Outros 47 devem ser soltos em até 4 meses; mediação foi feita pela igreja e pelo chanceler espanhol Moratinos
Dissidentes e ativistas veem anúncio com cautela e pedem a liberação de todos os 167 detidos no país
Enrique De La Osa/Reuters
FLÁVIA MARREIRO
DE CARACAS
Cuba vai liberar cinco prisioneiros políticos a partir de hoje e promete soltar outros 47 em até quatro meses, anunciou ontem a Igreja Católica em Cuba, que mantém desde maio um diálogo com o regime dos Castro sobre direitos humanos no país.
Se confirmadas essas libertações, elas representarão 31% do total de 167 presos políticos do país. Restarão, portanto, 115.
Será a maior liberação de presos políticos desde 1998, quando Havana liberou 300 detentos, entre eles cem considerados "de consciência", em resposta à visita do papa João Paulo 2º naquele ano.
O anúncio foi feito em nota pela Arquidiocese de Havana, após reunião entre o dirigente máximo de Cuba, Raúl Castro, o cardeal Jaime Ortega e o chanceler espanhol, Miguel Ángel Moratinos.
A notícia foi comemorada com cautela por ativistas de direitos humanos e dissidentes dentro e fora de Cuba, que reiteraram o chamado à libertação de todos os prisioneiros políticos.
Os 167 atuais representam o menor número em 50 anos, segundo a Comissão Nacional de Direitos Humanos local, ilegal, mas tolerada.
"É uma boa notícia, mas o chamado é por uma libertação de todos, que estão em condições sub-humanas na cadeia", disse à Folha Elizardo Sánchez, da CNDH.
Os primeiros cinco liberados e seus familiares deixarão o país rumo à Espanha nos próximos dias. Os seguintes também poderão deixar Cuba. Outros seis prisioneiros serão trasladados a cadeias mais próximos de seus familiares.
Todos os potenciais liberados fazem parte do grupo de 75 pessoas, entre ativistas e jornalistas, presos pelo regime sob acusação de conspiração na chamada Primavera Negra, em 2003, a maior onda de repressão da década.
DRAMA DE FARIÑAS
Desde então, Havana tem privilegiado as ações de "baixa intensidade" e intimidatórias, como detenções por algumas horas de críticos do governo, além de manter rígido controle das comunicações e penalizar a organização política independente.
A promessa de liberações ocorre quando médicos dizem que é crítico o estado de saúde do dissidente Guillermo Fariñas, há mais de quatro meses em greve de fome pela libertação de presos.
Ontem, o dissidente disse à agência France Presse por telefone, do hospital onde está internado, que não interromperá seu jejum até a libertação dos detentos. "Estou cético. Até que nossos irmãos estejam na rua, não confio nas autoridades."
Para o sociólogo cubano Haroldo Dilla, o gesto do governo é um aceno ao exterior, mas frisa que Havana evitou atender diretamente Fariñas. Se o atendesse, viriam muitos outros pedidos e protestos, opina o sociólogo.
OPINIÃO
LULA E OS DIREITOS HUMANOS
Anúncio expõe a omissão do governo Lula
Em visita a Cuba, em fevereiro, presidente brasileiro não mencionou a morte de um dissidente em greve de fome
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Quando o dissidente cubano Orlando Zapata morreu em consequência de uma greve de fome, em fevereiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava em Cuba.
Não disse uma palavra sobre a situação dos direitos humanos na ilha. Ao contrário: condenou a vítima, por achar inapropriada uma greve de fome. Cinco meses depois, o presidente acaba de terminar mais uma visita a mais uma ditadura (Guiné Equatorial).
Em Cuba está o chanceler espanhol, Miguel Ángel Moratinos, que, em vez de testemunhar a morte de um dissidente em greve de fome, é o coanunciador de um movimento quase inédito: a libertação imediata de cinco presos políticos e, em três ou quatro meses, de outros 47.
É por situações assim que há um crescente coro de críticas ao silêncio brasileiro ante ditaduras. O anúncio de ontem derruba a desculpa que autoridades brasileiras esgrimem uma e outra vez, a de que, em matéria de direitos humanos, é melhor atuar silenciosamente. O fato é que o Brasil não agiu nem ruidosa nem silenciosamente.
Quem tomou a iniciativa foi, em primeiro lugar, a Igreja Católica (e, por extensão, o Vaticano) e, em seguida, a Espanha.
À margem da omissão brasileira, o anúncio das 52 libertações é um claro indício de que o regime cubano vive, talvez, seu momento de maior fragilidade.
É uma das primeiras vezes que aceita negociar publicamente a questão dos presos políticos. É verdade que a negociação se deu, fundamentalmente, com um ator que não é explicitamente político, a igreja.
Aliás, o cardeal Jaime Ortega fez, mais ou menos, o que o governo brasileiro diz que faz, mas não faz.
Ou seja, vem falando desde abril mais como amigo de Cuba do que como militante do outro lado. O que não o impediu de considerar "deplorável" a morte de Zapata, ao contrário de Lula.
Segundo sinal de fragilidade: Cuba aceitou a participação de Moratinos no episódio, em troca de uma eventual modificação da chamada "Posição Comum" da União Europeia (UE), que só aceita o diálogo com o regime se houver avanços em direitos humanos e na democratização.
Esse tipo de "ingerência", como Cuba chama a "Posição Comum", jamais foi negociável para os cubanos.
É por situações assim que há um coro de críticas ao silêncio brasileiro ante ditaduras.