O tom mais agressivo da candidata oficial Dilma Rousseff no primeiro debate do segundo turno e nas entrevistas que vem dando pode ser explicado pela constatação de que ela vem perdendo votos desde as últimas semanas de campanha e continuava perdendo no início do segundo turno
O empresário e consultor Paulo Milet utilizou três conjuntos de informações das pesquisas Datafolha para chegar a essa conclusão: a última pesquisa Datafolha, divulgada no sábado, dia 9, uma semana depois do primeiro turno; uma pesquisa anterior, divulgada no sábado, dia 2, véspera das eleições, sobre o segundo turno, além do resultado oficial apurado.
Na comparação da pesquisa atual com a pesquisa anterior do primeiro turno, em votos totais, com os votos de Marina Silva indo para um dos dois candidatos ou para os indecisos, temos o seguinte resultado: a candidata petista cresce 1 ponto, de 47% para 48%, e o candidato Serra cresce 12 pontos, de 29% para 41%.
Dos 16% de Marina, portanto, 3 pontos vão para os indecisos. Por regiões, a situação fica a seguinte: no Sudeste, Dilma permanece igual, com 41%, e Serra cresce 13 pontos, de 31% para 44%, indo 6 pontos de Marina para os indecisos.
Na região Sul, Dilma cresceu 3 pontos, indo de 40% para 43%, e Serra cresce 10 pontos, de 38% para 48%, com os 13% de Marina na região distribuídos para os dois candidatos.
No Nordeste, Dilma cresceu 1 ponto, de 61% para 62%, e Serra cresceu 12 pontos, de 19% para 31%, com os 12% de Marina indo para os dois candidatos, e 1 ponto dos indecisos indo para um dos dois.
No Norte/Centro-Oeste, Dilma permaneceu no mesmo, com 41% dos votos, e Serra cresceu 13 pontos, de 31% para 44%. A candidata Marina Silva teve nessa região 18% dos votos, o que significa que 5% foram para os indecisos.
Sua conclusão é lógica: se pelo Datafolha Serra recebeu 51% dos 16% dos votos totais de Marina (pouco mais de 8%) e cresceu mais do que isso, quer dizer que Serra continuou tirando efetivamente votos de Dilma ou dos indecisos nessa primeira semana pós-eleições, inclusive na Região Nordeste.
Nos votos válidos, Serra cresceu 15 pontos, e Dilma, 4 pontos, perfazendo o total de 19% de Marina Silva.
Na comparação da pesquisa atual com a pesquisa anterior para o segundo turno, vemos o que mudou em uma semana. Dos votos totais, Dilma caiu 4 pontos, de 52% para 48%, e Serra cresceu 1 ponto, indo de 40 para 41%.
Já nos votos válidos, Dilma caiu 2,5% — de 56,5% para 54% — , e Serra cresceu 2,5%, de 43,5% para 46%. Pelos votos válidos, 2,5 milhões de eleitores que estavam dispostos a votar em Dilma no segundo turno viraram para Serra em uma semana.
Comparando a pesquisa atual com os resultados oficiais, chega-se à conclusão de que nos votos totais Dilma cresceu 5,2 pontos, de 42, 8 % para 48%, e Serra, 11,2 pontos, indo de 29,8% para 41%.
Como Marina obteve 18,6% dos votos totais, quer dizer que 2,2 pontos foram para os indecisos.
Já nos votos válidos, Dilma cresceu 7 pontos, de 47% para 54%, e Serra, 13 pontos, indo de 33% para 46%. Marina teve 20% de votos válidos, que foram divididos entre os dois candidatos finalistas.
Tudo indica, portanto, que a queda progressiva de Dilma nas duas semanas anteriores à eleição continuou na semana pós-eleição.
A diferença de Dilma para Serra está encurtando, e por isso a candidata oficial tentou estancar suas perdas com a atitude mais agressiva no debate da TV Bandeirantes.
Existem indecisos e ausentes que podem decidir a eleição. A equipe da PUC do Rio, coordenada pelo cientista político Cesar Romero Jacob, chegou à conclusão de que “uma das principais causas que levaram as eleições para o segundo turno” foi o alto grau de abstenção, votos em branco e nulos, nas Regiões Norte, Nordeste e norte de Minas, áreas onde a candidata Dilma Roussef obteve suas mais altas votações.
Pelo mapa da distribuição dos votos pelo país, que os especialistas da PUC finalizaram neste fim de semana, pode-se observar que o “não voto” chegou mesmo a representar 45% do total de eleitores em algumas microrregiões do Amazonas, do Maranhão, do Ceará e de Minas Gerais.
Em outras regiões, os números variaram entre 14,8% e 36,8%, sendo que as regiões Sul e Sudeste foram as que tiveram os índices mais baixos.
A análise registrada aqui do cientista político Cesar Romero Jacob sobre a falta de estrutura política de Marina Silva para firmar-se como uma líder nacional com vistas a futuras eleições foi contestada por vários leitores, entre os quais destaco dois.
