Em 26 de junho de 2010, encaminhei formalmente a V. Exª. carta cuja íntegra encontra-se a seguir transcrita.
Conforme pode ser visto no anexo artigo intitulado “Ao Embaixador dos Estados Unidos” (endereço eletrônico ao final), tornei pública a carta que encaminhei ao Embaixador Thomas Shannon em 29 de abril de 2010.
Pode ser visto, também, que solicitei ao embaixador norte-americano providências no sentido de fazer tal carta chegar ao Departamento de Justiça e à Comissão Federal de Comércio – autoridades de defesa da concorrência que representam aquela nação no Acordo firmado com o Brasil para combater cartéis (endereço eletrônico ao final).
Pode ser visto, ainda, que sugeri a referidas autoridades a elaboração de estudos com a finalidade de modificar o Acordo para torná-lo realmente capaz de atingir seu principal objetivo: a troca de informações entre as duas partes.Nesta oportunidade, dirijo-me a V. Exª. – titular da Procuradoria Geral da República, órgão no qual foi discutido exaustivamente o aspecto do Acordo cuja modificação eu estou sugerindo – com o intuito de apresentar um breve arrazoado sobre os motivos que me levaram a fazer a sugestão de modificação em questão. É o que se segue.Em novembro de 2004, a Procuradoria da República no Distrito Federal instaurou o Procedimento Administrativo n° 1.16.000.002028/2004-6 a partir de representação por mim formulada. Segundo tal representação, nossas autoridades estavam descumprindo o Acordo, pelo fato de não notificarem os Estados Unidos sobre as investigações aqui realizadas contra o “Cartel do Oxigênio”.
Passados quatro anos, em setembro de 2008, o relator do Procedimento Administrativo decidiu pelo seu arquivamento, afirmando que, segundo o Acordo, a notificação só seria cabível se fossem coletados – dentro da própria investigação do “Cartel do Oxigênio” – indícios que seus integrantes também praticavam o mesmo crime no território norte-americano.Inconformado, em outubro de 2008, apresentei Recurso à Procuradoria Geral da República contra tal decisão de arquivamento.Em abril de 2010, a 3ª Câmara de Coordenação e Revisão da Procuradoria Geral da República indeferiu meu Recurso, homologando o arquivamento.
Dessa maneira, passados mais de cinco anos de meu questionamento inicial, a decisão da Procuradoria Geral da República levou-me a duas dolorosas conclusões.
Primeira conclusão: minha ignorância jurídica não me permitiu ver (como viu a Procuradoria Geral da República) que – nas entrelinhas – estava previsto que “O tratado apenas obriga as partes soberanas a notificarem uma à outra a respeito de investigações que coletem indícios de que os cartéis apurados também atuam no território da contraparte”.
Segunda conclusão: minha prepotência intelectual fez-me pensar erradamente que o Acordo não deixaria brechas capazes de inviabilizar a troca de informações sobre cartéis tão danosos à economia popular dos dois países como o “Cartel do Oxigênio” – organização criminosa que explora os consumidores brasileiros (em especial nossos miseráveis hospitais públicos) e cujos integrantes dominam também o mercado norte-americano.
Nesta altura, Excelência, permito-me as reflexões a seguir sobre a incapacidade de nosso país combater cartéis, tomando como exemplo o caso do “Cartel do Oxigênio”.
Conforme se sabe, em qualquer lugar do mundo, é extremamente difícil comprovar o crime de formação de cartel, mesmo nas oportunidades nas quais tal prática salta à vista.
O caso do “Cartel do Oxigênio” só foi comprovado porque um anônimo muito bem informado deu o nome dos executivos que participavam das conversações como representantes das empresas integrantes do cartel.Quebrado o sigilo telefônico de tais executivos, foram obtidas provas que justificaram uma Operação de Busca e Apreensão nas dependências das empresas investigadas.
A Operação de Busca e Apreensão, realizada em fevereiro de 2004, foi repleta de êxito. O material recolhido incluía um autêntico “estatuto do cartel” – que determinava, até mesmo, as penalidades às quais estariam sujeitas as integrantes que o transgredissem. Referido material possibilitou a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE) instaurar um Processo Administrativo contra as empresas por formação de cartel, e o Ministério Público do Estado de São Paulo processar, por formação de quadrilha, os executivos que representavam as empresas nas negociações.
Como era de se esperar, as empresas integrantes do cartel, em vez de contestarem as acusações baseadas nas provas apreendidas na Operação de Busca e Apreensão, entraram na Justiça alegando que tais provas foram obtidas de maneira irregular. Como era de se esperar, tal estratégia provocou grande atraso no Processo Administrativo.Somente em maio de 2008, após liberada pela Justiça, a SDE encaminhou seu Relatório final ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), propondo a punição máxima para as empresas acusadas. Fato raro: a existência do cartel ficou mais que comprovada.
O processo administrativo ainda aguarda o julgamento do CADE. É certo que, caso o CADE penalize as integrantes do “Cartel do Oxigênio”, as empresas recorrerão às varias instâncias da Justiça para anular a penalidade. Na realidade, elas poderão ser inocentadas sem nem mesmo entrar no mérito das acusações – incontestáveis, como se vê no Relatório da SDE. Em outras palavras, grande é a chance de tudo acabar em pizza.É impossível negar, Excelência: mais uma vez, o país se encontra diante da dobradinha de procedimentos que o tornou o país da impunidade. Por um lado, os acusados usam das diversas brechas legais para permanecerem impunes e, por outro lado, nossas autoridades abrem mão das armas que dispõem para evitar as malícias protelatórias.
No caso, nossas autoridades abriram mão da mais eficiente arma para combater tal cartel: provocar investigações, nos EUA, de possíveis práticas de cartel levadas a efeito pelas matrizes dessas multinacionais, que – conforme comprovado pela SDE – fraudam o caráter competitivo das licitações para superfaturar contra nossos miseráveis hospitais públicos.
Ninguém pode ter qualquer dúvida, Senhor Procurador-Geral da República: caso nossas autoridades tivessem provocado uma investigação nos Estados Unidos, as matrizes das multinacionais envolvidas ordenariam a imediata moderação da rapinagem contra o consumidor nacional levada a efeito por seus braços brasileiros.
Acontece que, como, pelo Acordo, o Brasil “não está obrigado a informar”, nossas autoridades agiram como se o Brasil “estivesse obrigado a não informar” dados sobre o “modus operandi” do “Cartel do Oxigênio”. Daí, perderam a oportunidade de envolver a matriz das integrantes do “Cartel do Oxigênio” com as temíveis autoridades que combatem a prática de cartel nos Estados Unidos.Diante do exposto acima, e convencido que organizações integradas por multinacionais tão capacitadas como as que integram o “Cartel do Oxigênio” nunca deixam pistas sobre sua atuação cartelizada em outro país, sugeri a modificação em questão.Resumidamente, o objetivo da modificação sugerida é tornar, de fato, eficaz a cooperação entre as duas partes. Para tanto, é indispensável acabar com a exigência (para a troca de informações) de obtenção de indícios, na própria investigação, que as investigadas praticam o crime de formação de cartel também na outra parte.
Para seu conhecimento, Excelência, informo que, em decorrência do alto teor de interesse público da qual se acha impregnada, a presente carta será divulgada pelos meios a meu alcance.
Finalizando, apresento os endereços eletrônicos referidos. Eles permitirão que qualquer interessado possa tomar conhecimento dos fatos, e – caso também fique indignado com a gravidade da situação – possa sugerir algo que venha em defesa do consumidor brasileiro.