O Globo - 26/6/2012
EDITORIAL
CRISE PARAGUAIA REQUER SENSATEZ
O impeachment de Fernando Lugo, executado em alta velocidade e por ampla maioria
no Congresso paraguaio, coloca o Brasil diante de uma situação intrincada,
circunstância em que a melhor postura a assumir é de serenidade, longe de escaladas
verbais e rompantes de bolivarianos e chavistas espalhados pelo continente, inclusive
com representantes em Brasília.
Além de a teoria do 'golpe parlamentar' ser discutível, o Brasil, ao contrário de outros
vizinhos, tem enormes interesses objetivos no Paraguai, como a energia de Itaipu, o
comércio propriamente dito, além de uma grande comunidade de 'brasiguaios',
responsáveis pelo crescimento agrícola do país e alvo de grupos radicais de sem-terra,
fortalecidos com o pouco caso de Lugo diante do agravamento do conflito agrário, um
dos argumentos a favor do seu impeachment. A tese do 'golpe' já tinha contra si o fato
de não haver notícia de mudanças de legislação encomendadas com o objetivo de
afastar o ex-bispo.
O apoio político-parlamentar quase nulo de Lugo - perdeu na Câmara por 73 a 1, e, no
Senado, 39 a 4 - não seria suficiente para atestar a legalidade do impeachment. Mas,
além do cumprimento formal dos dispositivos legais, a decisão dos parlamentares foi
referendada pela Corte Suprema paraguaia, ao mesmo tempo em que o Tribunal
Superior de Justiça Eleitoral do país reconhecia o vice de Lugo, Frederico Franco, como
o novo presidente do Paraguai.
O suposto 'golpe parlamentar' paraguaio equivale a um outro, idêntico, desfechado
pelo Congresso e Justiça de Honduras, em 2009, quando o então presidente
hondurenho, Manuel Zelaya, com apoio de Hugo Chávez, tentou aplicar o conhecido 'kit
bolivariano' de convocar um plebiscito e aprovar mudanças constitucionais para se
reeleger. Como há dispositivo na Constituição de Honduras que pune com o
afastamento do cargo presidente que tentar manobras para se perpetuar no poder,
Zelaya foi destituído legalmente.
Chavistas e bolivarianos protestaram, e o Brasil de Lula e Celso Amorim foi atrás.
Chegou a abrigar Zelaya na embaixada brasileira em Tegucigalpa, convertida em
comitê de resistência, contra a tradição de profissionalismo do Itamaraty. Foram feitas
eleições, vencidas por Roberto Micheletti, mas o Brasil continuou sob a liderança
chavista e se recusou a reconhecer o novo governo. A história se repete, de forma bem
mais crítica para o Brasil, por ser o Paraguai um país estratégico para os interesses
nacionais. Mesmo que o impeachment houvesse tramitado por semanas, Venezuela,
Honduras, Equador e Bolívia o denunciariam como 'golpe'. Inclusive a Argentina, pois,
diante do agravamento dos problemas internos, Cristina Kirchner não tem deixado
passar oportunidade de manipular assuntos externos para tentar entreter a opinião
pública argentina.
Tudo deve ser feito para evitar conflitos no Paraguai. Sintomático que Lugo tenha
aceitado o impeachment sem resistir, e, ao perceber o coro de 'golpe parlamentar',
decidiu reunir seu gabinete em frente de casa. Semeou, com a ajuda do governo Dilma,
de Cristina K. e demais o risco de um grande conflito, contra os interesses do Estado
brasileiro.
Não que as evidências de um impeachment em rito sumário não devam chamar a
atenção de Mercosul, Unasul e OEA. Mas decretar a priori a existência de um 'golpe
parlamentar' é um excesso. Mais ainda, num surto ideológico, suspender o país do
Mercosul e Unasul, e admitir a presença de Lugo na próxima reunião de cúpula, em
Mendoza, Argentina.
O ditador Alfredo Stroessner foi mantido em Assunção durante longo tempo por
conveniência de Brasil e Argentina. Este é um tempo a ser sepultado, e a terra por cima
devidamente salgada.
Os casos de Honduras e, agora, do Paraguai pelo menos justificam que as mesmas
zelosas instituições, e o Itamaraty em particular, também não deixem passar sem
análise manipulações que Venezuela, Equador e Bolívia - para citar os notórios - fazem
do Congresso e Poder Judiciário a fim de destroçar o que resta de democracia em seus
regimes, por meio de instrumentos apenas formalmente democráticos.
