EUA tacham anúncio de vago e mantêm planos de sanções
Fernando Eichenberg e Marília Martins
WASHINGTON e NOVA YORK. Como era o esperado, o entusiasmo do governo brasileiro com o acordo estabelecido com o Irã não foi partilhado pelos Estados Unidos. Ontem, os porta-vozes da Casa Branca e do Departamento de Estado uniram seus discursos para sublinhar o ceticismo de Washington em relação às intenções do presidente Mahmoud Ahmadinejad e ao programa nuclear iraniano.
Os EUA afirmaram reconhecer os "esforços" empreendidos por Brasil e Turquia, mas classificaram o acordo de "vago". A Casa Branca foi incisiva em afirmar que a iniciativa não determina a suspensão da política de aplicação de novas sanções ao Irã.
"Os Estados Unidos vão continuar a trabalhar com nossos parceiros internacionais e por meio do Conselho de Segurança da ONU para deixar claro ao governo iraniano que deve demonstrar por meio de ações - e não apenas de palavras - sua boa vontade em cumprir as obrigações internacionais ou enfrentar as consequências, incluindo sanções", diz o comunicado americano.
O porta-voz do Departamento de Estado, Philip Crowley, não quis oficialmente descartar a via diplomática, mas também foi taxativo:
- Nossos esforços para as sanções na ONU continuam - disse, em entrevista coletiva.
ONU pede garantias diante de falta de confiança no Irã
Num comunicado, o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, disse ser um "passo positivo" o fato de o Irã ter aceitado a transferência de urânio levemente enriquecido ao exterior. Por outro lado, afirmou que a determinação de Teerã em continuar com o enriquecimento de urânio a 20% em território nacional é uma "violação direta das resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas".
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, considerou "encorajador e muito bem-vindo" o esforço, mas lembrou que "será preciso fazer mais" porque o Conselho de Segurança já aprovou cinco resoluções pedindo a suspensão do programa de enriquecimento de urânio daquele país, o que até agora não ocorreu. Ban pretende aguardar o prazo de uma semana, pedido pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) para analisar os detalhes do acordo, mas já incluiu o tema na agenda de conversas com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sua visita ao Brasil, marcada para os dias 28 e 29 deste mês.
- Existe falta de confiança no Irã e por isto o país deveria adotar medidas para provar que seu programa nuclear é exclusivamente para fins pacíficos - disse Ban Ki-moon em entrevista à Rede Globo.
Para Reino Unido, França e Rússia, acerto é insuficiente
Deborah Berlinck e Fernando Duarte
PARIS e MADRI. França, Reino Unido, Rússia e Alemanha reagiram ontem com ceticismo ao anúncio de Brasil e Turquia sobre um acordo em relação ao programa nuclear iraniano. Para a Comissão Europeia, o acordo vai no sentido certo, mas não resolve a questão. De acordo com o ministro britânico das Relações Exteriores, William Hague, o acordo não é um avanço suficiente para justificar a retirada da proposta de sanções ao regime do presidente Mahmoud Ahmadinejad.
- Estou convencido de que ainda é necessário impor sanções como forma de realmente engajar o Irã num compromisso - disse o ministro, que na semana passada, quando assumiu o cargo, não descartara uso de força contra o Irã.
França: passo positivo, na direção certa, mas que não resolve
Na França, depois de elogiar os esforços do Brasil e da Turquia, um porta-voz do Quai d`Orsay - o ministério das Relações Exteriores - disse que o país quer examinar primeiro o acordo assinado em Teerã pelos três países. Mas o porta-voz foi categórico ao dizer que isso "não resolve em nada" o problema central: a disposição do Irã de continuar enriquecendo urânio.
- A troca de urânio é apenas uma medida de confiança, um acompanhamento. O problema central é o programa nuclear iraniano, é a continuação das atividades de enriquecimento (de urânio) em Natanz, a construção do reator de água pesada em Arak, a dissimulação da usina de Qom, questões que não foram respondidas aos inspetores da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) - disse.
O porta-voz ainda deixou claro que os preparativos para novas sanções contra o Irã pelo Conselho de Segurança da ONU vão continuar. A AIEA não quis reagir, alegando que quer primeiro receber e analisar o acordo.
A Comissão Europeia também disse, em nota, ser necessário esperar os detalhes do acordo, já que muitas questões levantadas anteriormente continuariam sem resposta.
"Esse acordo, embora seja um passo positivo na direção certa, não resolve integralmente a questão do programa nuclear iraniano".
O ministro italiano das Relações Exteriores, Franco Frattini, foi na mesma linha: tachou o anúncio de "positivo", mas insuficiente. E o porta-voz do governo alemão, Christoph Steegmans, reforçou o coro de que a grande questão permanece sobre a continuidade das operações de enriquecimento de urânio.
O presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, também expressou preocupação com o anúncio do Irã de que continuaria enriquecendo urânio, mas afirmou que discutiria a questão com o presidente Lula, e que uma pequena pausa ao processo de sanções não faria mal.
