Há indícios convincentes de que a presidente Dilma Rousseff optou por marcar sua estreia com algumas diferenças em relação ao antecessor e mentor. Lula iniciou o mandato organizando, no primeiro mês, uma excursão de ministros a favelas e o lançamento do programa Fome Zero. Dilma recolheu-se ao Planalto e a uma rotina gerencial.
A presidente escolheu sua primeira viagem ao exterior, porém, para reiterar correção mais substancial de rumo em tema sensível da política externa petista, direitos humanos. Antes de embarcar para a Argentina, comentou para correspondentes do país vizinho no Brasil a situação de Cuba. Não hesitou em distanciar-se da condescendência que Lula e o petismo mais arcaico reservam à ditadura dos irmãos Castro.
"Devemos protestar contra todas as falhas que haja a respeito dos direitos humanos em Cuba", afirmou. Como convém a chefes de Estado, dosou a franqueza da resposta com qualificações. Disse que o regime castrista deu alguns passos e que mesmo o Brasil tem dívidas com os direitos humanos.
Dilma não deixou de relembrar casos de violações sob responsabilidade dos EUA, como Abu Ghraib e Guantánamo. O saldo, contudo, parece satisfatório: a disposição de abandonar o caráter seletivo da abordagem dos direitos humanos por Lula. "Não vou negociar os direitos humanos."
O contraste com o comportamento errático dos últimos oito anos é patente. Lula empenhou-se na defesa de Manuel Zelaya, apeado do poder em Honduras, mas relativizou como briga de torcidas a revolta iraniana contra fraudes na eleição de 2009. No caso de Cuba, desdobrou-se para não condenar o tratamento reservado aos boxeadores Erislandy Lara e Guillermo Rigondeaux, repatriados por seu governo, e a morte por greve de fome do dissidente Orlando Zapata Tamayo, durante sua visita à ilha.
Dilma dera sinais de inconformismo com as evasivas, na primeira entrevista depois de eleita, ao deplorar a condenação a apedrejamento da iraniana Sakineh Ashtiani. Reafirma agora, sobre Cuba, o grau necessário de intransigência na matéria, que não implica violar o princípio de não ingerência nem o interesse nacional de manter relações diplomáticas e comerciais com todos os países.
Há quem atribua a nova orientação à presença de uma mulher na Presidência, ou à sua condição de torturada durante a ditadura militar. Pode-se especular, também, sobre astúcia política e polimento de imagem. É um caso, contudo, em que as motivações interessam menos que o fato.