Uns dos problemas mais graves que todos os povos en-frentam é o referente a atos violentos cometidos por me-nores. No Brasil, como se sabe, adota-se para efeito de imputabilidade penal o critério biológico, pelo qual os menores de l8 anos são penalmente inimputáveis (art. 228 da Constituição e art. 27 do Código Penal).
Inconformadas com o recrudescimento da delinqüência juvenil, vozes se levantam aqui e ali tentando achar a solução e quase sempre de-sembocam na simplista e falsa assertiva de que esta seria o rebaixamento da maioridade penal.
Argumenta-se, quase sempre, que o maior de l6 anos pode votar e que por isso deve ser julgado com base no Código Penal. Afirma-se, ainda, que na Alemanha uma pes-soa de l2 anos de idade pode até ser con-denada à prisão perpétua. Porém, o Brasil não é a Alemanha e votar aos l6 anos é uma mera faculdade concedida aos menores e não uma obriga-toriedade sujeita a sanções.
Concebidos e mal gerados em ventres destruídos pela fome e mi-sé-ria, o que podemos esperar desses infelizes que perambulam pelas ruas com os olhos esbugalhados fi-xos nos relógios e nos skates das crianças mais abasta-das da sociedade?
O mundo sempre foi dividido entre pobres e ricos. Mas em socie-dades com uma distribuição de renda perversa como a brasileira, o povo cada vez mais se divide entre ricos e miseráveis. Aos primeiros a delin-qüência juvenil é caso de psicólogo, aos segundos é caso de polícia. Para os primeiros existem as escolas particulares equipadas com os mais mo-dernos métodos de ensino; para os segundos _ e isso quando conseguem ir à escola _ resta o infortú-nio do ensino público arrasado por décadas de ditadura e prepotência, a quem a igno-rância da população sempre con-veio.
Os arrastões de hoje, como a onda de seqüestros que ensejaram o surgimento da defeituosa Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), pren-dem a atenção das pessoas. A sociedade, iludida por paladinos da morali-dade e do bem-estar social, fecha os olhos para a miséria, a fome, o de-semprego, e num rasgo de impingida hipocrisia não é capaz de enxergar que o endurecimento pe-nal, longe de ser tão-só a panacéia que a ilude, é o sinal verde para a violência institucional.
O adolescente desvalido, o miserável , o negro mal vestido , o desafor-tunado ser humano que , uma vez "suspeitos", quando não são mortos sumariamente pela po-lícia e já cadáveres (sim, cadáveres!) levados para os hospitais da periferia, são atirados aos cárceres promís-cuos das Febens e Casas de Detenção da vida.
A delinqüência juvenil é um problema sério. Mais grave, contudo, é rebaixar a maioridade penal para l6, l4, l5, ou sei lá quantos anos. O Estado está aparelhado para emitir um laudo científico isento e transpa-rente que com-prove que um menor de l8 anos era capaz de enten-der o caráter delituoso do seu ato? A sociedade já se es-queceu dos laudos emi-tidos nos casos Herzog e Rio Centro? E os adolescentes ricos que come-terem atos de selvageria? Não serão por acaso assistidos por peritos nomeados pelas famílias que podem arcar com as despesas advindas de serviços de psicólogos e psiquiatras? Esses pe-ritos darão parecer contrá-rio aos interesses de quem os indicou?
O critério biológico adotado historicamente pela legislação brasi-leira não é perfeito. Ele dá, porém, a frágil segurança de que, desgraçados na maioria e ricos na minoria, pelo menos em tese todos menores infrato-res rece-bem o mesmo tratamento legal.
No meu entender o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), à míngua de legislação mais moderna, prevê as medidas re-pressivas à delinqüência do menor. O quê até hoje pouco se viu foi a cor-reta e justa obedi-ência ao estatuto, notadamente no que concerne às enti-dades destinadas à in-ternação dos menores infratores.
Os motins ocorridos recentemente na Febem ilustra minhas pa-lavras.