Empresas federais deveriam obter sobra de caixa de R$ 7 bi em 2010, mas conta está no vermelho em R$ 1,7 bi até maio
GUSTAVO PATU
FERNANDA ODILLA
DE BRASÍLIA
As empresas estatais federais, que já tiveram um papel importante no programa de ajuste fiscal iniciado no final da década passada, hoje acumulam deficit que põem em risco o cronograma de redução da dívida pública.
Pelas metas fixadas em lei, as empresas deveriam obter em 2010 sobra de caixa -superavit primário- de R$ 7 bilhões. Em português mais claro, suas receitas, baseadas na venda de bens e serviços, deveriam superar nesse montante as despesas com pessoal, impostos, matérias-primas, material de consumo e investimentos.
De janeiro a maio, porém, o resultado foi um deficit de R$ 1,7 bilhão, quase do mesmo tamanho do R$ 1,9 bilhão contabilizado em vermelho em 2009, quando a crise podia justificar as perdas.
Mesmo depois das privatizações, o Tesouro ainda controla 118 empresas em atividade -o número pode variar de acordo com o critério de contagem e não inclui as estatais atualmente propostas ou estudadas para a exploração do pré-sal, para compor a sociedade do trem-bala e para atuar no setor de seguros.
Boa parte está fora das metas fiscais. É o caso dos bancos federais e de suas subsidiárias do setor financeiro, pois, como se limitam a fazer a intermediação entre aplicadores e tomadores de recursos, suas operações não têm impacto na dívida pública.
DEPENDENTES
Outras 16 empresas, por escassez de receitas próprias, dependem do Orçamento da União, ou seja, da arrecadação tributária. Por isso, seus resultados são contabilizados nas contas do governo federal, e não das estatais.
Entre elas estão a Embrapa e a EBC (Empresa Brasil de Comunicação), criada no governo Lula como versão ampliada da antiga Radiobrás.
A fragilidade fiscal das estatais ficou mais evidente quando, em 2009, o governo decidiu retirar as empresas do grupo Petrobras das metas de superavit primário, com o objetivo de permitir a ampliação das obras e demais investimentos do PAC.
Sem a gigante petroleira, os objetivos impostos às demais empresas ficaram mais modestos: de 0,7%, o superavit esperado das estatais caiu para o equivalente a 0,2% do PIB. Estatísticas mostram que o grupo restante de empresas esteve próximo desse desempenho pela última vez em 2005, e o último ano de algum superavit foi 2008.
Mesmo naquele ano, pelo menos 38 estatais -um terço- foram deficitárias, o que não significa necessariamente que deram prejuízo (lucros e prejuízos são apurados de forma diferente de superavit e deficit primários).
Os resultados discriminados por empresa, divulgados com defasagem pelo Planejamento, mostram que o maior deficit de então foi o de Furnas Centrais Elétricas, de quase R$ 700 milhões.
Embora não haja dados detalhados disponíveis, parece claro que a piora dos números desde 2009 está ligada ao aumento do investimento, que não foi acompanhado por expansão de receitas na mesma proporção e teve de ser coberto por empréstimos.
ITAIPU
Neste ano, a meta depende quase exclusivamente da binacional Itaipu. Como a empresa praticamente não tem investimentos programados no período, deve responder por 90% da meta.
Já as empresas do grupo Eletrobras, com investimentos previstos de R$ 8 bilhões, têm meta de superavit de R$ 1,6 bilhão, enquanto as demais estatais, em conjunto, devem fazer investimentos de R$ 3,3 bilhões e deficit de quase R$ 1 bilhão. Os resultados do primeiro semestre indicam que tais metas fiscais são pouco realistas.
Quando as estatais não cumprem as metas fixadas, seu desempenho precisa ser compensado pelo do governo federal, que inclui o Tesouro, o BC e o INSS, além das empresas dependentes do Orçamento.
Deficit vai deixar "herança maldita" para o novo governo
OPINIÃO
ROBSON GONÇALVES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Há décadas a história se repete e as estatais brasileiras têm sido usadas como instrumento da política econômica. Em certos momentos, para reforçar o caixa do governo. Em outros, para sustentar o nível de atividade. Mas a marca desse uso tem sido uma perversa lógica de curto prazo.
No início do governo Lula, os gastos das estatais foram cortados como parte do esforço para gerar superavit primário. Seria uma política saudável se não tivessem sido comprometidos importantes projetos de infraestrutura, cujo atraso limita o crescimento até hoje.
A partir de 2008, as estatais foram ""induzidas" a acelerar seus projetos de investimento como forma de estimular a economia e conter os efeitos da crise global. Mas a qualidade de projetos feitos assim, a toque de caixa, é sempre discutível. Veja-se o Minha Casa, Minha Vida, com suas metas ambiciosas e seus prazos incertos.
O que se espera de um programa de investimentos públicos saudável são pelo menos três coisas: visão de longo prazo, continuidade e eficiência na alocação dos recursos. Mas o uso conjuntural do orçamento das estatais é o oposto exato disso.
Em 2010, ano eleitoral, as estatais deixaram de contribuir para o equilíbrio fiscal, como no passado. Na esteira do aumento de gastos iniciado em 2008, registram deficit em suas contas.
Em si, isso não seria preocupante. Mas o fato é que se está gerando para o próximo governo mais uma ""herança maldita". A nova gestão terá, provavelmente, que promover novos cortes.
Mantida a miopia atual, esses cortes recairão, novamente, sobre o investimento, gerando mais descontinuidade e mais obstáculos ao crescimento no futuro.
O desejável seria que os cortes de gastos, quando necessários, recaíssem sobre as despesas com pessoal e com o custeio oneroso da máquina pública, não sobre os investimentos. Mas, aí, chegamos ao mundo das esperanças, não dos fatos.