Entre o fim de janeiro e meados de março de 2002, investigadores da Polícia Federal encarregados de esclarecer o assassinato de Celso Daniel, prefeito de Santo André, gravaram muitas horas de conversas telefônicas entre cinco protagonistas da história muito mal contada: Sérgio Gomes da Silva, o "Sombra", suposto mandante do crime, Ivone Santana, viúva da vítima, Klinger Luiz de Oliveira, secretário de Serviços Municipais de Santo André, Gilberto Carvalho, secretário de Governo, e Luiz Eduardo Greenhalgh, advogado-geral do PT. Todos sabiam da existência da fábrica de dinheiro sujo instalada na prefeitura para financiar campanhas do partido.
As 42 fitas resultantes da escuta foram encaminhadas ao juiz João Carlos da Rocha Mattos. Em março de 2003, pouco depois da posse do presidente Lula, Rocha Mattos alegou que as gravações haviam sido feitas sem autorização judicial e ordenou que fossem destruídas. Em outubro de 2005, condenado à prisão por venda de sentenças, o juiz revelou a VEJA (confira a reportagem na seção Vale Reprise) que os diálogos mais comprometedores envolviam Gilberto Carvalho, secretário-particular de Lula entre janeiro de 2003 e dezembro de 2010 e hoje secretário-geral da Presidência da República. "Ele comandava todas as conversas, dava orientações de como as pessoas deviam proceder. E mostrava preocupação com as buscas da polícia no apartamento de Celso Daniel".
Em abril de 2011, depois de ter cumprido pena por venda de sentenças, Rocha Mattos reiterou a acusação em escala ampliada. "A apuração do caso do Celso começou no governo FHC", afirmou. "A pedido do PT, a PF entrou no caso. Mas, quando o Lula assumiu, a PF virou, obviamente. Daí, ela, a PF, adulterou as fitas, eu não sei quem fez isso lá. A PF apagou as fitas, tem trechos com conversas não transcritas. O que eles fizeram foi abafar o caso, porque era muito desgastante, mais que o mensalão. O que aconteceu foi que o dinheiro das companhias de ônibus, arrecadados para o PT, não estava chegando integralmente a Celso Daniel. Quando ele descobriu isso, a situação dele ficou muito difícil. Agentes da PF manipularam as fitas de Celso Daniel. A PF fez um filtro nas fitas para tirar o que talvez fosse mais grave envolvendo Gilberto Carvalho".
Só escaparam da minuciosa queima de arquivo algumas cópias que registram diálogos desidratados dos trechos com alto teor explosivo. Ainda assim, o que se ouve escancara uma conspiração forjada para bloquear o avanço das investigações e enterrar o caso na vala dos crimes comuns. E revela a alma do bando de comparsas que, em vez de chocar-se com a execução brutal de Celso Daniel, só pensa em livrar da cadeia o companheiro Sombra &
9472; e livrar-se do abraço de afogado do suspeito decidido a afundar atirando. Confira os diálogos nos seis áudios:
Áudio 1: Luiz Eduardo Greenhalg diz a Gilberto Carvalho que é preciso evitar que João Francisco, um dos irmãos de Celso Daniel, "destile ressentimentos" no depoimento que se aproxima. "Pelo amor de Deus, isso é fundamental!", inquieta-se Carvalho.
Áudio 2: Um interlocutor não identificado elogia Ivone Santana pela entrevista concedida ao jornal Folha de S. Paulo e incentiva a viúva a repetir a performance no programa de Hebe Camargo. Alegre, a viúva informa que vai fazer o reconhecimento das roupas da vítima. Do outro lado da linha, a voz pergunta como estava vestido, afinal, "o cara". O cara é o marido morto horas antes.
Áudio 3: Á beira de um ataque de nervos, Sombra cobra de Klinger um imediata ação de resgate. Assustado com o noticiário da imprensa, exige que Gilberto Carvalho trate imediatamente de "armar alguma coisa".
