As explicações padrão dos assassinatos no Arizona estão agora aparecendo, bem como uma violência disseminada na America e um extremismo irracional, ou seja, o combate aos extremistas islâmicos está gerando um antagônico extremismo nos Estados Unidos.
Gostaria de citar outro possível fator, cuja existência eu não posso provar, mas que eu acho que os americanos deviam pelo menos considerar: é o fato de que matar agora se tornou algo aceitável, essencial, normal, e parte permanente da vida americana.
Não, não me refiro à violência armada disseminada pela América, que os liberais apontam como parte de sua ‘agenda de controle de armas’. Não me refiro, tampouco, à violência disseminada que existe em decorrência de décadas de guerra às drogas, especialmente no México. Ao contrário, refiro-me à matança regular perpetrada pelo governo dos EUA de pessoas que vivem a milhares de quilômetros de distância dos EUA, no Afeganistão e no Iraque, matança que agora tem continuado regularmente por cerca de 10 anos e que se tornou uma zoeira comum e parte do dia-a-dia de nossas vidas.
Seis pessoas foram mortas e 14 foram feridas no tiroteio do Arizona, incluindo uma mulher que foi baleada na cabeça e uma menina de 9 anos de idade cujo sopro de vida se apagou. Todo mundo está chocado pelo horror, que está detalhado na primeira página de cada jornal pelo país a fora.
Mas, vamos encarar a coisa: tais assassinatos acontecem todas as semanas no Afeganistão e no Iraque e isso já ocorre há 10 anos! As vítimas são pais, crianças, irmãos, irmãs, primos, avós, amigos, noivas e noivos em festas de casamento.
Pessoas são mortas nesses dois países a toda semana, e a matança agora se expande a pessoas no Paquistão. Não se vê essa chacina regular nas primeiras páginas dos jornais americanos. Os mortos são sepultados na página 14 dos jornais em minúsculas notas, se tanto.
Por que tais mortes não aparecem nas primeiras páginas dos jornais?
Primeiro, as mortes se tornaram fatos corriqueiros. São agora consideradas normais; morte em escala maciça, mas ainda assim ‘normal’. Apenas varremos essas mortes para baixo do tapete de nossas consciências. A decisão do campeonato de futebol americano vai acontecer neste fim de semana. Conseguiu pagar as contas deste mês? A vida exige atenção. De qualquer modo, não é como se nós, os cidadãos americanos, estivéssemos fazendo a matança. São os militares e a CIA que estão fazendo isso.
Segundo, nossos servidores públicos dizem que nós estamos em guerra e que pessoas sempre são mortas na guerra. Não importa se estamos ocupando militarmente o Afeganistão e o Iraque, e não fazendo uma guerra. A idéia de a ocupação militar ser um tipo de guerra faz, portanto, com que não devamos deixar que as mortes diárias afetem as nossas consciências. Ainda mais porque, desde que fomos avisados de que a guerra ao terror é considerada permanente, nós temos simplesmente que nos acostumarmos com o fato de que as matanças semanais serão uma parte normal e regular de nossas vidas, enquanto vivermos.
Terceiro, é dito a nós que as pessoas mortas são terroristas, os combatentes inimigos, e quem por desventura não é são parte dos infelizes "danos colaterais". Não importa que os nossos funcionários públicos tenham estado a matar os terroristas e combatentes inimigos "à vontade", por cerca de 10 anos, mas aparentemente ainda não tenham matado todos eles. Não importa que os terroristas e combatentes inimigos possam muito bem agora consistir principalmente de pessoas que estão simplesmente tentando livrar seu país de uma ocupação estrangeira, como as pessoas faziam quando foi a vez da União Soviética a fazer tal ocupação. Não importa que o número de terroristas e combatentes inimigos continue a crescer com cada novo assassinato, com base no ódio crescente que isso possibilita. Tudo é apenas parte integrante da "nova normalidade", para a sociedade americana.
No processo, a vida é desvalorizada – bem, pelo menos a vida dos afegãos, dos iraquianos e dos paquistaneses. As matanças semanais de adultos e crianças nesses três países são relegadas à página 14 do jornal, porque eles são apenas afegãos, iraquianos e paquistaneses. Não é como se eles fossem americanos, que, afinal, são as pessoas que dão um valor muito maior à vida humana do que outros.
Não devemos esquecer como, nos últimos 10 anos, a vida dos afegãos e iraquianos foi descartável, para o bem maior da nossa sociedade. Quantas vezes nós temos sido lembrados, por exemplo, que as mortes de incontáveis iraquianos valeram a pena pelo esforço para levar a democracia ao Iraque?
De fato, um dos fenômenos mais fascinantes da guerra do Iraque – uma guerra ilegal e inconstitucional não declarada de agressão que os EUA subvencionam contra um país que nunca atacou nossa nação ou sequer mesmo ameaçou fazê-lo – é que nunca existiu um limite máximo quanto ao número de iraquianos mortos que pudesse justificar a conquista da democracia no Iraque. Qualquer que seja o número de iraquianos mortos, não importa o quão alto possa ser, tem sido considerado compensador quanto a isto.
Vimos este mesmo arrazoado ao longo de 11 anos de sanções brutais ao Iraque, que foram impostas com o propósito de obter a mudança do regime — a deposição de Saddam Hussein e a substituição do ditador por um regime pró-americano. Quando foi perguntado à embaixadora de Bill Clinton na ONU, Madeleine Albright, no ‘60 Minutes’, se as mortes de meio milhão de crianças iraquianas tinham valido a pena, sua resposta refletiu perfeitamente a mentalidade das autoridades de Washington durante as duas últimas décadas: “Acho que esta é uma escolha muito difícil, mas o preço — achamos que compensou”.