(capa)
BRASIL ESTUDA CORTAR PROJETOS NO PARAGUAI
Lugo monta governo paralelo, e Justiça arquiva pedido de inconstitucionalidade
de impeachment
Na lista de possíveis sanções que a presidente Dilma levará ao Mercosul, sexta-feira,
estão a suspensão de projetos de investimentos e da Tarifa Externa Comum (TEC). O
objetivo é evitar que o impeachment de Fernando Lugo se transforme em um
precedente perigoso na região. Enquanto o presidente Federico Franco dava posse ao
novo Gabinete, o presidente cassado montou um governo paralelo. A Justiça arquivou o
pedido de inconstitucionalidade feito por Lugo.
GOVERNOS PARALELOS NO PARAGUAI
Lugo monta 'Gabinete de restauração democrática' enquanto novo presidente
indica ministros
Flávio Freire
Enviado especial - ASSUNÇÃO
Três dias depois do impeachment de Fernando Lugo, o Paraguai acordou ontem com
dois governos. Logo cedo, enquanto o presidente Federico Franco fazia juramento e
empossava os novos ministros em solenidade no Palácio de López, o ex-mandatário
reunia a imprensa para apresentar o Gabinete de restauração democrática, com apoio
de antigos colaboradores, numa tentativa de manter um governo paralelo. A iniciativa de
Lugo acirrou a disputa política na capital, que tem protestos previstos para amanhã a
favor e contra o governo de Franco nas ruas de Assunção, onde o clima tem sido de
normalidade. Diante da situação, o novo chanceler, José Félix Estigarribia, classificou a
ação do ex-mandatário como piada. Lugo, por sua vez, abandonou o tom diplomático de
sexta-feira, quando acatou a decisão do Congresso.
- Vamos potencializar as manifestações pacíficas e divulgar para os demais países tudo
o que aconteceu aqui. Fomos submetidos a um julgamento político e não vamos dar
esse gosto aos promotores da morte, que provocaram a morte de camponeses e
policiais - disse Lugo, intitulando-se presidente do país, antes de lançar uma página na
internet para coordenar protestos, chamada paraguayresiste.com. - Quero resistir até
reconquistarmos o poder, porque aqui houve um golpe parlamentar. Eu peço às
pessoas do interior, aos jovens e a todos os cidadãos que resistam até voltarmos ao
cargo.
Ontem, um grupo de sem-terra marchou pelo centro de Assunção até a sede da TV
Pública, onde manifestantes estão acampados desde o fim de semana. Um microfone
foi instalado na rua para quem quisesse se manifestar sobre a crise, e a maioria dos
discursos foi contrária ao novo governo. Alguns eleitores aproveitaram a oportunidade
para expressar dons artísticos, tocando violão ou declamando poesias.
A resposta de Franco à criação de um governo paralelo foi imediata. Para Estigarribia,
Lugo deveria acatar a 'decisão soberana' do Congresso.
- Lugo é um ex-presidente e não tem função administrativa. Isto é piada. Se ele falar
como presidente, vai sofrer sanções da lei paraguaia.
Ex-mandatário sofre derrota dupla na Justiça
Aparentemente sem respaldo de movimentos organizados, mas contando com forte
apoio internacional, principalmente entre países do Mercosul, Lugo amargou duas
derrotas ontem. A Corte Suprema de Justiça do Paraguai rejeitou a ação de
inconstitucionalidade apresentada por ele na sexta-feira. A sala constitucional da Corte
rejeitou in límine (sem analisar) a ação apresentada pelo ex-presidente para denunciar
a suposta violação do direito de defesa no julgamento político.
Ao mesmo tempo, o Tribunal Superior de Justiça Eleitoral emitiu um comunicado em
que reconhece a legitimidade da Presidência de Franco. Lugo, deposto sob acusação
de mau desempenho das funções, reclamava do pouco tempo para montar sua defesa
diante do Senado e da suposta imparcialidade dos senadores.
Segundo os juízes que emitiram a sentença, a ação de Lugo foi arquivada porque o
processo de impeachment é um julgamento político, e não 'um processo normal'.
