Folha de S. Paulo
12/6/2012
Defesa contradiz Planalto e amplia sigilo de documentos
Pasta estabeleceu segredo de 15 anos para dados que deveriam vir a público em 10
Medida foi tomada dias antes de a Lei de Acesso à Informação entrar em vigor e contraria discurso da Presidência
Dias antes da entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação, o Ministério da Defesa recorreu a brechas legais para ampliar o segredo sobre documentos militares, o que pode prorrogar em até 15 anos o prazo para que eles venham a público.
A nova lei, que criou regras detalhadas para que os cidadãos tenham acesso a dados públicos, entrou em vigor no último dia 16.
Pouco antes, porém, o ministério usou um antigo decreto, que a pasta sabia que seria substituído pela nova norma, e elevou o grau de sigilo de inúmeros documentos 'confidenciais'.
Pelas regras que caducaram no dia 16, os documentos 'confidenciais' tinham sigilo de dez anos.
Com a Lei de Acesso, esses papéis teriam que ser reclassificados, já que não há mais documentos 'confidenciais', apenas 'reservados' (cinco anos de sigilo), 'secretos' (15 anos) e 'ultrassecretos' (25 anos, renováveis por igual tempo).
Em vez de torná-los 'reservados' ou liberá-los, o ministério transformou-os todos em 'secretos'. Com isso, eles poderão ficar inacessíveis ao público por mais 15 anos.
O ministério não informou quantos são os documentos e por quanto tempo de fato pretende mantê-los sob sigilo.
A Folha identificou a manobra após ter solicitado acesso, por meio da nova lei, aos registros de venda de material bélico do Brasil para o exterior entre 1990 e 2012.
O objetivo era saber se os armamentos estão sendo usados por ditaduras ou grupos paramilitares em crimes contra os direitos humanos.
ONGs levantaram a suspeita, por exemplo, de que o Brasil fabrica e exporta bombas de fragmentação conhecidas como 'cluster', que se estilhaçam quando detonadas, banidas em vários países.
O ministério informou que decidira transformar os documentos de controle do comércio bélico do grau 'confidencial' para 'secreto'.
A Folha apurou com um oficial que atuou na aplicação das medidas que elas atingiram todos os setores que produzem documentos sigilosos.
Segundo o oficial, ao final de 'um mutirão' a maioria dos documentos então considerada 'confidencial' foi tornada 'secreta', e o restante foi liberado. Nenhuma liberação atingiu documentos sobre comércio bélico.
Em 16 de maio, em entrevista gravada, a assessoria da Presidência havia dito à Folha, na presença do ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral), que a nova lei não poderia ser usada de forma a ampliar o sigilo de documentos já confeccionados antes do advento da nova lei.
Segundo a assessoria, os órgãos públicos não poderiam classificar um documento como 'secreto' ou 'ultrassecreto' caso ele não tivesse sido assim discriminado na data de sua criação.
O decreto usado pela Defesa para a reclassificação -extinto no dia 16- dizia que um papel poderia sair de 'confidencial' para 'secreto' por meio 'de expediente hábil'.
Em 2011 a Folha obteve do Itamaraty, e colocou em seu site, pelo projeto Folha Transparência, a íntegra de 2.000 telegramas considerados 'confidenciais'. Caso o mesmo entendimento da Defesa tivesse sido adotado, os telegramas seriam trazidos a público só daqui a 15 anos.