Casos nos EUA e no Reino Unido e aprovação de lei na Rússia escancaram poder desmedido das organizações
Três dos maiores centros de espionagem do mundo -EUA, Rússia e Reino Unido- enfrentam questionamentos quanto ao tamanho, às atribuições e aos métodos de seus serviços de inteligência.
Nos EUA, reportagem do "Washington Post" aponta que o serviço secreto americano cresceu tanto desde o 11 de Setembro que ninguém mais tem controle sobre seus custos e seus empregados.
Na Rússia, grupos de direitos humanos criticaram fortemente lei aprovada ontem pelo Parlamento que amplia os poderes da FSB, agência sucessora da soviética KGB. Já no Reino Unido, o "Guardian" trouxe provas de cumplicidade de agentes de inteligência com tortura cometida contra suspeitos de terrorismo.
EUA
Rede de serviços secretos saiu do controle, afirma jornal americano
CRISTINA FIBE
DE NOVA YORK
A estrutura de inteligência dos EUA cresceu tanto após os ataques de 11 de setembro de 2001 que nem o governo sabe ao certo quanto custa, quantas pessoas emprega ou quantas agências trabalham na mesma investigação.
De acordo com série de reportagens do "Washington Post" que começou a ser publicada ontem, o serviço secreto é hoje tão complexo, "após nove anos de gastos sem precedentes", que saiu do controle da Casa Branca.
O secretário da Defesa, Robert Gates, disse ser um desafio acompanhar as investigações, mas disse que o sistema não é grande demais para ser administrado. Gates admitiu, porém, ter chegado o momento de avaliar os excessos.
Segundo o jornal, 1.271 organizações do governo e 1.931 empresas privadas estão envolvidas em projetos de contraterrorismo, segurança nacional e inteligência. No FBI (polícia federal), as 35 unidades de combate ao terrorismo do fim de 2001 aumentaram para 106.
O orçamento dos EUA para a inteligência é de US$ 75 bilhões, duas vezes e meia o que era nove anos atrás.
O diretor interino de inteligência, David Gompert, disse que "a reportagem não reflete a comunidade de inteligência que conhecemos".
"Trabalhamos para reduzir ineficiências e redundâncias, ao mesmo tempo em que preservamos uma sobreposição entre agências para fortalecer análises, desafiar o pensamento convencional e eliminar pontos falhos."
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O Globo - 20/7/2010
Inteligência de mais, segurança de menos
Luta antiterror nos EUA envolve sistema gigantesco com 854 mil pessoas
Dana Priest e William M. Arkin
Do Washington Post • WASHINGTON
O sistema de segurança dos Estados Unidos — que adquiriu proporções gigantescas após o 11/9 — tornou-se tão grande, secreto e pouco coordenado que ninguém sabe ao certo quanto ele custa, quantas pessoas emprega, quantos programas existem nem quantas agências fazem o mesmo trabalho. Essa á a conclusão de uma investigação realizada durante dois anos pelo jornal “Washington Post”, baseada em documentos oficiais e centenas de entrevistas.
O documento final estima que, nos últimos nove anos, o país criou um sistema tão grande e complexo que é impossível determinar seu grau de eficiência.
A pesquisa identificou 1.931 companhias privadas e 1.271 agências governamentais envolvidas na luta antiterrorismo. Espalhadas por cerca de dez mil locais nos EUA, ao menos 263 delas foram criadas em resposta ao 11/9. Cerca de 854 mil pessoas trabalhariam para o sistema de segurança. O orçamento da Inteligência foi anunciado no ano passado no valor de US$ 75 bilhões, 21,5 vezes maior do que em 11 de setembro de 2001, e o presidente Barack Obama já disse que não congelará os gastos. Ainda assim, todo esse aparelho não impediu o ataque na base militar de Fort Hood, em novembro, quando um psiquiatra do Exército abriu fogo e matou 13 pessoas nas instalações do Texas. E nem o quaseatentado em um avião americano no dia do Natal, reivindicado pela al-Qaeda. Informações relativas a ambos os casos haviam sido recolhidas por agências antes dos episódios, mas não foram utilizadas de forma a impedi-los.
— Eu não conheço nenhuma agência com autoridade ou responsabilidade de coordenar todas essas atividades entre agências — afirmou o general reformado John R. Vines, que no ano passado foi convidado a rever o método de rastreamento dos programas mais sensíveis do Departamento de Defesa e se chocou com o que viu. — Como falta um processo sincronizado, isso representa menos eficácia e mais desperdício. Consequentemente, nós não sabemos se o sistema está nos tornando mais seguros — disse.
O secretário de Defesa, Robert Gates, reconhece alguns dos problemas e diz que quer revisar certos programas para evitar desperdícios.
— Houve tanto crescimento desde o 11/9 que tentar abraçar tudo isso é um desafio — afirmou Gates ao “Washington Post”. No entanto, o secretário de Defesa nega que o sistema tenha ficado grande demais para ser administrado.
Ataque a Fort Hood revela falta de coordenação
O diretor da CIA, Leon Panetta, levanta um outro problema: os gastos em defesa depois do 11/9 atingiram um nível insustentável. Ele mesmo está traçando um plano para reduzir os custos de sua agência, e aconselha todos os seus colegas a seguir seu exemplo.
Outra fonte de descontentamento, segundo a investigação, são os inúmeros relatórios produzidos por agentes de inteligência. Além da falta de conhecimento — muitos analistas sabem muito pouco sobre países estratégicos — eles se contentam em repetir informações. E, quando não é o caso, ele pode não ser lido, tamanho é o volume de documentos produzidos — são 50 mil relatórios de inteligência ao ano.
Crítico dessa cultura, o general John Custer, ex-diretor do Comando Central dos EUA, não esconde seu descontentamento. Em 2007, ele visitou o diretor do Centro Nacional de Antiterrorismo, indignado com a pouca utilidade das informações que recebia do centro.
— Eu disse a ele que, após quatro anos e meio, esse órgão nunca produziu uma linha de informação que pudesse me ajudar a levar a cabo três guerras! — exclamou Custer. — Quem é responsável por reduzir a redundância? Quem coordena o que é produzido para que todo mundo não faça as mesmas coisas? — indaga.
Antes de se aposentar do cargo de diretor nacional de inteligência, Dennis Blair discordou de Custer, afirmando que não há repetição no munda da inteligência. — Muito do que parece ser redundância é, na verdade, informação sob-medida para muitos clientes diferentes — disse.
Os fatos recentes, no entanto, levam à conclusão de que falta uma melhor coordenação do sistema.
No caso da base de Fort Hood, ao menos duas agências detectaram comportamento suspeito do psiquiatra, mas a informação nunca chegou à única organização responsável pela contrainteligência dentro do Exército. Em outro exemplo palpável, a inteligência americana havia interceptado conversas reveladoras que envolviam o nome do nigeriano que tentou explodir um avião americano no dia do Natal. O problema é que as informações vieram desconjuntadas, e não houve ninguém para juntá-las e impedir que o nigeriano embarcasse naquele voo. O que evitou o ataque, no final, não foi o sistema bilionário de segurança, e sim o passageiro ao lado, que desconfiou do comportamento do vizinho.
Blair, na época diretor nacional de inteligência, reconheceu o problema. E a solução que encontrou foi pedir ao Congresso mais dinheiro e mais analistas para prevenir um novo erro.