Sendo assim, entenderam que a responsabilidade cabe ao Congresso, que já havia
declarado Lugo culpado quando a Justiça julgou o recurso do ex-presidente.
Já o Tribunal Eleitoral afirmou que Franco, como vice-presidente eleito de Lugo, está
constitucionalmente exercendo seu cargo e por isso deve terminar o mandato em 2013.
O tribunal rejeitou a hipótese de antecipar as eleições. Ontem, o presidente uruguaio,
José Mujica, engrossou o coro a favor de eleições mais rápidas, para que haja um
presidente 'eleito pelo povo paraguaio'.
Iniciativas para evitar o isolamento político do Paraguai também estão na pauta do novo
governo. Enquanto Brasil, Argentina e Uruguai convocaram seus embaixadores, a
Venezuela cortou o abastecimento de petróleo ao país, e o Equador declarou que não
reconhecia o governo Franco. Em entrevista após a posse dos novos ministros,
Estigarribia pediu mais tempo e disse que não vai aceitar a suspensão do bloco, como
se prevê até a nova eleição, em abril de 2013.
- É curioso que países que questionam a brevidade dos prazos no julgamento político
(de Lugo), agora nos acionam sem nos dar tempo de defesa - disse, garantindo que
manterá esforços junto para manter o Paraguai no bloco.
Os primeiros indícios de afastamento do país do Mercosul foram vistos ontem, quando o
premier chinês, Wen Jiabao, participou de uma videoconferência com os presidentes do
Brasil, Uruguai e Argentina. O Paraguai ficou de fora, mas não mantém relações
diplomáticas com a China. Na imprensa local, há sinais de contrariedade diante da
interferência da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). No editorial 'Mais católico
que o Papa', o 'ABC Color' afirma que alguns chanceleres vieram ao país com o
pretexto de acompanhar o processo político, mas pretendiam evitar a destituição de
Lugo.
Para o ex-ministro do Interior Carlos Filizola a pressão externa precisa ser mantida para
denunciar o que classifica como golpe.
- Os países amigos com quem sempre convivemos sabem que fomos vítimas de um ato
antidemocrático e não respeitarão esse governo que está aí.
TERRA DE BRASIGUAIOS É INVADIDA
Perspectiva de nova política fundiária incentiva ações de sem-terra
ASSUNÇÃO . No primeiro dia do governo Federico Franco - e diante do temor dos
brasiguaios em relação à política fundiária no país - cerca de 90 famílias de sem-terra
do Paraguai invadiram ontem uma fazenda conhecida como Ex La Reina, no distrito de
Capiibary. A propriedade de 1,9 mil hectares pertence aos brasileiros Clovis Vieira e
Omar Troiler. A ação reforçou a insegurança entre os empresários brasileiros, de
pequenos a grande produtores e exportadores.
- Se esse novo governo não tomar uma atitude enérgica contra as invasões, eles (sem
terra) vão se sentir à vontade para fazer o que sempre fizeram: ocupar
indiscriminadamente, sem noção do que está sendo produzido em cada propriedade -
disse o agropecuarista Carlos Pereira Alonso, cuja família vive na cidade paraguaia de
Santa Rita há mais de 20 anos.
Os sem-terra que ocuparam a fazenda acusam os proprietários brasileiros de uso
indiscriminado de agrotóxicos no terreno, o que estaria ameaçando a saúde dos
moradores da região. Em entrevista ao 'Última Hora', o líder camponês Milcíades
Quintana afirmou que os trabalhadores rurais tentam comprar a fazenda há nove anos,
mas o processo estaria paralisado. O líder sem-terra também depositou esperanças no
novo governo para solucionar o problema no campo.
- Quem sabe este novo governo presta atenção à grave situação pela qual passamos e
de uma vez por todas leve adiante uma reforma agrária séria - disse Quintana.
Polícia é mantida de prontidão na entrada de fazenda
O advogado dos proprietários brasileiros, Rubén Sosa, disse que a ocupação impede
seus cliente de trabalhar e que espera a prisão dos invasores. Embora nenhum sem
terra tenha sido detido durante a ocupação, o advogado garante que muitos deles têm
ordem de captura por invasão de propriedades.
Por conta do processo para aquisição da fazenda, a Justiça concedeu liminar para
evitar a expropriação da área. Os sem-terra querem transformar a área em
assentamento, evitando que seja usada para o plantio de soja. A polícia permaneceu
durante todo o dia na entrada da fazenda, mas não registrou nenhum incidente até a
noite.
