(...) Com o atestado de óbito, meu pai foi anistiado e recebemos R$ 100 mil (...) Quando fui ao interior de São Paulo, dei de cara com ele (...) Tenho 95% de chance de ir para a cadeia. Espero que essa injustiça não seja feita
RESUMO
Filho de Wlademiro Jorge, "desaparecido político" anistiado em 1996, mas que reapareceu em 1997, Uelinton Nascimento Jorge, 43, recebeu R$ 100 mil da Comissão de Mortos e Desaparecidos.
O Ministério Público o denunciou por estelionato, acusando-o de fraudar a atuação do pai em grupo de esquerda. Uelinton, que alega inocência, pode ser condenado a cinco anos de prisão.
MATHEUS LEITÃO
DE BRASÍLIA
Nasci em Petrópolis (RJ) em 1967 e, quando tinha apenas um ano, meu pai desapareceu. Da sua história, lembro apenas o que a minha mãe me contou. Pouco antes de ele sumir, passou a viajar muito. Escrevia cartas relatando envolvimento político e dizia que, por isso, corríamos riscos.
Mais velho, descobri a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. Minha mãe me mandou parte das cartas e, em 1996, entrei em contato com a comissão.
Consegui três depoimentos, registrados em cartório, de militantes que tinham atuado com o meu pai na organização de esquerda chamada "Grupo dos 11".
PROCURA
A comissão me orientou como deveria procurá-lo, quem deveria acionar e de que forma deveria agir para tentar encontrá-lo. Ele não sumiu só para mim, mas para os irmãos dele também.
Procurei primeiro no Fórum de Campos, onde ele viveu e trabalhou, mas a resposta foi: "à revelia". Entrei na Polícia Federal e na Cruz Vermelha, mas não deu resultado. Aí, consegui o atestado de óbito.
Com o documento, ele foi anistiado em 1997, ainda no governo FHC. Recebemos R$ 100 mil, que usei para comprar uma casa para a minha mãe [A lei 9.140/95 não prevê, no caso de localização com vida de pessoa desaparecida, ação para o ressarcimento do pagamento já efetuado, salvo na hipótese de comprovada má-fé].
A comissão orientou-me ainda a entrar na parte trabalhista, já que ele tinha 13 anos de rede ferroviária e havia abandonado o emprego no mesmo período.
O ENCONTRO
Foi quando eu descobri aposentadoria em seu nome. O funcionário do INSS suspeitou de fraude. O raciocínio foi: alguém deve estar usando o nome dele. Se não, o governo o teria encontrado.
Quando fui ao interior de São Paulo, no endereço que constava da aposentadoria, dei de cara com meu pai. Voltei desesperado e perguntei ao meu advogado o que fazer. Ele disse: vamos avisar a comissão imediatamente.
Fiz uma carta declaratória e contei exatamente o que aconteceu. Eles acreditam em mim e divulgaram uma carta me defendendo.
[Trecho da carta: "Ressaltamos que tivemos ciência do fato por meio de Uelinton, filho do suposto desaparecido, cuja a credibilidade não nos deixa crer ter havido má-fé dos familiares". Procurada pela Folha, a comissão reafirma o teor da carta].
ESTELIONATO
Quando comuniquei que ele estava vivo, começaram os problemas. O Ministério Público Federal abriu um processo de investigação por estelionato e, no processo, meu pai mentiu.
Disse que não tinha feito nenhuma militância. As três testemunhas mudaram os depoimentos e disseram que "não sabiam por que haviam dito aquilo". Na minha opinião, eles foram pressionados. Agora, fui condenado.
Como eu fraudei a União? Procurei até a Polícia Federal. Eu avisei a comissão que ele estava vivo. Estou esperando um milagre. A história está agora com o STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O PAI
Não conheci ele direito. Ele faleceu há um ano. Quando eu o procurei, fingi que era um funcionário da rede ferroviária, já que achava ser uma fraude. Depois, não conseguimos manter uma relação, já que ele negava todas as relações anteriores à nova família, em São Paulo.
A mulher dele disse que o encontrou andando pela cidade e resolveu cuidar dele. O meu entendimento é que, depois de ele passar por tortura, soltaram ele em São Paulo [Em entrevista à Folha em agosto de 1998, Wlademiro disse que abandonou a primeira família porque estava "decepcionado"].
Tenho 95% de chance de ir para a cadeia. Espero que essa injustiça não seja feita.
Obs.: A ministra dos direitos humanos dos terroristas Maria "La Pecosa" do Rosário ficou chateada quando o ministro Nelson Jobim pediu investigação à Justiça Federal para localizar 5 "desaparecidos" políticos que supostamente devem estar vivinhos da silva. A propósito, em uma palestra onde eu estive presente (Seminário "40 anos do AI-5", em 2008), no anexo do Senado, o ex-ministro Jarbas Passarinho afirmou que ele, quando ministro da Educação, recebeu um pedido para arranjar emprego para 5 ex-integrantes da Guerrilha do Araguaia, o que foi feito. Provavelmente, muitos outros "aparecidos" políticos tidos como mortos deverão surgir, já que muitos terroristas mudaram de nome e de cara, para escapar do "justiçamento" dos próprios companheiros terroristas. (F. Maier).
From: studart@studart.blog.br
To: ttacitus@hotmail.com
Subject: RE: Começam a surgir os "aparecidos" políticos...
Date: Tue, 15 Feb 2011 11:34:48 -0200
Prezado Felix,
Agradeço ter enviado reportagem abaixo.
Estou envolvido nas buscas pelos desaparecidos do Araguaia.
Sobre aqueles que vc chama de “aparecidos”, lembro que em meu livro “A Lei da Selva”, fui o primeiro a levantar a questão da existência de possíveis cinco mortos-vivos do Araguaia. Também fiz a primeira entrevista com o Passarinho no qual ele toca no assunto (empregou no MEC, com identidades falsas, dois dos cinco mortos-vivos).
Tenho informações segura sobre três: Edinho (Helio Navarro), Duda (René Silveira) e Piaui (cujo nome completo me fugiu da memória neste instante).
No caso de Edinho, a família ainda o busca como vivo.
No caso de Duda, a família pegou indenização e luta bastante contra qualquer investigação sobre o assunto.