TCU aprova reavaliação dos valores das prestações mensais; julgamentos da Comissão de Anistia devem ser analisados
Evandro Éboli
BRASÍLIA. O plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou ontem, por 5 votos a 3, uma revisão completa nos altos valores das prestações mensais pagas aos anistiados políticos. Com a decisão, o TCU ganha poder de reanalisar os julgamentos feitos pela Comissão de Anistia desde 2002, quando foi aprovada e sanciona da a Lei 10.559, que criou o benefício.
Agora, o Ministério da Justiça terá que enviar todos os processos já julgados ao TCU, que poderá suspender o pagamento das reparações vultosas.
A decisão do tribunal atendeu a uma representação do Ministério Público junto ao TCU. O procurador Marinus Marsico, autor do requerimento, entende que a prestação mensal, permanente e continuada tem caráter de pensão e aposentadoria, mas não de indenização.
E, por isso, deve seguir as regras do funcionalismo público e, assim, ser submetidas ao TCU.
— Isso não é indenização, é uma pensão.Tem todas as vantagens do funcionalismo e deve ter o ônus, ou seja, ser fiscalizado pelo TCU — disse Marinus Marsico.
O procurador afirmou que “os casos mais esdrúxulos” serão os alvos do tribunal.
— Aqueles casos que afrontam a legalidade, que exorbitam os princípios da razoabilidade, serão revistos — disse.
O relator da representação, Marcos Bemquerer, também entendeu que a reparação econômica mensal tem caráter de pensão especial.
— Não questiono a condição de anistiado político. Agora, prestação continuada e vitalícia tem que estar sujeita a parâmetros legais. São valores bastante altos. É verba pública sem controle do TCU. Precisa ser analisado caso a caso — disse Bemquerer.
O ministro Benjamin Zymler foi contrário a submeter as anistias ao TCU. Entre seus argumentos, estava o de que o tribunal já tem excesso de processos para julgar.
— Para zerar o estoque de processos que temos hoje, levaríamos três anos. Foge do roteiro constitucional (julgar anistia). Seria um ônus pesadíssimo — disse Zumler.
O TCU, segundo Marinus, irá rever também os retroativos acumulados por quem recebe prestação mensal. Dezenas de casos passam da casa dos milhões. O procurador afirmou que este pagamento pode ser suspenso também.
Entre os casos que considera abusivo, Marinus cita o do ex-guerrilheiro Carlos Lamarca, cuja viúva recebeu R$ 300 mil e mais prestação mensal de R$ 12 mil, com sua promoção a general aprovada pela comissão; e os cartunista Ziraldo e Jaguar, cada um teve aprovado uma prestação mensal de cerca R$ 4 mil e retroativo de R$ 1 milhão.
Comissão de Anistia já julgou 55 mil processos As indenizações são aprovadas pela comissão com pedido de desculpa do Estado, feito sempre pelo presidente da comissão ao anistiando ou seu familiar.
Para o governo, a indenização é o reconhecimento das atrocidades cometidas pelo Estado, no período da ditadura.
— Mas quem paga não foi quem oprimiu. É o contribuinte.
Não é o Estado quem paga essas indenizações. É a sociedade.
É ela que o Ministério Público defende. Essa decisão do TCU significa moralização do que está ocorrendo — disse Marinus.
A Comissão de Anistia julgou até hoje cerca de 55 mil processos. Foram aprovados 14 mil casos. O montante já pago ultrapassa R$ 2,5 bilhões.
Há cerca de onze mil para serem julgados. O TCU deixou de fora de seu crivo as prestações únicas, pagas de uma só vez e no valor máximo de R$ 100 mil. Para o tribunal, este tipo de reparação tem caráter de indenização.
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O Estado de S. Paulo - 12/8/2010
TCU decide rever valor pago a anistiados
Serão analisados mais de 9 mil benefícios, já pagos ou aprovados, no total de R$ 4 bilhões
O Tribunal de Contas da União decidiu ontem revisar cerca de R$ 4 bilhões em indenizações a perseguidos políticos já pagas ou aprovadas em pouco mais de sete anos. A partir dessa decisão, o procurador do Ministério Público no TCU, Marinus Marsico, promete prioridade para três casos: os da viúva de Carlos Lamarca e dos jornalistas Ziraldo Alves Pinto e Sérgio Jaguaribe, o Jaguar.
No total, serão objeto da análise do órgão 9.371 benefícios já concedidos pela Comissão de Anistia com base na lei que garantiu o pagamento de indenização do Estado a vítimas de perseguição política até 1988, ano em que a Constituição foi aprovada.
Os nomes de Lamarca, Ziraldo e Jaguar são exemplos de indenizações que devem ter os valores reduzidos, adianta Marinus Marsico, autor do pedido de revisão dos benefícios.
