Transcrição do artigo do jornalista Reynaldo Azevedo (REVISTA VEJA)
O MINISTÉRIO DILMA - Nova ministra da Mulher confessa que já treinou
abortos por sucção mesmo não sendo médica. Mais: ela se considera avô de um
neto, mas também do aborto
No dia 14 de outubro de 2004, a então apenas professora Eleonora Menicucci,
que tomou posse como ministra das Mulheres na semana passada, concedeu uma
entrevista a uma interlocutora chamada Joana Maria. O texto está nos
arquivos da Universidade Federal de Santa Catarina (a íntegra está aqui).
Já fiz uma cópia de segurança porque essas cois as costumam desaparecer
quando ganham publicidade. Está certamente entre as coisas mais
estarrecedoras que já li. De sorte que encerro assim este primeiro
parágrafo: se um torturador vier me dar a mão, eu a recuso, cheio de asco.
Se a ministra Eleonora vier me dar a mão, eu me comportarei da mesma
maneira, com o estômago igualmente convulso.
Antes que entre propriamente no mérito, algumas considerações. Aqui e ali,
tenta-se caracterizar a ministra como uma espécie de defensora apenas
intelectual do aborto, apegada à causa no universo conceitual, retórico, de
sorte que a sua nomeação não representaria um engajamento da presidente
Dilma Rousseff e de governo na causa do aborto. Falso! Falso e na contramão
dos fatos. Alguns parlamentares, notadamente da bancada evangélicas,
fizeram duros discursos contra a ministra e foram caracterizados pela
imprensa como uns primitivos ideológicos. Então vamos ver se a ministra
está com a civilização…
Abaixo, transcrevo alguns trechos daquela sua entrevista, concedida quando
ela já estava com 60 anos. Não se pode dizer que o diabo da imaturidade
andava soprando em seus ouvidos. Não! Eleonora confessa na entrevista que
não é apenas "abortista" — termo a que os ditos progressistas reagem porque
o consideram uma pecha, uma mácula. Ela também é aborteira. Viajou pela sua
ONG à Colômbia para aprender a fazer aborto por sucção, o método conhecido
como AMIU (Aspiração Manual Intra-Uterina). Deixa claro que o objetivo de
seu trabalho é fazer com que as pessoas se "autocapacitem" para o aborto,
de sorte que ele possa ser feito por não-médicos. É o caso dela! Atenção!
DILMA ROUSSEFF NOMEOU PARA O MINISTÉRIO DAS MULHERES uma senhora que
defende que o aborto seja uma prática quase doméstica, sem o concurso dos
médicos. Por isso ela própr ia, uma leiga, foi fazer um "treinamento". Não!
Jamais apertaria a mão de torturadores. E jamais apertaria a mão de dona
Eleonora por isto aqui (volto depois)
"ESTIVE TAMBÉM FAZENDO UM TREINAMENTO DE ABORTO NA COLÔMBIA, POR
ASPIRAÇÃO"
Eleonora - Dois anos Aí, em São Paulo, eu integrei um grupo do Coletivo
Feminista Sexualidade e Saúde. ( ). E, nesse período, estive também pelo
Coletivo fazendo um treinamento de aborto na Colômbia.
Joana - Certo.
Eleonora - O Coletivo nós críamos em 95.
Joana - Como é que era esse curso de aborto?
Eleonora - Era nas Clínicas de Aborto. A gente aprendia a fazer aborto.
Joana - Aprendia a fazer aborto?
Eleonora - Com aspiração AMIU.
Joana - Com aquele…
Eleonora - Com a sucção.
Joana - Com a sucção. Imagino.
Eleonora - Que eu chamo de AMIU. Porque a nossa perspectiva no Coletivo, a
nossa base…
Joana - é que as pessoa s se auto auto-fizessem!
Eleonora - Autocapacitassem! E que pessoas não médicas podiam…
Joana - Claro!
Eleonora - Lidar com o aborto.
Joana - Claro!.
Eleonora - Então vieram duas feministas que eram clientes, usuárias do
Coletivo, as quais fizeram o primeiro auto-exame comigo. Então é uma coisa
muito linda.
Joana - Hum.