- Estamos lutando por algo justo, principalmente para nos defender dos abusos dos
estrangeiros - reforçou Quintana.
O advogado dos brasileiros pretendia entrar com uma ação para que os sem-terra
fossem obrigados a deixar o local.
- Se for preciso o uso da polícia, que assim seja - disse Sosa. (F.F)
Resenha do dia 26 Jun 12 SA2/DCI Complemento CI e Campo Externo Página 8 de 48
BRASIL FAZ LISTA DE SANÇÕES CONTRA PARAGUAI
Possíveis punições incluem suspensão de investimentos e serão apresentadas
aos países vizinhos para decisão conjunta
Eliane Oliveira, Luiza Damé e Danilo Fariello
BRASÍLIA e SÃO PAULO . A presidente Dilma Rousseff vai levar para o encontro do Mercosul um
cardápio de possíveis sanções contra o Paraguai, a vigorar até as eleições
presidenciais naquele país, previstas para abril de 2013. Entre as medidas, além da
exclusão do país do Mercosul e da própria União das Nações Sul-americanas (Unasul),
está a suspensão de projetos de investimentos - sejam novos ou em fase de
implementação - e, em última instância, da Tarifa Externa Comum (TEC), tabela com
alíquotas de importação usada no comércio com países que não fazem parte do bloco.
Dilma encomendou a lista para que ela possa ser apresentada aos demais presidentes
do grupo para que decidam, juntos, qual punição impôr ao Paraguai.
A presidente determinou aos técnicos do governo que, na elaboração de possíveis
sanções, sejam evitadas medidas que afetem diretamente o cidadão paraguaio, como o
embargo às importações de produtos básicos daquele país e a adoção de ajustes na
compra da energia produzida pela hidrelétrica binacional de Itaipu. Mas Dilma quer
tratar o assunto com todo o rigor possível, disse um interlocutor, para evitar que o
impeachment de Fernando Lugo se banalize e se transforme em um precedente
perigoso na região.
- Há consenso na Unasul de que houve um atentado à democracia. Não dá para fazer
vista grossa ao que aconteceu - disse um importante diplomata.
As sanções e outras propostas serão fechadas até o fim da semana, quando Dilma
levará a posição do governo à reunião do Mercosul em Mendoza, na Argentina. Na
sexta-feira, haverá um encontro de líderes da Unasul, durante a reunião de chefes de
Estado do Mercosul.
Itaipu representa 20% da carga de energia do Brasil
De acordo com o ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto
Carvalho, o governo brasileiro não tomará medidas isoladas em relação ao Paraguai,
mas agirá em conjunto com os demais países do Mercosul e da Unasul. De manhã, a
presidente se reuniu com o chanceler Antonio Patriota, com o ministro da Defesa, Celso
Amorim, e o assessor especial para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia.
- Estamos evitando tomar qualquer medida que não seja construída num consenso com
os outros países, dada a delicadeza (da situação) - disse Carvalho, que evitou usar a
palavra golpe, mas admitiu que a decisão do Congresso vai na contramão da
democracia na região. - O fato de mudar o presidente de um país em 24 a 30 horas é
de todo inusitado. Portanto, há uma insurgência de todos os países contra isso.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reiterou que Lugo não teve tempo suficiente
para a defesa, em ato de apoio do PC do B à candidatura de Fernando Haddad à
prefeitura de São Paulo.
- Acho que a Unasul vai se reunir para tomar uma decisão. Mas, enquanto cidadão
brasileiro, acho que a democracia do Paraguai foi ferida.
Ao mesmo tempo, a diplomacia brasileira busca apoio da comunidade internacional
para o veredicto da Unasul, que considerou que houve rompimento dos princípios
democráticos no Paraguai, com o impeachment-relâmpago de Lugo. Segundo fontes do
Palácio do Planalto e do Itamaraty, já estão sendo computadas vitórias diplomáticas,
como a manifestação do Departamento de Estado americano divulgada ontem, que
expressa preocupação dos EUA com o rito sumário promovido pelo Congresso
paraguaio. O comunicado é resultado de uma conversa telefônica entre Patriota e a
secretária de Estado Hillary Clinton, no domingo. Hoje, a OEA (Organização dos
Estados Americanos) discute o caso do Paraguai.
