O Estado de S. Paulo
22/7/2012
MPF VÊ INCOMPETÊNCIA NA BUSCA POR DESAPARECIDOS
Documento enviado à Comissão da Verdade diz que 'obrigações legais' foram
ignoradas e fala em improbidade de funcionários
ALANA RIZZO/BRASÍLIA
O Ministério Público Federal (MPF) acusa a Comissão Especial de Mortos e
Desaparecidos Políticos e a Secretaria de Direitos Humanos de omissão e
improbidade administrativa por conta de falhas na localização e identificação de
restos mortais. O documento, a que o Estado teve acesso, foi encaminhado à
Comissão da Verdade.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, foi cobrado pelos integrantes da
Comissão da Verdade sobre a atuação do Núcleo de Pesquisa em Identificação
Humana para Mortos e Desaparecidos Políticos da Polícia Federal. Desde 2010, a PF
trabalha em parceria com a Comissão de Mortos nas atividades de busca e
identificação dos corpos.
Ofício encaminhado ao Ministério da Justiça pelo coordenador da Comissão da
Verdade, Gilson Dipp, pede esclarecimentos sobre o estágio dos trabalhos nos casos
citados pelo MP e os resultados obtidos na definição da identidade de ossadas.
Segundo o relatório dos procuradores da República, a inércia e a ineficiência da
Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos
teriam chegado a limites insustentáveis.
'Inicialmente o MPF atribuiu a dificuldade em obter avanços na matéria à carência de
recursos humanos e materiais da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos
Políticos', diz o texto. Em seguida, porém, a omissão da comissão e da secretaria
abriu espaço para considerar a existência de responsabilidades pessoais pela
violação de direitos fundamentais.
Improbidade. 'As ausências de respostas aos ofícios, às recomendações e
notificações chegam às raias da improbidade administrativa, salvo melhor juízo. Após
mais de 10 anos de atuação do MPF na matéria, é possível afirmar que a secretaria e
a comissão não realizam suas obrigações legais de ofício. E, mesmo quando
provocados pelo Ministério Público Federal, tergiversam', diz a conclusão da
procuradora Eugênia Augusta Gonzaga.
Ela cobra ações imediatas perante a secretaria e a Presidência da República. O
documento, intitulado Relatório para Fins de Prosseguimento nos Trabalhos de Busca
e Identificação de Mortos e Desaparecidos Políticos no município de São Paulo, é
assinado também pelo subprocurador-geral da Procuradoria Federal dos Direitos do
Cidadão, Aurélio Veiga.
Os procuradores listam procedimentos administrativos e ações civis públicas em
tramitação na Justiça de São Paulo sobre o tema. Detalham ainda as dificuldades
encontradas na localização dos mortos e desaparecidos políticos nos cemitérios de
Vila Formosa e Dom Bosco, no bairro de Perus.
Na avaliação dos procuradores, a situação no cemitério de Vila Formosa é dramática.
'Imagina-se que não haverá alternativa senão a construção de um memorial para
registro dos fatos. É praticamente impossível a localização de uma ossada específica,
inumada ali como indigente há mais de 40 anos, como ocorria com os militantes
políticos.'
O cenário não seria muito diferente no Dom Bosco. 'Além da construção da vala
comum, algumas quadras foram remuneradas, alterando-se o critério de identificação
das covas,' diz.
O documento ressalta que ossadas (cerca de 1.049) separadas em 1990
permanecem desde 2001 no Cemitério do Araçá. Não foram até hoje examinadas por
quaisquer das sucessivas equipes que atuaram nos trabalhos de identificação.
O MP especifica casos de militantes políticos, como Hiroaki Torigoe, que, apesar das
indicações das ossadas, não teria entrado na pauta da comissão, e Luiz Hirata e
Aylton Mortati, cujos restos mortais aguardam a finalização de exames antropológicos
e de DNA, prometidos desde outubro de 2010.
0000cd;">As ossadas de ouro
0000cd;">Félix Maier
0000cd;">"A palavra ossadas tem algo de aterrador e foi muito utilizada, embora não signifique mais do que vala comum. (...) O que é importante é que basta mostrar na televisão um pedaço de terra revolvida de fresco e anunciar que talvez ali haja um número arbitrário X de cadáveres para que na cabeça do telespectador fique, em vez do ‘talvez’, o número X, que ele, aliás, tenderá a aumentar quando falar da emissão televisiva com os amigos" (VOLKOFF, 2004: 168).
0000cd;">É sintomática a fixação da esquerda pelas ossadas de ouro de Perus, em São Paulo, provavelmente proveniente de indigentes, com missa anual de Dom Paulo Evaristo Arns, ou dos guerrilheiros do Araguaia, que nunca serão encontradas, mesmo revolvendo o subsolo de todo o Pará. A repetida "terra revolvida de fresco" faz esquecer as ossadas de Pol Pot (Museu do Genocídio Tuol Sleng), a Estrada de Ossos da antiga União Soviética e o massacre de 0000cd;">Katyn.0000cd;"> O filme Enigma, de Michael Apted (2001), em que um matemático decifra código secreto utilizado pelos nazistas durante a II Guerra Mundial, mostra a interceptação e a decifração de uma mensagem nazista, através do "Colossus", quando tropas de Hitler descobriram as ossadas em Katyn - fato escondido do público, na ocasião, porque os Aliados precisavam da ajuda soviética para combater o Reich.
0000cd;">"O número de enterrados tem variado de milhares ou de centenas até a umas poucas dezenas de ‘assassinados’. O Correio Braziliense, de 20/12/02, publicou em seu caderno Coisas da vida, que pesquisadores brasileiros e ingleses começarão a examinar os ‘corpos de 1.200 desaparecidos durante a ditadura militar’ que estão sepultados no cemitério de Perus. O Grupo Tortura Nunca Mais diz que são 184 os mortos e 136 os desaparecidos na ‘luta contra a ditadura’. Desses 136 desaparecidos, 53 teriam sido durante a guerrilha do Araguaia, em plena floresta amazônica. Portanto, restariam 83 corpos de desaparecidos para o restante do Brasil, inclusive para o cemitério de Perus que, por sinal, nunca foi clandestino. (...) Quando Luiza Erundina era prefeita de São Paulo iniciou a campanha para encontrar os ‘desaparecidos da ditadura no cemitério clandestino de Perus’. Os jornais da época noticiavam em primeira página e as TV em seus noticiários, o encontro de milhares de ossadas de desaparecidos e mostravam ossadas e mais ossadas sendo desenterradas para serem entregues aos legistas da Unicamp, que iriam identificá-las. Ninguém foi identificado, mas os desmentidos nunca foram feitos. (...) A mídia e os escribas de aluguel, porém, nunca se preocuparam em dizer que o famoso ‘cemitério clandestino’ não passava de valas comuns, onde eram enterrados os indigentes e, também, os corpos daqueles para quem as famílias não renovavam o aluguel das covas ou dos jazigos onde foram sepultados. Essas ossadas, na realidade, são muitas e com o acúmulo dos anos podem ter chegado aos milhares" (Gen Div Negrão Torres - HOE/1964, 1964, Tomo 14, pg. 84-5).
0000cd;">Bibliografia:
0000cd;">MOTTA, Aricildes de Moraes (Coordenador Geral). História Oral do Exército - 1964 - 31 de Março - O Movimento Revolucionário e sua História. Tomos 1 a 15. Bibliex, Rio, 2003.
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