Eleonora - Muito bonita! Descobrirem o colo do útero e…
Joana - Hum.
Eleonora - Ter uma pessoa que segura na mão.
Joana - Certo.
"NÓS DECIDIMOS, EU E O PARTIDO, QUE EU DEVERIA FAZER UM ABORTO"
Num outro trecho, Eleonora conta como ela e o seu partido, o POC (Partido
Operário Comunista), tomaram uma decisão: ela deveria fazer um aborto.
Tratava-se apenas de uma questão… política!
Eleonora - Porque a minha avaliação era que eu tinha que fazer
Joana - a luta armada aqui.
Eleonora - a luta armada aqui. E um detalhe importante nessa trajetà ³ria é
que, seis meses depois de essa minha filha ter nascido, eu fiquei grávida
outra vez. Ai junto com a organização nós decidimos, a organização, nós,
que eu deveria fazer aborto porque não era possível
Joana - Certo.
Eleonora - Na situação ter mais de uma criança, né? E eu não segurava
também. Aí foi o segundo aborto que eu fiz.
"EU TIVE MINHA PRIMEIRA RELAÇÃO COM MULHER. E TRANSAVA COM HOMEM; ESTAVA
COM MEU MARIDO"
Falastrona e ególatra, como já apontei aqui, ela faz questão de contar na
entrevista que teve a sua primeira relação homossexual quando ainda estava
casada. Era o seu mergulho no que ela entende por feminismo.
Eleonora - Aí já nessa época eu radicalizei meu feminismo. Eu comecei a
militar.
Joana - Onde?
Eleonora - Em Belo Horizonte, eu comecei a militar neste grupo.
Joana - Neste mesmo grupo?
Eleonora - É
Joana - O que se fazia além de di scutir?
Eleonora - Nós discutíamos o corpo.
Joana - Certo.
Eleonora - Discutíamos a sexualidade. Eu tive a minha primeira relação com
mulher também.
Joana - Hum.
Eleonora - Quer dizer que foi bastante precoce pra essa E transava com
homem.
Joana - Certo.
Eleonora - Pra minha trajetória
Joana - Mesmo porque tu também estavas com o teu marido eu acho, não
estavas?
Eleonora - Sim, sim.
Joana - Estavas. Ah
Eleonora - Mas nós nunca tivemos esse E ele era um cara muito libertário.
Nós nunca tivemos essa questão de relação
Joana: Certo.
"SOU MUITO AMIGA DO FREI BRETTO. ELE ME PÔS NO CENTRO DE DIREITOS HUMANOS
DA DIOCESE DE JOÃO PESSOA"
Ora, qual é o lugar ideal para uma humanista desse quilate trabalhar? Frei
Betto — sim, aquele… — deu um jeito de arrumar pra ele um emprego na
Arquidiocese de João Pessoa:
Eleonora - E aí, no início de 78, eu j á tinha me separado do meu ex-marido
e resolvo sair de Belo Horizonte. Aí quando eu saio de Belo Horizonte eu
busco um lugar bem longe porque eu não queria mais ser referência para a
esquerda.
( )
Eleonora - E eu não podia. Então eu procurei isso. Sou muito amiga, por
incrível que pareça, a vida inteira, do Frei Betto e pedi a ele pra me
encontrar um lugar o mais longe possível de Belo Horizonte. Aí ele falou
"Eu tenho dois lugares onde a Diocese é muito aberta: em Vitória, com Dom
Luís, ou em João Pessoa, com Dom José Maria Pires. Eu falei: "Eu quero João
Pessoa", quanto mais longe melhor.
( )
Eleonora - É Mas, assim, eu cheguei, eu. Eu tive que construir minha vida.
Joana - Hum. Foste trabalhar?
Eleonora - No Centro de Direitos Humanos da Arquidiocese da Paraíba.
Joana - Tá legal.
Eleonora - E aí eu comecei a trabalhar com as mulheres rurais de Alagamar,
que era o que eu queria ( ) Logo depois, retomei um grupo, a minha
atividade de grupo de reflexão feminista com algumas mulheres em João
Pessoa. A maioria de fora de João Pessoa e duas de dentro Então nós
criamos o primeiro grupo feminista lá em João Pessoa. Chamado Maria Mulher.