Na Europa, o porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da Alemanha, Andreas
Peschke, comentou o caso:
- Está claro que não somente o governo alemão, mas toda a União Europeia está
atualmente preocupada com os acontecimentos políticos no Paraguai.
Dilma recebeu nos últimos dias um mapa das relações comerciais entre Brasil e
Paraguai. De janeiro a maio, o Brasil exportou US$ 1 bilhão para o país vizinho e
importou US$ 360 milhões. Pela pauta de comércio, o governo percebeu que os
produtos comprados pelo Paraguai são mais facilmente substituídos do que os
vendidos, o que significaria ao país vizinho mais prejuízos com uma eventual ruptura do
fluxo de comércio. Do Paraguai, chegam principalmente produtos primários, como
milho, trigo, arroz e carne. Já as exportações do Brasil são mais relevantes para o
funcionamento econômico do Paraguai, como adubos e fertilizantes, fundamentais para
o sistema agropecuário do quarto maior exportador de soja.
O Brasil importa esses insumos principalmente pelo Porto de Paranaguá (PR) e
repassa-os ao Paraguai. O segundo item mais exportado é óleo diesel, pela Petrobras.
A corrente de comércio entre os países quase dobrou em dois anos, chegando a quase
US$ 3 bilhões em 2011.
No acordo do Itaipu, o entendimento brasileiro é que o poder de barganha nacional é
enorme. Primeiro, porque a hidrelétrica binacional representa apenas 20% da carga
total de energia do Brasil - fatia fundamental, mas longe da dependência de quase
100% de Itaipu do Paraguai. Segundo, porque no ano passado, depois de assumir um
grande desgaste político interno, o governo brasileiro conseguiu ratificar no Congresso
um acordo que elevou em três vezes o valor referente ao uso pela energia que exceder
50% à produção da usina.
COLABOROU Sérgio Roxo, de SP
XXX
Folha de S. Paulo - 26/6/2012
EDITORIAL
PARAGUAI SOBERANO
Apesar de cercear direito de defesa, impeachment do presidente foi
constitucional; é abuso dos países vizinhos pretender impor sanções
A Corte Suprema de Justiça do Paraguai recusou ontem a alegação do ex-presidente
Fernando Lugo de que foi inconstitucional o fulminante processo de impeachment pelo
qual o Congresso o depôs, entre quinta e sexta-feira passada.
Com a decisão, caem por terra as pretensões de invalidar a posse do vice Federico
Franco como sucessor constitucional. Também ontem a Justiça Eleitoral do país vizinho
refutou a possibilidade de antecipar as eleições presidenciais, previstas para abril de
2013.
Não resta dúvida de que o impedimento de Lugo se deu sob evidente cerceamento do
direito de defesa, cujo exercício ficou confinado a apenas duas horas de argumentação
perante os parlamentares. Infelizmente, porém, a Constituição paraguaia não disciplina
esse importante aspecto.
Exige apenas que o processo seja aprovado por dois terços da Câmara e que o
afastamento ocorra se assim decidirem dois terços do Senado -limites amplamente
superados nas votações que consumaram o impeachment.
Como motivo, basta a alegação genérica de 'mau desempenho de suas funções'.
Eleito numa plataforma esquerdizante, o ex-bispo católico Fernando Lugo conduzia um
governo populista e errático, prejudicado pela conduta pessoal do mandatário,
compelido a reconhecer filhos em escandalosos processos de paternidade.
Mas o motivo principal da derrocada foram os efeitos desastrosos da crise econômica
no Paraguai, cujo produto nacional deverá encolher 1,5% neste ano. A popularidade
presidencial se desfez depressa, tornando possível a formação da esmagadora maioria
congressual que o afastou do cargo.
Por afinidade ideológica -maior no caso da Argentina, menor no de Brasil e Uruguai-, os
demais governos do Mercosul decidiram suspender a presença do vizinho na reunião
do organismo, que deve culminar na sexta-feira próxima, quando examinarão possíveis
sanções contra o novo governo em Assunção.
Esse comportamento é injustificável. As cláusulas democráticas previstas pelo Mercosul
e pela Organização dos Estados Americanos (OEA) aplicam-se a flagrantes violações
da ordem constitucional. Ainda que o impedimento de Lugo seja criticável, as
instituições paraguaias têm funcionado de acordo com as leis daquele país.
