O Globo - 12/6/2012
VERDADE SÓ VAI APURAR CRIMES ATRIBUÍDOS A ESTADO
Na primeira reunião com parentes de mortos e desaparecidos, coordenador da
comissão confirma o foco das investigações
Tatiana Farah
SÃO PAULO . Em sua primeira reunião com ex-presos e familiares de mortos e
desaparecidos políticos, ontem, em São Paulo, os integrantes da Comissão da
verdade acabaram com as possíveis dúvidas sobre o caráter de seu trabalho.
Coordenador do órgão, o ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, disse
que o caráter da Comissão da verdade será o de apurar os crimes cometidos pelo
Estado e não os 'dois lados' do conflito durante o regime militar:
- Quais são os dois lados? Vamos procurar as graves violações aos direitos humanos.
Quem comete graves violações? A lei diz isso (que se trata de violações do Estado).
Uma das críticas feitas pelos familiares foi sobre a declaração recente do ex-ministro
da Justiça José Carlos Dias de que a comissão deveria investigar os dois lados.
Segundo os participantes da reunião, Dias afirmou que sua declaração foi mal
interpretada e que ele nunca defendeu a investigação das ações dos grupos de
resistência à ditadura.
Gilson Dipp também explicou aos familiares sua atuação no julgamento da Corte
Interamericana de Direitos Humanos da OEA sobre a Guerrilha do Araguaia. Ele é
criticado por ter sido testemunha convocada pelo governo brasileiro.
- O ministro Dipp explicou que foi chamado como perito, para dizer como funcionava o
sistema judiciário brasileiro. Ele disse que não entrou no mérito do Araguaia - disse
Ivan Seixas, integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos
Políticos.
Os familiares, alguns muito emocionados, cobraram apuração dos casos de
desaparecimento e a localização dos corpos das vítimas. Apesar disso, segundo
Seixas, que foi um dos organizadores do encontro, as famílias estão otimistas com a
Comissão da verdade.
- Eles manifestaram todas as suas preocupações, seus desejos em relação aos
trabalhos da Comissão da verdade. Nossa missão foi mais a de ouvir e, de certa
forma, explicar o funcionamento da comissão. Sempre é uma reunião em que as
emoções vêm à tona. É natural. E é uma obrigação nossa darmos transparência e
ouvir esses familiares - disse Dipp, acrescentando que o grupo deve começar a ouvir
os agentes da ditadura: - Vamos trabalhar em várias frentes: na requisição de
documentos de órgãos públicos, com as comissões já preexistentes, como a
Comissão da anistia e a de Mortos e Desaparecidos, com oitivas de familiares e de
pessoas envolvidas em alguma violação de direitos humanos.
Um dos que devem ser chamado é o médico-legista Harry Shibata, que assinou o
laudo o da morte do jornalista Vladimir Herzog em 1975.
- Vamos ouvir todos os envolvidos e, principalmente, esses que possam deter
informações - disse o ministro, explicando que as testemunhas não serão convocadas
a depor: - A lei fala em convocação. E a convocação é mais que um convite e não se
pode furtar a depor.
A ex-presa política Amelia de Almeida Teles disse que o prazo de atuação da
Comissão da verdade preocupa os familiares.
- O encontro com os familiares foi uma boa iniciativa da comissão e um importante
reconhecimento do trabalho das famílias pela revelação da memória. Mas os
familiares estão bastante coesos e críticos em relação a todas as iniciativas do
Estado. A comissão ainda não tem um plano |