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Artigos-->A fera -- 05/04/2002 - 21:09 (Paulo de Goes Andrade) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


A FERA





Parecia mais um oficial da gestapo de Hitler, no auge do nazismo, pelas atitudes drásticas que impunha aos seus subordinados, os recrutas. A sua patente era apenas de 3º sargento, sem qualquer possibilidade de ascender a outro posto. Faltava-lhe preparo intelectual, embora tivesse feito o curso ginasial em Salvador, como dizia, mas que poucos acreditavam. Cometia muitos erros crassos de português. Guarita – chamava gurita; estepe (pneu sobressalente), de estrepe; calota, de carlota; e tantos outros. “Isso é um analfa puxa-saco”, ouvia-se dos soldados, quando virava as costas. Salvava-o a letra bonita, quase desenhada, de que era dono, graças às aulas de caligrafia que, à sua época, ministravam nas escolas primárias, hoje relegadas, para tristeza de quem tem que ler um receituário-médico.

Comentava-se no Quartel, onde servia, que chegou àquela patente pelas bajulações aos seus superiores hierárquicos. Era do conhecimento geral que nenhum curso de preparação fizera para receber as três divisas que, orgulhosamente, ostentava no braço.

Iniciou-se na vida militar como soldado raso, convocado, pela classe de 1931, para servir num Batalhão de Cavalaria, sediado em Feira de Santana, na Bahia, sua terra natal. Logo que foi promovido a cabo, foi transferido para Salvador. Poucos anos se passaram e logo criou fama no meio da soldadesca. Já era bem conhecido o sargento Lima – a fera, como cognominado foi aquele terror dos pracinhas. Mesmo na sua imponência de 3º sargento, em suas folgas, oferecia-se aos oficiais para serviços domésticos, até de faxina, em suas residências. Prestava-se até para acompanhar as esposas dos coronéis às compras em mercados e mercearias da cidade. Era de uma subserviência invulgar.

Foi assim, diziam à boca pequena, que galgou aqueles pequenos degraus da sua carreira militar. E só.

Disciplinado, cumpria à risca as suas obrigações para com o Batalhão a que servia. Nas instruções aos seus comandados, enchia o peito e gritava: “O amor à Pátria está acima de tudo!” O seu uniforme era de uma nitidez impecável. O tecido verde-oliva reluzia ao sol. Na altura do peito esquerdo da sua túnica destacavam-se duas medalhas, que, segundo comentários, foram adquiridas em loja especializada, porque nenhum feito heróico era atribuído ao sargento Lima. Os sapatos e coturnos eram sempre engraxados e escovados. Brilhavam.

E a sua disciplina sempre fez questão de impor aos seus soldados. Aí, deitava e rolava sobre a rapaziada. Chegava a ponto de o julgarem sádico, na humilhação aos recrutas. Nunca se dirigiu aos subalternos com boas maneiras. Era aos gritos e empurrões, por mais simples que fosse o erro, ou engano, cometido. Certa vez, contam, num exercício de campo, simulando guerra de guerrilha, ordenou que um dos soldados se sentasse num formigueiro de saúvas. Outra vez, que destruísse, com as mãos, uma casa de marimbondos. Assim, estaria o soldado demonstrando a sua bravura, quando necessário, na defesa da Pátria, porque empecilhos assim poderiam encontrar à sua frente num campo de batalha de verdade. Bradava a todo fôlego.

Por desobediência, para servir de exemplo, um recruta foi enclausurado num cubículo desagradável, por dois dias.

Depois que sargento Lima foi reformado, muitas histórias eram contadas a seu respeito no Quartel, e mesmo na cidade, como esta que envolveu um dos seus comandados – soldado Araújo. O recruta recebeu do “chefe” a incumbência de levar uma encomenda à sua esposa, em sua residência num bairro de Salvador. Araújo achou que era a oportunidade de fazer uma “média”, de que muito precisava com o seu “comandante”. Partiu sorridente.

Feliz da vida, bateu à porta da casa do sargento.

- Ôh! de casa!...

Só pela segunda vez, quando gritou mais alto, uma voz pausada, quase cantada, soou lá de dentro:

- Quem éééé...? E logo surgiu à sua frente a figura negra de uma mulher gorda, uma típica baiana, lembrando uma daquelas vendedoras de acarajé do Pelourinho, nos seus quase 100 quilos (calculou o soldado).

- Quero falar com a madame! Com a tua patroa! A esposa do sargento Lima! Gritou o “praça”, com o embrulho debaixo do braço.

- Sou eu, moço. Meu nome é Beatriz, esposa do Lima.

Araújo não acreditou no que viu.

- O quêêê...! Deixa de conversa, negona! Vai chamar tua patroa!

- Olha aqui! Escuta bem! Você vai se arrepender do dia que nasceu. Sabe, seu soldadinho de merda!? Me respeite!!!

- Vou telefonar agora mesmo para o Lima! Ouviu seu cretino!

Araújo, sem alternativa, jogou o pacote no chão, deu meia-volta, e nunca mais retornou ao Quartel. Foi considerado desertor.

Quando em casa, sargento Lima não passava de um bem-comportado e obediente cidadão brasileiro. Ele respeitava mesmo a “peso-pesado” Da. Beatriz, acrescentavam.



Paulo de Góes Andrade – pgoes@terra.com.br



Brasília (DF) - 04 / 04 / 2002







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