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Artigos-->ANTECEDENTES DO JARDIM DE PELAVRAS E DA ESCULTURA SOL -- 25/07/2025 - 09:30 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

ANTECEDENTES DO JARDIM DE PELAVRAS E DA ESCULTURA SOL

L. C Vinholes

25.07.2025

Nota: Recuperando e ampliando anotações e minuta de maio último, disponibilizo informações relativas ao período em que várias providências foram tomadas para o sonhado projeto Palácio Internacional dos Congressos, do arquiteto Wilson Reis Netto.

Em 1962, o Governador Iwataro Uchiyana da Província de Kanagawa, onde está o importante cidade-porto Yokohama, convidou ao arquiteto brasileiro Wilson Reis Netto[i] para fazer o projeto do Palácio Internacional dos Congressos que pretendia ser construído às margens do = 芦ノ湖 = Ashi no ko = Lago Ashi vizinho à cidade de 箱根 = Hakone, no sopé do 富士山 = Fujisan = Monte Fuji, conhecida região de águas termais. O desafio foi imediatamente aceito por Wilson que, anos antes, havia colaborado com Oscar Niemeyer realizando projetos em Brasília, sendo um dos mais festejados e que lhe deram fama, o da Escola Classe na Avenida W3.

Wilson convidou para colaborar no projeto ao artista plástico luso-brasileiro Fernando Lemos[ii] para fazer os vitrais da capela; Lemos se encontrava no Japão valendo-se de uma bolsa da Fundação Guldbenkian para estudar os “nanban”[iii], biombos japoneses com temática portuguesa do século XVI; e a mim com a incumbência de criar algo que estivesse em sintonia com a poesia concreta brasileira que acabara de ser apresentada ao público japonês em memorável exposição realizada no Museu de Arte Moderna de Tokyo[iv]. Logo comecei a elaborar ideias sobre o que poderia ser mais adequado e a rabiscar eventuais conjugações de palavras. Inicialmente, procurei acompanhar as diferentes etapas do desenvolvimento do projeto. Pesquisando valores semânticos de palavras do português e do japonês não me foi difícil encontrar aquelas que tinham afinidades sonoras, mas divergência no que diz respeito às suas semânticas. Confesso que, a princípio, pensei em realizar grandes painéis a serem substitutos às fachadas dos edifícios que comporiam a obra do arquiteto. Esta ideia foi logo abandonada pois acreditei que a superfície da fachada escolhida para acolher o “texto” a ser por mim produzido não seria em nada diferente de uma página dentro de um livro. Eu queria o leitor no papel de observador/espectador contemplativo, com participação passiva, mas colaborando para o resultado com seu encontro com meu trabalho.

A área destinada à construção do Pavilhão ficava às margens de um lago de extraordinária beleza, incluindo rochas, manchas verdes de vegetação exuberante e pequenas praias. Em um dos passeios que fiz, marginando o lago, deparei-me com o espaço ocupado pela praia de 白浜 = Shirahama = Praia Branca e, imediatamente, decidi que ali seria o local ideal para acomodar algo novo. As palavras que eu viesse a utilizar, apesar do Lago Ashi ter apenas ondas brandas, não poderiam ser escritas na areia para não terem o mesmo destino das do poema de Vieira[v]. Elas seriam construídas com pedras ou com cimento. Era indispensável decidir se ficariam a rés do chão ou se acima da superfície.

Depois de muita pesquisa e seleção, resumi o material a ser utilizado em apenas três fonemas. Em português as palavras “ai” = grito de dor; “ninguém” nenhuma pessoa; e “nada”, nenhuma coisa, coisa alguma; e em japonês æ„› = ai” = amor; 人間 = “ninguen”, ser humano, pessoa; e ç˜ = nada”, enseada, ausência de qualquer coisa, fonte/base/porto de/para tudo.

Decidi que a palavra “nada”, repetida enésimas vezes na forma de lajotas, ficaria a rés do chão e as de “ai” e “ninguém/ningen” seriam construídas na superfície como grandes bancos, no intervalo dos quais areia criaria local para crianças brincarem. Todos os demais espaços da área da praça, inclusive entre as lajotas, receberiam pequenas pedras roladas de cores escuras, para contrastar com a areia da própria praia e com o branco das nevadas que ocorrem naquela região. Os três fonemas utilizados seriam escritos/construídos com letras romanas maiúsculas e ideogramas japoneses.