Com um triste histórico de ingerência na política interna do Paraguai, país que mantém
laços de dependência econômica em relação ao Brasil, o melhor que o Itamaraty tem a
fazer é calar-se e respeitar a soberania do vizinho.
(1ª página)
PARAGUAI AFIRMA SER VÍTIMA DE INTRANSIGÊNCIA DO MERCOSUL
O novo governo do Paraguai diz ser vítima de uma decisão intransigente do Mercosul,
que suspendeu o país do bloco, relata Isabel Fleck, de Assunção. A alegação é que não
houve direito à defesa, a mesma usada por Fernando Lugo para tentar reverter o
impeachment.
O Senado aprovou na véspera a lei que regulamentou a cassação
PARAGUAI RECLAMA QUE FOI ATROPELADO POR MERCOSUL
Novo governo afirma que não teve oportunidade de defesa antes de suspensão
Lugo forma gabinete paralelo, que conta com ex-ministros, e se chama de
'presidente'; atual governo ameaça puni-lo
ISABEL FLECK
Acusado de adotar rito sumário no processo que retirou Fernando Lugo do poder na
semana passada, o novo governo paraguaio de Federico Franco considera-se vítima de
rito sumário dos países do Mercosul.
Segundo o novo chanceler José Félix Fernández Estigarribia, a rápida suspensão do
país da cúpula do bloco em Mendoza (Argentina), quinta e sexta, não lhes deu
oportunidade de 'defesa'.
'É curioso que países que nos questionam sobre a brevidade do julgamento [de Lugo]
agora nos acionam sem nos dar o direito a defesa.'
O principal argumento dos países do Mercosul é a 'ruptura da ordem democrática'
caracterizada pela ausência de tempo para que Lugo preparasse sua defesa.
O novo chanceler rechaçou a decisão e acusou o bloco de violar o Protocolo de
Ushuaia do Mercosul, já que a aplicação de sanções contra um dos Estados-membros
só pode ser feita após a consulta ao país afetado (veja ao lado).
Antes da proibição, Franco havia anunciado que seria representado pelo chanceler na
cúpula. Lugo, contudo, já fez contato com a presidente Cristina Kirchner, anfitriã da
reunião, para ser convidado para a reunião.
'Solicitei que estivesse presente para poder explicar de forma detalhada o que
aconteceu aqui na semana passada', disse o ex-presidente.
Não só o Mercosul tem aumentado a pressão. A OEA (Organização dos Estados
Americanos) antecipou de amanhã para hoje reunião extraordinária para analisar o
processo de impeachment.
Mas o artigo 9. da carta da OEA fala apenas em suspender governo 'deposto pela
força', o que nem aliados de Lugo alegam (a reclamação é cerceamento de defesa num
processo constitucional).
GOVERNO PARALELO
Em meio a um fechamento do cerco regional sobre Franco, Lugo convocou seu antigo
gabinete para dar início a um governo paralelo. Os trabalhos começaram às 6h, no
primeiro dia útil após o impeachment, na sede do partido País Solidário.
Após o encontro, que reuniu os ex-ministros de Exterior, Interior e Saúde, entre outros,
Lugo deu entrevista, em que se referiu o tempo inteiro a ele mesmo como 'o presidente
Fernando Lugo'.
'Formamos um pequeno gabinete político para resistir a esse golpe de Estado.
Queremos converter os ministros em fiscais, que vão monitorar tudo o que os novos
ministros vão fazer', disse.
O movimento feito por Lugo ontem foi considerado pelo atual governo uma 'piada'.
'Lugo é ex-presidente, e, se falar como presidente, vão ser aplicadas as sanções
previstas na legislação', disse o atual chanceler.
Segundo o advogado do ex-presidente, Adolfo Ferrero, porém, as intenções de Lugo
foram mal-interpretadas.
'Ele está formando uma equipe, mas não pretende governar de forma paralela. Então,
isso não se aplica', disse Ferrero à Folha.
O afastamento não suspende os direitos políticos do ex-presidente -apenas um possível
processo judicial.
Lugo pensa em se candidatar a senador ou deputado na eleição de abril de 2013. O
tribunal eleitoral do país descartou antecipar o pleito.
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