Áudio 4: Klinger diz a Sombra que Gilberto Carvalho está preocupado com o teor do iminente depoimento do companheiro acusado de ter ordenado a morte do prefeito. Sugere um encontro entre os três para combinar o que será dito. No fim da conversa, os parceiros comemoram a prisão de um suspeito.
Áudio 5: Gilberto Carvalho cumprimenta Ivone Santana pela boa performance em entrevistas e depoimentos. Carvalho acha que as declarações mudarão o rumo das investigações.
Áudio 6: A secretária de Klinger transmite a Gilberto Carvalho rumores segundo os quais a direção nacional do PT pretende manter distância do caso "para não respingar nada". Carvalho nega e encerra o diálogo com uma observação ambígua: é nessas horas que se percebe quem são os verdadeiros amigos.
Em vez de exigir o esclarecimento da morte do amigo, Gilberto Carvalho resolveu matar as investigações no nascedouro. Por que agiu assim? Ele poderá responder também a essa pergunta na entrevista ao site de VEJA.
Em 23 de janeiro, o Blog do Noblat reproduziu o texto publicado neste espaço com o título "O silêncio das caixas-pretas é tão revelador quanto a mais minuciosa das confissões". Nesta quinta-feira, o mesmo blog divulgou, com o título "O ministro Gilberto Carvalho esclarece", a nota abaixo transcrita em itálico. Volto em seguida:
"O Jornal da Band veiculou, no dia 17/01, matéria com acusação do irmão do ex-prefeito Celso Daniel em relação ao ministro Gilberto Carvalho. No final da matéria, a apresentadora do Jornal da Band afirmou: "Todos os personagens citados nesta reportagem foram ouvidos pela Band, mas não responderam aos pedidos de entrevista".
Essa afirmação era falsa, pois o ministro Gilberto Carvalho - que se encontrava em viagem de férias - não tinha sido procurado pelo Jornal da Band. Para consertar seu erro, o Jornal da Band enviou solicitação de entrevista no dia seguinte, respondida com o email abaixo.
Como a matéria do Jornal da Band deu origem a uma nota no Blog do Augusto Nunes sobre o suposto silêncio do ministro em relação ao assunto, solicito que seja esclarecido aos seus leitores que o ministro Gilberto Carvalho já afirmou exaustivamente que as acusações dos irmão de Celso Daniel não são verdadeiras.
Cabe acrescentar que Augusto Nunes também não procurou o ministro antes de analisar e tirar conclusões equivocadas sobre um silêncio que só existiu por conta do erro do Jornal da Band.
Sérgio Alli, Assessoria de Comunicação da Secretaria-Geral da Presidência da República"
Acabei de enviar ao signatário da mensagem o seguinte email:
Prezado Sérgio Alli:
Tendo em vista seu email publicado no Blog do Noblat, peço-lhe que faça chegar ao ministro Gilberto Carvalho meu interesse em entrevistá-lo para o site de VEJA sobre o caso Celso Daniel. Ele poderá escolher a data, o horário e o local da entrevista, que terá a duração mínima de 30 minutos. O tempo máximo será fixado pelo entrevistado. Comprometo-me a divulgar a íntegra da gravação, sem cortes, sem nenhum tipo de edição, sem textos introdutórios e sem comentários adicionais. O vídeo se limitará a registrar perguntas e respostas. Espero que o ministro não se negue a contribuir para esclarecer dúvidas que continuam a intrigar milhões de brasileiros. Agradecimentos antecipados. Augusto Nunes.
Tags: Blog do Noblat, caso Celso Daniel, entrevista, Gilberto Carvalho, Jornal da Band
Obs.: Sobre o caso Celso Daniel, leia o dossiê elaborado pelo Cel Roberto Monteiro de Oliveira (in memoriam):
http://brasilacimadetudo.lpchat.com/index.php?option=com_content&task=view&id=8671&Itemid=220
F. Maier