 

Distribuição das letras e ideogramas do poema-jardim

 

As letras e ideogramas da maquete do Poema-jardim

Tão logo aprovado o projeto, o governador Uchiyama autorizou a construção de uma grande maquete do jardim que por muitos anos ficou exibida na sede do Governo da Província de Kanagawa, em Yokohama, e o arquiteto paulista Manuel Kosciuszko, então bolsista do Ministério da Educação do Japão, preparou desenhos mostrando diferentes ângulos.

 

Wilson Reis Netto e a maquete do seu projeto

Poema-jardim - Escultura sol

Para o mesmo projeto, criei o poema escultura que utiliza as três letras da palavra sol - símbolo presente no nome e na bandeira do Japão -, repetida 12 vezes, 12 raios de sol, todas elas tendo em comum a letra “l” o centro de um círculo, com 10 m de altura, figurando como eixo de um mecanismo disciplinador das horas do dia e dos meses do ano. Na face externa de cada letra “s” seriam gravados em bronze os 12 símbolos do zodíaco oriental. Esse número, de forma sutil, serviria, também, de lembrança do início do relacionamento do Japão com o Ocidente, mediante a chegada dos jesuítas portugueses a Nagasaki, dando continuidade à divulgação dos ensinamentos pregados pelos 12 apóstolos daquele que, primeiramente, chamou a atenção para os valores e as responsabilidades do indivíduo.

Os 12 espaços triangulares criados entre as letras, construídas de ferro e concreto, serviriam de área de recreação. As bases das letras com as quais se escreve “só”, de solidão, seriam bancos convidando ao descanso e ao diálogo entre seus frequentadores, assim concretizando a simbiose entre o feito e o feitor.

 

Poema escultura - Escultura sol

 

Poema como objeto funcional

 

No artigo intituladoNo ring (vienense) da poesia concreta, publicado às páginas 84 a 99 da Revista Cavalo Azul, nº 4 (sem data), o poeta concretista Pedro Xisto retoma o escrito pelo poeta Mike Weaver, in IMAGE, p. 15, Londres 1964, sobre “Concrete and Kinetic: the Poem as a Functional Object”, acreditando que “a possibilidade de uma cidade-cultura integrada não é irrealista[vi]”. Lembrando Mike Weaver, Pedro Xisto afirma que “o brasileiro L. C. Vinholes já realizara boa parte disto com seu Poema-Jardim da Praia de Shirahama e seu Poema-Escultura do Passeio do Lago Ashi”, obras divulgadas em maio de 1963, pela Revista Info, vol. IX, p. 50 e 51, Tokyo.

 

Disputa encerrada

 Ao mesmo tempo em que em Yokohama era minuciosamente discutido o projeto de Wilson Reis Netto, eram trabalhadas as ideias de um projeto paralelo desenvolvido pela Prefeitura de Nara. Passados 10 anos de silenciosa contenda, em 1973 o apoio político recebido pelo governador sediado na Antiga Capital, resultou na decisão em prol da construção e inauguração do Centro de Convenções de Nara, obra suntuosa, de linhas arrojadas, enriquecendo o Parque de Nara no qual é singular a milenar estrutura da 春日大社 = Kasuga Taisha, fundada em 768, ao lado do 伊勢神宮 = Ise Jingu, um dos dois mais importantes santuários xintoístas do Japão.

 

[i] Wilson Reis Netto 1923-2001) arquiteto, cenógrafo, artista plástico e professor.

[ii] Fernando Lemos (1929-2019) pintor, artista plástico e fotógrafo luso-brasileiro, fixou-se em São Paulo em 1953, logo adquirindo a nacionalidade brasileira.

[iii] å—è›® = nanbam ou namban. å— = nan = sul; è›® = ban = bárbaro = estrangeiro.

[iv] Exposição de Poesia Concreta Brasileira, no Museu de Arte Moderna de Tokyo, realizada de 16 a 24 de abril de 1960.

[v] Padre Antônio Vieira (1608-1697) nunca escreveu poemas na areia logo apagados pelas ondas, mas é apenas uma forma consagrada de lembrar o que sempre pregava: “a efemeridade das coisas terrestres”.

[vi] “The possibility of an integrated city-culture is not unrelistic”.

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