O cientista político Nelson Paes Leme acha que a agenda ambiental da candidata verde tende a se aprofundar nas próximas eleições.
Lembrando o filósofo contemporâneo inglês John Gray, ele destaca o caráter ilusório daquilo que consideramos “progresso”.
Paes Leme diz que esse é “o tema do século que apenas desponta. Quem sabe do Milênio. Ainda em 2012 teremos no Rio a Rio Mais Vinte, em cima das eleições municipais”.
Para ele, o eleitorado de Marina nos grandes centros, escolarizado e mais bem informado do que nos rincões onde ela teve inexpressiva votação, certamente levou essa agenda e essas perplexidades em consideração ao sufragar seu nome com quase 20 milhões de votos. “E a tendência é ela voltar muito mais forte nas próximas eleições.” Já o leitor Marcelo Paes de Oliveira discorda do paralelo feito pelo deputado federal eleito do Partido Verde Alfredo Sirkis entre a fraca votação do PV nesta eleição e a do PT na eleição de 1989, argumentando que os votos dela (Marina) “foram muito além das fronteiras deste partido”.
O veneno do marketing
FERNANDO JORGE C. PEREIRA
Encerrada a apuração, foi impossível ao PT esconder a perplexidade com os resultados.
A vitória no primeiro turno — tida como certa — não ocorreu, Marina foi muito mais longe do que se supunha, os tucanos — mesmo com baixas significativas — venceram nas unidades da federação de maior peso e, o mais desconfortável, Lula com seus destemperos, vendetas pessoais e desmedida arrogância, acabou apontado como um dos grandes responsáveis pelo revés. Se a vitória pertenceria a Lula, a derrota também, e ficou demonstrado que, longe do que tanto se apregoava, ele não tem nada de imbatível.
Declarações infelizes da candidata sobre aborto e Deus — que pelo visto não é petista — consolidaram uma hostilidade contra Dilma que precisa ser enfrentada, mas o PT se digladia em suas lutas internas e disputas com o PMDB, que é acima de tudo pragmático e fragmentado.
Pouco afeito a contrariedades, Lula submergiu. Há alguns dias quase não fala. Percebendo a disfunção do humor presidencial, muitos o registraram. Até Requião — imaginem — recomendou paz e amor ao presidente. Os críticos aliados, todavia, falaram interna corporis e a solução sobrou para o marqueteiro.
Marqueteiros tradicionalmente recomendam aos candidatos fugir de assuntos controversos e divisivos — como o aborto —, mas, se isso for impossível, aconselham posicionamentos evasivos para minimizar perdas. Assim, temos hoje uma Dilma “cândida” — quem diria! — a dizer coisas tais como “sou a favor da vida” ou “se eu tive um neto é porque sou contra o aborto”.
Por óbvio, não convence ninguém.
Tivesse ouvido apenas o bom senso, Dilma saberia que, com tal atitude, perde duas vezes: a primeira entre os que são rigorosamente contra o aborto e a segunda — contingente muito maior — entre os que são contra a mentira, a desfaçatez e a covardia.
Aparentemente esquecida da internet, não contou com a circulação de vídeos e textos onde suas posições anteriores são francamente expostas em toda a sua leniência neste assunto e, no mínimo, favorável à descriminalização do aborto num contexto de pretensas justificativas sociais ou dialogando com um feminismo de bravata.
A desconfiança que se instala na sociedade acerca de Dilma e suas posições contamina os atributos que ela quis construir, e inevitavelmente mistura fatos, significados, boatos, mentiras e suspeitas. A eventual primeira mulher presidente defende o aborto? Com Lula se pode mais do que Deus? E no rastro de seus desmentidos ... ela quer ou não quer o controle (ou censura?) da mídia? Afinal, Dilma esconde o que pensa? A verdade é que quando o marketing leva à troca de convicções por conveniências, é fácil cair num redemoinho sem volta. Hoje, a comunicação de Dilma Rousseff se dedica à ingrata tarefa de recalibrar posicionamentos.
A tentativa de impregnar seu primeiro programa de temas como “a vida” etc é um tiro a sair pela culatra, na esteira do que foi a despropositada visita em Minas à capela do Mercado Central de Belo Horizonte, recentes aparições com o netinho no colo ou ainda sua biografia “mineira”... tchê.
É assim que o excesso de esperteza marqueteira se torna veneno.
Aos olhos do cidadão médio, antes ela figurava apenas como a favor do aborto e, de salto alto, teria afirmado que nem Jesus lhe tiraria a vitória.
Desmentindo peremptoriamente fatos documentados, nos convenceu que também não diz a verdade. Agora vemos que, além de tudo isso, ela ainda pensa que somos bobos, que não notamos seus truques.
José Serra, o outro candidato a presidente, tem muito a ajustar em sua campanha e para isso precisa se lembrar da fala do povo de que “camarão que dorme a onda leva”.
Dilma deve entender, porém, que fez o seu remédio tornar-se veneno.
Persistir no erro é opção dela, mas não esqueça: veneno mata e é para sobreviver que jararaca não morde a língua