( )
Eleonora - É. "Quem ama não mata" e "O silêncio é cúmplice da violência", e
aí começamos a nos articular dentro do Nordeste.
Joana - Tá.
Eleonora - Era o SOS Mulher. O SOS Corpo e um grupo de reflexão que tinha
em Natal
Joana: Hum.
Eleonora - De auto-reflexão. E no Maria Mulher, o que é que nós fazíamos?
Nós fazíamos auto-exame de colo de útero, auto-exame de mama.
( )
Eleonora - Depois, em 84, eu venho pra São Paulo fazer doutorado em Ciência
Política, já articuladíssima…
Joana- Imagino…
Eleonora - com o feminismo e com linhas de pesquisa bem definidas do ponto
de vista fem inista.
Joana - Quem é que te orientou em São Paulo?
Eleonora - Em São Paulo, foi a Maria Lúcia Montes, uma antropóloga. Embora,
na época, ela fosse da Ciência Política. E, em 84, eu entro para o
doutorado com uma tese que era sobre Direitos Reprodutivos e Direitos
Sexuais a partir É a construção da cidadania a partir do conhecimento
sobre o próprio corpo.
Joana - Isso por conta do teu trabalho com as mulheres?
Eleonora - Por conta do meu trabalho com as mulheres em uma favela chamada
Favela Beira-Rio.
Joana - Certo.
Eleonora - Lá em João Pessoa.
Joana - Hum.
Eleonora - Que hoje é um bairro. Então nesta época eu fiquei quatro anos
em São Paulo fazendo a tese e voltando a João Pessoa. ( ) E aí fui
coordenadora do grupo de Mulher e Política da ANPOCS, do GT.
Joana: Hum.
"EU TINHA ATITUDES MASCULINAS ( ) ERA DECIDIDA, DETERMINADA, FORTE, SABIA
ATIRAR"
Ne ste trecho, ela revela como enxergava — enxergará ainda? — os papéis
masculino e feminino. Ah, sim: ela sabia "atirar". Afinal, não se tenta
impor uma ditadura comunista no país só com bons sentimentos, não é?
Joana - Já. E com relação às organizações das quais tu participavas?
Eleonora - Ah, primeiro que as mulheres dificilmente chegavam a um cargo de
poder
Joana - Mas tu eras a chefe?
Eleonora - Eu era. Fui uma das poucas. Por quê? Eu me travesti de masculino
Joana - É? Como era?
Eleonora - Eu tinha atitudes masculinas ( ) Era decidida, determinada,
forte, sabia atirar
Joana - Huuunnnn.
Eleonora - Entendeu?
Joana - Entendi.
Eleonora - Sendo que muitas mulheres sabiam isso tudo.
Joana - Certo.
Eleonora - Transava com vários homens.
Joana - Certo.
Eleonora - Essa questão do desejo e do prazer sempre foi uma coisa muito
libertária pra mim, e por isso eu f ui muito questionada dentro da esquerda.
Joana - É?
Eleonora - É.
Joana - Dentro do mesmo grupo do qual tu eras a líder?
Eleonora - Sim. Porque o próprio Por questões de segurança, eu só poderia
ter relação sexual com os companheiros da minha organização.
Joana - Certo.
Eleonora - Num determinado momento, sim, mas na história do movimento
estudantil, também já existia isso.
"EU TIVE MUITAS REFLEXÕES COM MINHAS AMIGAS NA CADEIA; UMA DELAS, A DILMA"
Neste outro trecho, a gente fica sabendo que Dilma Rousseff foi sua
companheira também nas reflexões sobre o feminismo.
Eleonora - E, depois, imediatamente eu quis ter outro filho
Joana - Hum.
Eleonora - E muito no sentido de pra provar para os torturadores, mesmo que
fosse simbolicamente, que o que eles tinham feito comigo não tinha me
tirado a possibilidade de reproduzir e de ter uma escolha sobre meu próprio
corpo
Joa na - Hum.
Eleonora - Então eu tive mais um filho e logo que ele nasceu também de
cesária eu me laqueei.
