Quase não me recordo de meus sonhos ao despertar, mas esse foi muito marcante e ao mesmo tempo apavorador. Sonhei que estava em Porto Alegre, e as ruas estavam apinhadas de gente. Não havia nenhuma manifestação política em andamento, nem era dia de "Grenal" , tampouco procissão dos navegantes. O motivo de tamanho agito era um carnaval fora de época, onde uns dez trios elétricos vindos da Bahia, arrastavam uma verdadeira multidão de gaúchos, mesclando abadás com botas e bombachos , chimarrão com acarajé, tudo ao som de muita “Axé Music”. Que cena horrível aqueles compatriotas cantando :” Segura o Tchê, Amarra o Tchê...
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Em meu sonho, o grande Teixeirinha – maior cantor gaúcho, já falecido, cujo grande sucesso se chamava “ Coração de luto” ou “Churrasquinho de mãe”- chorava abraçado a São Pedro, dizendo que agora realmente o seu coração estava de luto. A mim , só restou bater em retirada para o aeroporto , onde embarquei no primeiro avião com destino a São Paulo. Em lá chegando, encontrei o trânsito mais uma vez em estado caótico. Até aí , nada de anormal. Perguntei ao motorista do táxi, o motivo do engarrafamento e ele me respondeu que era devido a uma micareta que estava rolando no centro da cidade. Na mesma hora ordenei ao dito cujo que désse meia volta e regressasse dali mesmo para Congonhas, onde embarquei no primeiro vôo da Ponte Aérea Rio- São Paulo. Antes mesmo do pouso na Cidade maravilhosa, pude notar estupefato através da janela da aeronave, que a Avenida Presidente Vargas , no centro do Rio e adjacências estava tomada por uma multidão que estava se movendo vagarosamente, capitaneada por diversos trios elétricos, através de toda a orla. A cidade havia se transformado num formigueiro humano, e os decibéis estavam em alta. Relutei em desembarcar do avião, mas em sinal de protesto, saí por um portão e entrei por outro, onde embarquei em um vôo para Manaus , com escalas em Recife, Fortaleza e Belém.
A vantagem de se estar sonhando é que não é preciso entrar em fila de espera nos aeroportos, e nem pagar a passagem. É só chegar e embarcar na hora, e o tempo de viagem é desprezível. Ao chegar ao Recife, soube que estava acontecendo o “Recifolia”. Na escala em Fortaleza, o comandante da aeronave desejou a todos um feliz “Fortal”, em Belém um feliz “CarnaBelém”. Morto de cansaço e em estado de choque, eu não via a hora de chegar em Manaus, no meio da selva amazônica, e me livrar de uma vez por todas daquela “epidemia sonora” que assolava o país. Aproveitei a presença e paciência de um cidadão,sentado a meu lado e me desabafei. Foi então que recebi o golpe de misericórdia. O sujeito com um cabelo estilo “rastafari”, sotaque bem manhoso e largado, me revelou ser vocalista de uma banda de axé, que estava indo fazer um carnaval fora de época na Ponta Negra, em Manaus.
-“ Vai ser uma semana só de pauleira e madeirada. Vamos botar o Boi prá correr!
Ao sentir o meu mal-estar o rapaz me perguntou:-“ Você quer mesmo dar uma relaxada, meu Rei?
-“ Então vá para a Bahia !” Todos os trios elétricos estão fora de lá, tomando de assalto os outros Estados. A ordem do “Rei” é varrer o País de norte a sul, e “ axelisar” tudo. Como diz o nosso filósofo Xandy: “ É o rodo de Salvador”
Meu Deus, como eu não tinha pensado nisto? É como aquela história de que o olho do furacão é o lugar mais calmo da tempestade.
De repente um estrondo me fez acordar sobressaltado daquele pesadelo. Um som poderoso de música baiana invadiu o meu apartamento. Meu São Martinho da Vila! Eu não estava sonhando. Agora era real mesmo. Eles invadiram o Rio de Janeiro –pensei cá com meus botões.
Ao chegar na sacada da janela, descobri aliviado que se tratava de um carro de som de uma Central de trabalhadores que estava conclamando a todos para uma manifestação grevista , em baixo da minha janela e o que era pior: ao som de música baiana.