nada que fosse motivador para todos, indistintamente. Decide fundamentar meu caminho na condição que marca a especificidade do ser humano que as teorias de recursos humanos costumam chamar de fenômeno humano. Fenômeno singular que consiste na necessidade inerente do Ser em transcender, ir além e, ao mesmo tempo, deixar sua marca, digamos assim, uma singularidade que o diferencia como ser único. É fácil de perceber: o impulso à criação faz parte deste processo. Sim, desejamos criar. E criar aqui não consiste apenas em perpetuar a espécie, mas afirmar as luzes raras do fenômeno humano. Todos somos criadores.

No entanto, não é difícil perceber que tal fenômeno não se efetiva na prática. O que prevalece é uma descrença generalizada em tal poder criativo que acaba se afigurando como característica de poucos bem dotados. Na verdade, ao meu ver, ocorre que somos educado para esta moral de rebanho. Aliás, somos deseducados. Obedecer e não criar, eis a prerrogativa tácita das nossas elites intelectuais que ainda respiram um ar carregado da herança burguesa e pensam em pessoas como recursos (mão-de-obra) indispensáveis ao objetivo maior, o lucro. Um mundo pensado para atender os interesses de poucos ao qual se submete “o aparelho ideológico do Estado”, emprestando o nome de uma obra de Luis Althusser e resumindo asperamente a questão.

Bem, voltemos à sala de aula. Ora, na sala de aula podemos desmascarar o caráter absoluto de todo e qualquer verdade, apontando-lhe a incessante transformação dialética. Ora, na sala de aula podemos incluir o aluno neste processo transformador, estimulando-o à participação, como agente ativo, criador e criatura. É uma tarefa das mais árduas, tendo em vista os valores introjetados em sentido contrário. Vamos examinar, novamente, o que diz as teorias de recursos humanos, conforme Flávio de Toledo no seu pequeno livro O que são recursos humanos (2.ed., Ática, 1983), reportando-se novamente à questão do fenômeno humano:



"fenômeno que o homem buscou durante os milênios de sua evolução, e busca teimosamente hoje, condições de liberdade para poder assumir a responsabilidade na condução de seu projeto. A não-participação seria, então, a institucionalização do ser humano, como ser condenado a ter seu destino preestabelecido por minorias e por estas ser comandado, organizado e manipulado, seja coercitivamente, seja com a generosidade aparente de um paternalismo possessivo". (op. cit., p.40)



A participação em sala de aula não se prende somente ao produto, isto é, a superação da verdade absoluta, mas ao próprio processo. O grupo deve participar no processo, fazendo a aula com o professor. A prática da participação ativa, quem já experimentou sabe, é extremamente motivadora.

É evidente que este assunto não acaba aqui. Retornaremos oportunamente.



Dante Gatto, professor da UNEMAT (Universidade do Estado de Mato Grosso)

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