As recentes modificações pelas quais passou a Usina de Letras levam a conclusões bastante desanimadoras. A idéia original da página, que – suponho – poderia ser traduzida pela abertura de um espaço livre e democrático, onde se ignorariam os interesses escusos das grandes editoras e onde se poderiam expor obras consideradas economicamente inviáveis, tudo isso faz parte de uma utopia que se esgotou, e o que se passou a ver, em constrangedora abundância, foi uma enxurrada de textos inúteis, esparramados nos diversos gêneros literários, que não contribuem para nada, mas que, na busca de alguns trocados, são considerados por seus autores como extremamente válidos.
Essas ponderações hão de parecer aos menos avisados oriundas de algum rancor, fruto do suposto despeito de um autor cujos textos raramente ultrapassam a marca de duas dezenas de leituras no site e que dispõe, por isso mesmo, de pouquíssimas chances de obter o tal “patrocíinio”. Ora, devo afirmar, em minha defesa, que só a metade desse pensamento corresponde à verdade. Meus textos realmente chamam a atenção de não mais do que meia dúzia de gatos pingados, mas isso de forma nenhuma me aborrece, porque definitivamente não consigo sequer cogitar na hipótese de passar a criar escândalos ou entrar em polêmicas no único intuito de aumentar o número de acessos ao que publico na página.
Preciso reconhecer, por outro lado, que não passo mesmo de um autor frustrado. A literatura ocupa mais espaço nas minhas veias do que aquele líquido vermelho cuja utilidade ainda não consegui decifrar. Contingências diversas e a necessidade de sustentar a família me afastaram do destino reservado a 45,5 dos meus cromossomos, embora também não exista quem possa me considerar completamente culpado. Os contos que publiquei aqui na Usina fazem parte de um único volume, chamado “Castigo”, remetido a mais de quatro editoras e por todas recusado. Publicado em edição independente, não vendeu mais do que cem exemplares. Seria injusto afirmar que nunca tentei viver da literatura e para a literatura.
Em resumo, a frustração, se existe, não tem relação nenhuma com o número de vezes que acessam meus textos no site. Tem raízes mais profundas e talvez levasse a uma grande neurose, não me restasse o consolo de trabalhar em uma função que exige muito da minha capacidade de redigir e ainda mais do pouco que me sobrou em termos de criatividade. Portanto, não me acusem de estar publicando este texto para encobrir qualquer insegurança emocional, defeito de personalidade que – ainda bem – não se soma aos meus outros milhares.
O que me motivou a publicar estas considerações não foram os descaminhos de um escritor fracassado, mas a profunda sensação de desconforto que vem me causando o fato de saber que há textos meus gravados neste site pedindo, dia após dia, pela caridade alheia, ainda que atitude dessa espécie seja absolutamente repudiada por seu autor. Não sei quais foram as boas intenções que levaram os responsáveis pela Usina a essa amaldiçoada história de patrocínio, mas quero deixar claro, cristalino, transparente, sem nenhuma dúvida, que não estou pedindo e não aceito qualquer espécie de esmola.
Se algum editor maluco se interessar em ter prejuízo publicando as desprezadas bobagens que já redigi, se algum produtor teatral quiser perder dinheiro encenando a minha peça, estou aberto, a qualquer momento, para conversar, até porque, ante a alternativa da gaveta, nenhuma condição contratual, por mais adversa que seja, resultará em prejuízo. O que não negocio, por dinheiro nenhum, por quantia alguma, pelo que quer que me ofereçam, é a parte mais sagrada do pequeno patrimônio que adquiri ao longo dos anos: a dignidade.