Frágil e polarizada, Unasul tenta negociar disputa entre vizinhos
Bloco sul-americano, idealizado pelo Brasil nos anos 90, reúne-se hoje para discutir ruptura Caracas-Bogotá
Roberto Simon - O Estado de S.Paulo
Como desejava o Brasil, a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), bloco de 12 países criado em 2004, tornou-se a arena de discussão da cisão entre Bogotá e Caracas. Segundo analistas, porém, a instituição é demasiadamente frágil e polarizada para dar à crise uma solução efetiva, capaz de ir além do tradicional falatório sul-americano.
O bloco foi idealizado pela diplomacia brasileira, numa tentativa de limitar a influência de Washington na América do Sul. Enquanto era presidente argentino, o atual secretário-geral do bloco, Néstor Kirchner, chegou a qualificar a Unasul de "criação do Brasil".
Desde o governo Itamar Franco (1992-1995), o Itamaraty busca tirar o foco de iniciativas hemisféricas, como a Organização dos Estados Americanos (OEA) - onde os EUA dão as cartas -, e "sul-americanizar" projetos regionais. Foi essa mudança de visão que impulsionou, por exemplo, o Mercosul, nos anos 90.
Instituída já no governo Luiz Inácio Lula da Silva, a Unasul deveria ter um caráter político, em oposição à discussão "somente comercial" sobre a integração regional. Uma das principais iniciativas nesse sentido foi o Conselho de Defesa, criado sob o guarda-chuva da Unasul para coordenar e dar transparência a questões militares da região.
O bloco teve sucesso em afastar-se dos EUA, mas acabou sem nenhum "fiador", aponta Tullo Vigevani, professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp). "Não há um país que dê garantias, que cubra os custos e decisões da Unasul. A responsabilidade recairia sobre o Brasil, o gigante da região, mas o País não está disposto - ou não tem condições - de ser esse fiador."
Clodoaldo Bueno, historiador da diplomacia brasileira, vai mais longe e diz que a "clara opção" do Brasil pela Venezuela retira a credibilidade do bloco. "Com o Brasil, o principal país da região, tão próximo do (venezuelano Hugo) Chávez, a Unasul ameaça ser mais um projeto de integração sul-americana a cair na irrelevância."
Posição dos países-membros
Venezuela - Exige que Colômbia retire denúncia sobre presença das Farc e trate guerrilha como "força beligerante"
Colômbia - Exige que guerrilheiros na Venezuela sejam entregues e pede investigação
Brasil, Argentina e Chile - Querem "esfriar" crise até aposse do presidente eleito
Bolívia - Ataca "beligerância de Uribe", dá apoio a Chávez e pede "mediação da Unasul"
Peru - Apoia Bogotá e pede investigação sobre presença das Farc na Venezuela
Paraguai - Afirma não
tomar partido de nenhum dos lados e se oferece para mediar diálogo entre Caracas e Bogotá
Uribe e Chávez sugerem propostas irreconciliáveis
Reuters, Efe e AP - O Estado de S.Paulo
BOGOTÁ
Caracas e Bogotá chegarão à reunião de chanceleres da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), marcada para hoje em Quito, no Equador, com propostas praticamente irreconciliáveis. Embora não tenha detalhado seu plano, o governo venezuelano fala em diminuição da retórica e da corrida armamentista. Os colombianos rejeitaram um acordo e propuseram uma paz com base na desmobilização e na rendição dos guerrilheiros que estariam na Venezuela.
"Se lá na Venezuela eles têm um plano de paz, aqui na Colômbia também temos", afirmou o presidente colombiano, Álvaro Uribe, que deixa o poder no dia 7. "Se querem ajudar a superar o problema da guerrilha, que exijam então que ela se desmobilize."
O chanceler colombiano, Jaime Bermúdez, foi ainda mais duro, qualificando a iniciativa como uma intromissão nos assuntos colombianos. "Uma proposta de um plano de paz para a Colômbia é como se a Colômbia falasse em um plano de democracia para a Venezuela", afirmou o chanceler.
A proposta de paz da Venezuela foi anunciada no domingo por seu chanceler, Nicolás Maduro, que falou brevemente sobre o assunto antes de sair em um giro pelo continente para reunir apoio para a ideia. Antes de chegar a Quito, Maduro terá passado por Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile, Peru e Bolívia. Ontem, ao tomar conhecimento das declarações de Uribe e Bermúdez, o chanceler venezuelano acusou Bogotá de tentar "dinamitar" o diálogo entre os dois países.