Joana - Certo.
Eleonora - Então Eu tinha , Eu fui presa com 24 para 25 mais ou menos.
Joana - Nossa Senhora!.
Eleonora -.E sai com 30.
Joana - Certo.
Eleonora - Assim, da história toda e com 30 para 31, tive o meu segundo
filho e fiz a laqueadura de trompas
( )
Joana - E então, tu saíste da cadeia em 74.
Eleonora - Certo.
Joana - Tu tiveste algum contato com o feminismo dentro da cadeia, com
leituras feministas.
Eleonora - Não.
Joana - Ou depois?
Eleonora - Não, não. Ao longo da cadeia eu tive Durante a cadeia? Eu tive
muitas reflexões com as minhas companheiras de cadeia
Joana - Tá.
Eleonora - Uma delas é a Dilma Roussef.
( )
Joana - Fizeram uma espécie de grupo de consciência?
Eleonora - Grupo de reflexão lá dentro.
Joana - Grupo de re flexão.
( )
Eleonora - Porque eu já saí É.. Eu já saí em 74, eu saí em outubro.
Joana - Certo.
Eleonora - No dia 12, Dia da Criança, eu saí já bem claro que eu era
feminista.
Joana - Certo.
Eleonora - E, logo que eu saí da cadeia, eu em Belo Horizonte, fui procurar
um grupo de mulheres.
Joana - Esses grupos de consciência?
Eleonora - É, só que era um grupo de lésbicas.
Joana - Certo.
Eleonora - E eu não sabia. Era um grupo de pessoas amigas minhas.
( )
Eleonora - Porque eu voltei a estudar!
Joana - Ah, legal!
Eleonora - Eu parei de estudar em 68.
Joana - Huuummm.
Eleonora - Eu parei no quarto ano de Medicina e no quarto de Ciências
Sociais.
Joana - Foste concluir?
Eleonora - Fui, aí eu voltei pra concluir.
Joana - Certo.
Eleonora - Na UFMG, e optei por acabar Sociologia.
"SOU AVÓ DE UMA CRIANÇA NASCIDA POR INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL NA M ÃE LÉSBICA;
E TAMBÉM SOU AVÓ DO ABORTO"
Finalmente, destaco outro momento de grande indignidade na fala desta
senhora. Ao se dizer avó de um neto gerado por inseminação numa filha
lésbica e também "avó do aborto", não só expõe a sua vida privada e a de
seus familiares como, é inescapável constatar, demonstra não saber a exata
diferença entre a vida e a morte. Leiam. Volto para encerrar.
Eleonora - E eu digo que a questão feminista é tão dentro de mim, e a
questão dos Direitos Reprodutivos também, que eu sou avó de uma criança que
foi gerada por inseminação artificial na mãe lésbica.
Joana - Hum, hum.
Eleonora - Então eu digo que sou avó da inseminação artificial.
Joana: (risos)
Eleonora - Alta tecnologia reprodutiva. E aí eu queria colocar a
importância dessa discussão que o feminismo coloca no sentido do acesso às
tecnologias reprodutivas.
Joana - Certo.
Eleonora - Entendeu? E eu diria: "Eu fiz dois abortos e também digo que sou
avó do aborto também porque por mim já passou.
Joana - Sim.
Eleonora - Também já passou nesse sentido. E diria que eu sou uma mulher
muito feliz e muito realizada. E eu pauto em duas questões: na minha
militância política e no feminismo.
Encerro
É isso aí. Ao nomeá-la ministra, Dilma escolheu sua trajetória, suas
idéias, suas práticas. Peço a vocês que comentem com a fleuma necessária. É
preciso que se evidencie, com a devida serenidade, que uma aborteira
informal e confessa não pode ter lugar na Esplanada dos Ministérios. A sua
entrevista como um todo evidencia um pensamento torto. É inconcebível que
esta senhora seja considerada uma articuladora de políticas públicas depois
da confissão que fez. Até porque, se estivesse no Brasil, não na Colômbia,
seu lugar seria a cadeia — em pleno regime d emocrático, sim, senhores!
É o fundo do poço.
Por Reinaldo Azevedo |