Qual o valor que se atribui à vida do povo, incluindo crianças que são sacrificadas pelo bem maior da sociedade? Não muito, pelo visto. A vida é supostamente sacrossanta, mas, de novo, trata-se do povo iraquiano o que estamos nos referindo.
Como pode toda essa mortandade e destruição maciça, regular e permanente não afetar e infectar a sociedade? Claro, tudo acontece a milhares de quilômetros da nossa pátria. Claro, também, que tudo é sepultado na página 14 dos jornais. Não vemos os caixões nos enterros. Não vemos o choro, a angústia, ou a ira dos que sobreviveram. Simplesmente nos ocupamos de nossos negócios diários, delegando autoridade. Nossos servidores públicos sabem o que é melhor. Quais são as suas funções. Temos que confiar em seu tirocínio. Se eles dizem que os soldados americanos e agentes da CIA têm que permanecer no Iraque e no Afeganistão de forma permanente e apenas sair matando gente para sempre, então, nós cidadãos temos só que aceitar isso, sem maiores discussões... Se eles dizem que têm que estender a matança ao Paquistão, ao Iêmen, à Somália, ou onde mais quer que seja, então, isto é simplesmente o que tem que ser feito. Eles são especialistas e estão no comando.
No processo, cada um se convence de que as pessoas que estão sendo mortas são os “caras ruins” ou pessoas que simplesmente estavam muito próximas dos caras ruins, incluindo suas esposas, crianças, outros membros da família, ou amigos.
De certo, a possibilidade do governo Americano — no caso o invasor, o ocupante, o intrometido — ser o verdadeiro “cara ruim” nem se quer passa pela cabeça da maioria das pessoas. Tal pensamento é horrível demais, terrível demais. Isto poderia fazer com que os cidadãos tivessem que fazer um exame de consciência. É mais fácil apenas continuar “apoiando as tropas” que estão “defendendo nossas liberdades” ao matar todas aquelas pessoas, de forma regular e em base semanal.
A imprensa noticiosa está relatando que o acusado do tiroteio no Arizona, Jared Loughner, tentou se arregimentar nas forças militares dos EUA, mas não conseguiu. A ironia é que se ele tivesse conseguido, teria ido para o Iraque ou Afeganistão e participado do festim de morte seminal e, quando retornasse, as autoridades públicas, dignitários, personalidades da mídia, e mesmo alguns eclesiásticos saudariam seu heroísmo e o agradeceria por ter servido seu país matando iraquianos, afegãos, paquistaneses, e outros em “defesa de nossas liberdades”, aqui em casa!
Será que a normalização e trivialização do assassinato e o denegrimento e desvalorização da vida no Afeganistão e no Iraque serviu de gatilho para disparar algo dentro da mente aparentemente conturbada do atirador do Arizona?
Não sei. Mas como podem tais ações não provocarem efeitos horríveis e adversos no longo prazo em pessoas cujo governo está permanentemente engajado em tamanha maldade?
Saudações,
Jacob G. Hornberger
Jacob G. Hornberger é fundador e presidente da `Fundação do Futuro da Liberdade`. Nasceu e cresceu em Laredo, Texas, e recebeu seu MBA em economia do Instituto Militar da Virgínia e se formou em Direito pela Universidade do Texas. Foi advogado substituto por doze anos no Texas. Foi também professor adjunto de Economia na Universidade de Dallas, no Texas. Em 1987, o Sr. Hornberger deixou a prática da advocacia para se tornar diretor de programas na Fundação para o Ensino de Economia. Em 1989, Hornberger fundou a ‘Fundação do Futuro da Liberdade’. Escreve regularmente para a publicação se sua fundação, o ‘Diário da Liberdade’. Co-editou ou contribuiu para oito livros que foram publicados pela Fundação.
COMENTÁRIOS
Por que a morte de inocentes é essencial para a vida americana:
• A morte de inocentes continuará
• Da mesma forma haverá um constante número de baixas por efeito colateral, como uma música de fundo
• Quem serão os chacinados, com nosso silencioso consentimento?
(Comentário de Gary Gibson, de Baltimore, Maryland)
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...Matar é legal.
Os americanos têm sido condicionados a aceitar que meninas de nove anos de idade, sejam mortas a tiros... Enquanto eles estiverem numa terra cheia de "insurgentes"... E enquanto essas mortes forem consideradas apenas como "danos colaterais", que inevitavelmente ocorrem quando se vai à caça dos "malfeitores". Afinal, estamos em guerra. Então está ok, certo?
(comentário de ‘Uísque & Pólvora’ de Hornberger Jacob G. janeiro 14, 2011 Fairfax, Virginia, EUA)
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E no Brasil, que, oficialmente, não está em guerra com ninguém, a não ser consigo próprio?
A banalidade de matar aqui é ainda mais cruel porque os que matam não estão defendendo nenhum interesse nacional, a não ser que esse interesse seja o de desagregar a democracia – quem sabe? – pelo aumento da impunidade que gozam hoje os criminosos comuns, desde que trajam colarinho e gravata e estejam ocupando cargos no governo.
No Brasil, hoje, pela incúria governamental de evitar avalanches e inundações, de não promover educação e ensino de qualidade aos menos favorecidos, de não ser capaz de policiar eficientemente as nossas fronteiras, de oferecer uma assistência médica e hospitalar pífia e perigosa, morre muito mais gente por semana do que no Iraque, no Afeganistão, ou no Paquistão. A banalização da morte no Brasil faz parte da herança maldita de governos socialistas e criminosos...
(Comentário de Francisco Vianna – Jacareí, São Paulo)