LEMBRANÇAS DE UMA VIAGEM: MILÃO-OTTAWA-MILÃO
Meu niver
L. C. Vinholes
18.10.2025
Nota: O texto desse artigo foi escrito em 25 de abril de 1999 e teve como finalidade acompanhar algumas das muitas fotografias tiradas em Ottawa durante minha curta, mas gratificante estada de oito dias na capital canadense. As fotos não as tenho, mas a história me faz lembrar aos nela citados e que nunca esqueci. Espero que a diferença de 26 anos entre a data de redação e a data de hoje, da sua publicação, não crie dificuldades ao leitor.
Com o coração partido, deixando Helena para trás. no dia 3 de abril de 1999, saí de casa às 05:30 da manhã e, do Aeroporto de Linate, em Milão, às 07:40, com destino a Ottawa, via Londres; de lá regressei, pela mesma rota, no dia 10, desembarcando no dia 11, no novo Aeroporto Malpensa, que fica a uns 50km de Milão que, dependendo do trânsito, são percorrido rem cerca de uma hora.
O único objetivo desta minha viagem foi visitar Irani e com ela passar a maior parte do tempo. Assim foi. Ceguei em Ottawa, às 13:10 do mesmo dia 3, e Irani me esperava com um refrescante suco de maça, uma das bebidas prediletas dos canadenses. Fomos para casa de ônibus, pois, assim, eu queria percorrer aquele caminho tantas vezes visto por interesse pessoal ou para ir buscar ou levar alguém que chegava ou saia.
Nos poucos dias que passei em Ottawa, Irani e eu tivemos oportunidade de passear bastante, de bater longos papos, de ir a lugares que conhecíamos, de estarmos juntos as 24 horas do dia. Ficando no apartamento de Irani, tomávamos café e fazíamos refeições com o que saía da pequena, mas bem equipada cozinha. Foi um período muito agradável. Irani levou-me ao By Ward Marquet, um mercado tradicional no cetro de Otawa, onde comemos os “bivar tail”, pastelões açucarados com canela em pó, na forma de caudas de castores. Fomos a dois restaurantes chinesses de nossas preferências. Visitamos o pessoal da Embaixada onde trabalhei por 12 anos. Fomos fazer refeições também no Spark 240, onde eu costumava almoçar, pois o tempo não dava para retornar à casa. Fomos à Biblioteca Pública de Ottawa devolver livros que Irani acabara de ler, e lá revi os espaços onde organizei exposições temáticas, entre elas a da obra de Jorge Amado com exemplares no original e em todas as traduções. Passamos pela Biblioteca Nacional onde montei inúmeras exposições e gravuras e pinturas de dezenas de nossos artistas mais representativos, criando um bom mercado para suas obras. Visitei a galeria-oficina onde montava as gravuras a serem expostas e onde fiz dois grandes amigos, Heather e Brad, que apresentei à Irani que deles muito gostou. Fomos às superlojas Bay Shore, Eaton, Canadian Tires e Simpson-Sears e percorremos os negócios que lá visitávamos no passado. Compramos lembranças e coisas úteis. Irani só não me acompanhou nas rápidas visitas que fiz aos meus bons amigos Alice, viúva de Gery Lemair, vizinho de tantos anos; Lloyd Stanford, intelectual singular e líder do grupo Third World Players com o qual organizei, entre outros, os programas da Rádio da Universidade Carleton intitulados Mosaico Literário Brasileiro; Akira Mutuura, com sua esposa e filha Reiko, um dos parceiros colecionadores de mapas e gravuras antigas, entomólogo aposentado, possuidor da mais extensa e valiosa coleção particular de arte japonesa que conheço; e, finalmente, Sara London, mineira de Ouro Preto, ex-dona e amiga dos estudantes que viviam na sua pensão e uma das grades amigas que tive em Ottawa. Apesar das temperaturas baixas, saíamos bastante, caminhando pelas ruas de Ottawa, tirando fotos, Irani com sua Pentax e eu com a minha, que há muito me acompanha. Quando não andávamos a pé, utilizávamos os pontuais e confortáveis ônibus da OC Transpo.