"Vamos tentar economizar milhões para os cofres públicos, começando pelos casos mais flagrantemente irregulares", afirmou ontem o procurador ao Estado, logo após o resultado da votação em plenário - foram 5 votos a 3 a favor da revisão dos benefícios aprovados aos anistiados políticos.
Procurado ontem, o presidente da Comissão da Anistia, Paulo Abrão, disse que só se manifestaria hoje sobre a decisão do órgão.
O debate no TCU se arrastou por mais de dois anos, desde que Marinus Marsico apresentou pedido para rever as indenizações, cujos valores foram definidos de forma arbitrária, de acordo com análise do Ministério Público.
Desde o início do caso, o procurador deixou claro que não pretendia rever a condição de anistiado político, mas apenas os valores concedidos.
Ontem, ele informou que pretende apresentar pedido de cautelar para suspender o pagamento dos valores retroativos mais elevados, com parcelas ainda não liberadas, até que a análise do TCU sobre esses casos seja concluída.
Patente. A viúva de Carlos Lamarca, Maria Pavan Lamarca, é beneficiária de pagamento retroativo de R$ 902,7 mil, além de uma remuneração mensal de R$ 11.477. Lamarca desertou do Exército, virou guerrilheiro e acabou morto em 1971. Depois disso, foi promovido a coronel, mas o procurador do Ministério Público avalia que a promoção correta seria para uma patente inferior.
Ziraldo e Jaguar, fundadores do jornal Pasquim, foram beneficiados com pagamento retroativo de pouco mais de R$ 1 milhão cada um e uma indenização mensal de R$ 4.375. O procurador não põe em dúvida que Ziraldo e Jaguar tenham sido vítimas de perseguição política, mas questiona o valor do benefício aprovado pela Comissão da Anistia.
A decisão de ontem do Tribunal de Contas da União só livra da revisão as indenizações pagas em parcela única de até R$ 100 mil. Esses casos representam menos de 5% das indenizações já aprovadas ou pagas. Passarão por análise do órgão tanto a pensão mensal concedida a anistiados como os valores de pagamentos retroativos aprovados.
Argumentos. Ontem, durante a sessão no plenário do TCU, o grande volume de trabalho extra foi um dos argumentos usados pelo ministro Benjamin Zymler para tentar barrar a revisão das anistias. "Não podemos encher a Secretaria de Fiscalização de Pessoal com milhares de processos, não sei se temos condições de avaliar esses processos", observou Zymler. "Estaríamos impondo a nós mesmos um ônus importante."
Venceu, porém, o entendimento de que as indenizações aprovadas a anistiados políticos equivalem a pensões pagas a servidores públicos pelo Estado e, por isso, estão igualmente sujeitas à análise do órgão.
O TCU não fixou prazo para concluir a análise. Nos próximos três meses, serão definidos critérios para o exame dos benefícios. Não está claro se valores pagos de forma irregular terão de ser devolvidos.
Entre os beneficiários, Lula recebe R$ 5 mil por mês
Marta Salomon / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA
O presidente Lula está entre os beneficiários de indenizações a perseguidos políticos. Recebe cerca de R$ 5 mil mensais, acima da média dos pagamentos aprovados nos últimos anos, de R$ 3 mil, segundo cálculo da Comissão da Anistia.
Só em 2010, já foram desembolsados R$ 297 milhões em pagamentos aos anistiados. De acordo com balanço da comissão, vinculada ao Ministério da Justiça, há cerca de 12 mil pedidos de indenização para ainda serem avaliados, dos quase 70 mil pedidos apresentados.
O benefício a Lula foi concedido antes de a lei ser sancionada no último dia de mandato do ex-presidente Fernando Henrique, em 2002. Segundo essa lei, a reparação é maior quando a perseguição política tiver causado perda do emprego. Parte dos anistiados teve direito ao pagamento retroativo a 1988. Os valores somados apenas dessas prestações retroativas aproximam-se de R$ 3 bilhões.
Greve. Depois de liderar greve contra o regime militar, Lula ficou preso por 31 dias. A aposentadoria especial foi aprovada em 1985 pelo Ministério do Trabalho e depois convertida em indenização pela Comissão da Anistia. Os pagamentos aprovados eram mais elevados no início dos trabalhos da comissão. O valor médio das indenizações caiu em 2007, depois que uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou erros no cálculo de benefícios e mandou rever alguns deles.
Um exemplo de revisão nessa época foi o da ex-ativista Maria Augusta Carneiro Ribeiro, de mais de R$ 8 mil mensais, além de pagamento retroativo de R$ 1,5 milhão. O TCU suspendeu parte dos pagamentos retroativos concedidos por meio de cautelar, mas os benefícios foram liberados em 2008.