“Sonhos comuns, ordinários; aspirações burguesas frustradas, potencializadas por uma das maiores humilhações da História. Relegou-se, pois, à uma pauta secundária, a pintura, as galinhas, a pedofilia e o ódio contumaz nutrido no esteio da alma.”
Eram garotos incríveis. Um criava galinhas e o outro era um artista frustrado. Juntaram-se a eles um pedófilo e um maníaco que havia matado o próprio pai. Conversa vai, conversa vem, eis que resolvem fundamentar um ideário político que, dir-se-á, era, sob determinados aspectos, romântico. Somadas às suas frustrações, mostrava-se patente o orgulho combalido de uma nação cujos maiores estandartes haviam sido a glória e a grandeza. Sonhos comuns, ordinários; aspirações burguesas frustradas potencializadas por uma das maiores humilhações da História. Relegou-se, pois, à uma pauta secundária, a pintura, as galinhas, a pedofilia e o ódio contumaz nutrido no esteio da alma.
Choraram os quatro incríveis, e outro punhado de descrentes para com as circunstâncias, quando a bucólica tentativa de tomada do poder na Bavária terminou com a Guarda de Weimar escorraçando-os das cercanias do Ministério da Guerra de Munique. Eis que se esvaem quatro anos de maturidade odiosa.
Não retornaram as galinhas, a pintura, o ódio ou tampouco a pedofilia. Haveria o “galinheiro” de tornar-se o chefe da mais ensandecida tropa de elite que a razão humana já contemplou, ao passo que o pedófilo passou a comandar o editorial da doutrina. De modo que o patricida foi ser ministro daquele que em priscas eras havia sido um pintor frustrado. Mas, e quanto ao pintor – o que foi feito dele? Converter-se-ia o outrora frustrado artista no mais alucinado e contumaz líder de todo o decurso daquilo que se compreende como sendo a marcha da insensatez.
Curiosíssimo e singular cerne de análise de tal contexto é a situação do ex-criador de galinhas. Judeu de linhagem distante, ei-lo que foi, Heinrich Himmler, o próprio, a impetrar o jugo macabro sobre a própria raça. Reações atípicas à parte, de modo algum tal particularidade tucicou os irredutíveis princípios do pintor desiludido, que agora só atendia pela alcunha de Herr Führer.
Embora fossem incríveis, os garotos não eram perfeitos e tampouco conseguiram lograr todos os seus propósitos e aspirações. Meteram-se de corpo, alma, ideologia e canhões numa briga que encerrou por arrastar todo o mundo para seu esteio diabolicamente dinâmico. E bateram. Bateram, bateram, bateram. Minha nossa, como os garotos bateram! Não o bastante, entretanto, para que evitassem apanhar muito mais. E como apanharam.
Foram os garotos incríveis – já não tão “garotos”, diga-se – humilhados pelos seus algozes. O erro destes últimos, todavia, foi pensar que os quatro estavam sozinhos: tinham consigo cinqüenta milhões de almas servis.
Pobre do pederasta, que foi enforcado sem maiores formalismos. Incorrendo ainda mais nos obscuros corredores da ignobilidade, restringir-se-á tão-somente a citar que tanto o patricida quanto o pintor não hesitaram em por termo à própria existência. Ainda no palco da inglória, as comicidades do “galinheiro” – pegaram-no numa tentativa de fuga, humilhado e transpirando covardia, vestido com a farda inimiga! Mataram-no pouco depois.
Histórias comuns, vidas diáfanas, fatos extraordinários. “Grandes histórias, pequenos personagens. Grandes personagens, pequenas histórias.” O mundo não foi laureado com um novo Da Vinci ou um exímio criador de galinhas. Teve ainda o mérito de desfazer-se de um pederasta. Hitler, muito embora não tenha ingressado na Academia de Belas Artes de Viena, entrou para a História. Mesmo que pela porta de trás. Bem como Himmler, Goebbels e Streicher. Que desmereçamo-los tanto quanto for possível. Dir-se-á, entretanto, que eles têm um mérito que não lhes pode ser usurpado: eles foram garotos incríveis. Ah, se foram.