Irani se sente bem no Canadá, ambiente onde encontra segurança e tranquilidade. Seus últimos trabalhos pertencem à uma nova série muito diferente daquela que fez em Brasília, no início de 1996, com acrílico sobre tela, tamanho 113cm x 96cm. Os novos trabalhos são sobre papel, a maioria tamanho postal, a lápis e pastel, como se fossem mosaicos. São miniaturas extremamente interessantes e ricas no seu colorido.
Ottawa continua limpa e organizada assim como a conheci nas décadas de 70 e 80, com um povo muito mais reservado do que o nosso, mas, em compensação, sempre gentil e atencioso. Ottawa oferece segurança para se sair à rua, mesmo à noite, sabendo-se que não vai acontecer nada de desagradável, que ninguém vai incomodar, que a volta para casa será tranquila. Quem dera que as cidades no Brasil oferecessem este ambiente.
Meu último dia em Ottawa era, ao mesmo tempo, do dia do meu aniversário. Às vésperas, Irani que sabia da correria do dia 10, preparou uma “festa” durante a qual compartilharmos, um “bolo de aniversário”, com duas fileiras de seis velinhas cada uma, não para somar doze, mas para simbolizar 66, com uma rica xícara de chá, tudo ao som da famosa melodia de “parabéns para você”, em solo que ela interpretou com carinho e segurança. No dia 10, por volta das 14:30, Daniel cegou de São Paulo e, assim, foi possível ficarmos juntos por umas seis horas até minha saída para o aeroporto de Ottawa, outra vez de ônibus, na companhia de Irani que ficou comigo até a hora do embarque, um pouco antes das 21h, pouco mais de meia hora para a partida arcada às 21:40. Daniel, abatido pela longa viagem que fizera toda a noite anterior, com sete horas de espera em Nova York para a baldeação ficou no apartamento para dormir e descansar.
De Milão para Ottawa, levei cadernos de desenho de papel japonês e pedaços de rapadura e doces de mamão que Helena havia trazido de Basília e de Ottawa vim com melado de “maple” que se come seco com panqueca, uma das delícias do inverno canadense.
No da 11, pelas 15:30 cheguei no aeroporto de Malpensa. Estava preparado para tomar o ônibus e, só depois de uma hora e meia de viagem, chegar a Milão e encontrar Helena. Mas, para surpresa minha, lá ela estava acompanhada de Graziela, nossa boa amiga, esperando-me com um buquê de flores, flores que ainda hoje, dia 25, enfeitam a mesa de cento de nossa sala. A noite com a família Sposato (Ezio, Graziela, Maria Luna e Gaya), repique da comemoração do meu “niver” com torta de morangos e um pavê de pêssego. Tomei conhecimento dos recados deixados por Helena e recebi os abraços e beijos da parentada e dos amigos. A noite falei com Irani, por telefone, para dizer que havia chegado bem e deixei um abraço para Daniel.
No dia 12 votei ao batente. Me ocupei com os preparativos para a exposição de poesia concreta brasileira com inauguração marcada para o dia 15, que eu mesmo organizei e montei no IBRIT, o Instituto Brasil-Itália. Depois, absorveram-me as providências para a exposição do dia 22, do pintor Luiz Nasr, brasileiro que vive no Equador. Isso, sem levar em consideração todos os expedientes do meu Setor no Consulado-Geral e o atendimento daqueles que vêm tratar dos mais diferentes assuntos a quem dedico, sempre, toda a atenção possível. Pelo menos por três noites consecutivas, textos com dados e informações para atender pedidos de subsídios sobre os fatos que culminaram com a celebração da irmandade, em 1963, entre Pelotas e a cidade de Suzu, no Japão.
Como complemento, à gisa de sobremesa, o preenchimento do disquete do imposto de renda. Para mim, o tempo é sempre insuficiente e curto demais.
Como vêm, não se trata de um relatório, mas, como disse, de um texto para acompanhar as fotos e permitir a todos de compartilhar da alegria que tive de estar com Irani e Daniel em um momento, para mim, tão significativo: Páscoa, renascimento, meus 66 anos.
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