Interrompidas pelas chuvas de verão no final do ano passado, as buscasdo GTT – Grupo de Trabalho Tocantins – pelos restos mortais dosdesaparecidos na região do Araguaia durante a guerrilha (1972-1975)devem trazer resultados nas próximas expedições, que se iniciam emmaio. “Continuamos enfrentando a resistência dos comandantes ementregar à Justiça os documentos exigidos, mas depoimentos decamponeses e militares trouxeram pistas importantes, que podemfinalmente nos levar ao paradeiro de corpos nessa nova etapa”, disse àPública a juíza Solange Salgado, da 1a Vara da Justiça Federal, emBrasília. Embora não possa revelar detalhes dos depoimentos para não expor osinformantes a riscos e pressões, a dra. Solange não disfarçou seuotimismo em conversas com a Pública nos últimos dias: “Estamos maisperto da verdade”, afirmou a juíza que esteve na região durante aúltima expedição, que se encerrou no final de outubro de 2010. O GTT,comandado pelo ministério da Defesa, foi constituído em 2009 paracumprir a sentença proferida em 2003 pela juíza federal, em processomovido por familiares dos guerrilheiros mortos desde 1982. Até omomento, as buscas do GTT resultaram na localização de dois corposainda não identificados. Os principais depoimentos de militares de baixa patente e camponeses,que ainda hoje vivem na região, no que se refere ao paradeiro doscorpos, são dos que participaram ou presenciaram fatos ocorridosdurante a “Operação Limpeza”, ocorrida entre o final de 1974 e 1976.Muitos relatam a retirada de corpos nesse período, enterrados noscemitérios de Xambioá e Marabá – e em outros locais da região ondepresos foram torturados e mortos como a “Casa Azul” e as bases deXambioá e Bacaba – que teriam sido embalados em sacos de lona ejogados na mata por helicópteros da Aeronáutica, (veja reportagem aseguir). Os relatos também são insistentes em outro ponto: o grandenúmero de assassinatos de camponeses, acusados de colaborar com aguerrilha. Centenas de camponeses mortos As informações mais recentes obtidas pelo GTT – incluindo asrealizadas por uma equipe da Justiça Federal – apontam para trêsconclusões até o momento: 1- apesar das sucessivas operações “limpeza” – que tambémocorreram nas décadas de 1980 e 1990 -, os corpos continuam noAraguaia, em locais de difícil acesso; 2- o número de camponeses mortos pelas Forças Armadas epoliciais da repressão é muito maior do que se tem notícia(“centenas”, segundo o ouvidor do GTT, Paulo Fonteles; “um número bemmaior do que de guerrilheiros mortos”, segundo a juíza); 3- ainda hoje militares envolvidos no conflito monitoram aregião para intimidar testemunhas e dificultar a localização doscorpos que, no entanto, não foram queimados nem retirados da região. A intimidação das testemunhas, aliás, ocorre também durante asexpedições do GTT, coordenada pelo Ministério da Defesa, que além dosnecessários peritos e especialistas civis e militares, conta com maisde quarenta militares atuando no setor de “logística” da operação. “Achegada ostensiva de dezenas de homens fardados, armados, em umaregião traumatizada inibe as testemunhas”, diz Diva Santana,representante dos familiares no Comitê de Supervisão do GTT – criado,exatamente, em virtude da reclamação dos parentes dos desaparecidossobre a composição do grupo. Também há relatos de ameaças recentessofridas por camponeses e ex-soldados que continuam vivendo na região(veja reportagem a seguir). Para evitar o aparato militar, uma equipe se deslocou de forma maisdiscreta, concentrando-se nos depoimentos dos que participaram dasoperações “limpeza” de 1975, enquanto as demais equipes ouviramprincipalmente os relatos históricos da guerrilha. Do trabalho dessaequipe, e de depoimentos ouvidos pela juíza em seu gabinete emBrasília é que vieram as informações que guiarão as próximas buscas. “Tenho um princípio: recebo todo mundo que quer falar sobre oAraguaia”, explica a juíza Solange Salgado. “Tem gente que me procuradizendo ‘não quero morrer levando este segredo” e outros que têm medode serem comprometidos no futuro”, diz. “Esse tem se mostrado umcaminho bem mais promissor do que os documentos, até hoje nãoentregues pelas Forças Armadas”, afirma. Leia mais: “Houve mais camponeses mortos no Araguaia do que se fala”,diz mateiro do Exército