- Depois disso, precisaríamos decidir o que fazer: essas propostas são suficientes ou precisa-de de algo mais? Acho que uma pequena pausa não fará nenhum mal.
Com agências internacionais
Israel prefere o silêncio, mas vê manipulação para evitar punições
Daniela Kresch
TEL AVIV. Ceticismo e preocupação. Esse foi o tom das reações de Israel em relação ao acordo firmado em Teerã. Oficialmente, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu optou pelo silêncio. A assessoria do premier não divulgou uma vírgula sequer sobre o acordo firmado por Irã, Brasil e Turquia. Mas, nos bastidores, integrantes do governo passaram o dia afirmando que o Irã "manipulou" o Brasil e a Turquia com o simples objetivo de adiar sanções contra o país.
- O Irã usou a Turquia e o Brasil numa manobra típica de seu atual governo. Está apenas simulando que aceita esse acordo, o qual pode adiar as sanções contra Teerã, mas não o desenvolvimento de armas de destruição em massa - disse um assessor da Chancelaria israelense ao GLOBO.
No artigo "Irã dança samba" no site Ynet, o articulista Ron Ben-Yshai concluiu que Teerã "deixou que Brasil e Turquia acumulassem prestígio às custas dos Estados Unidos, enquanto consegue adiar, através deles, as sanções no Conselho de Segurança da ONU".
Analistas acham que Brasil está querendo desenvolver bomba atômica
Netanyahu pediu aos membros de seu Gabinete que evitassem falar sobre o assunto. Mas o ministro da Indústria e Comércio, Benjamin Ben-Eliezer, não se conteve e criticou o acordo.
- O governo está cético quanto ao acordo. Estamos estudando o conteúdo e vamos esperar o que vai acontecer - disse Ben-Eliezer à rádio Reshet Bet, acrescentando que não há mágoa com o Brasil, que, segundo ele, "é país em plena ascensão mundial e que tem o direito de se envolver no conflito que quiser".
Para Guiora Eiland, que foi assessor de segurança nacional do governo Ariel Sharon (2000-2006), o Brasil pode até ter boas intenções - principalmente quando pretende servir de mediador nas negociações de paz entre israelenses e palestinos. Mas, no caso do programa nuclear iraniano, não é "um país ingênuo".
- O Brasil quer ser uma potência mundial. E tem um presidente carismático que quer ser um ator internacional. Mas tem um outro motivo, menos aberto: o país também quer, no futuro, desenvolver armas nucleares - especula.
A opinião de Guiora Eiland é compartilhada pelo professor Eli Karmon, pesquisador do Instituto Internacional para Contraterrorismo em Herzlyia. Para ele, há cada vez mais indícios de que o Brasil estaria interessado em desenvolver suas próprias armas para entrar no seleto clube de superpotências. Outro objetivo, mais imediato, diz, seria ganhar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Mas, para Karmon, o tiro pode sair pela culatra quando e se o acordo de Teerã não der resultados práticos.
Um acordo e muitas dúvidas
Ninguém pode ficar contra gestões diplomáticas para desarmar uma crise internacional com tendência a se agravar. Persistentes, os governos do Brasil e da Turquia superaram o ceticismo geral e fecharam um acordo nuclear com o Irã. Essa é uma das questões mais espinhosas da agenda internacional. Os iranianos resistem a todas as exigências para abrir seu programa à inspeção da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). E isto levanta fundadas suspeitas de que um de seus objetivos é ganhar tempo para desenvolver armas nucleares. Há que se levar em conta, ainda, que o Irã tem testado mísseis de alcance crescente, que podem ser usados para transportar uma bomba atômica a milhares de quilômetros de distância.
Ainda assim, o acordo abre portas para a esperança. Seu objetivo é convencer a comunidade internacional - principalmente os EUA - de que é possível mudar a atitude do Irã sem ter que recorrer a sanções mais duras. Mas ninguém deve comemorar antes da hora. O Irã é conhecido por suas táticas para driblar compromissos. O acordo de agora é muito similar ao proposto pela AIEA em outubro, que Teerã parecia ter aceito, e depois voltou atrás. Segundo o entendimento entre os presidentes Lula e Ahmadinejad, e o premier da Turquia, Erdogan, o Irã concordou em enviar em um mês 1,2t de urânio enriquecido a 3,5% para a Turquia, onde ficará estocado. Em troca, receberá em um ano 120kg de urânio enriquecido a 20% na Rússia e transformado em combustível nuclear na França, para uso num reator de pesquisas em Teerã.
O sentido do acordo proposto pela AIEA era retirar do Irã uma quantidade tal de urânio que não deixasse no país o suficiente para que, com enriquecimento a 90%, pudesse ser utilizado para fins militares. Fontes ouvidas pelo "New York Times" disseram que 1,2t, em outubro, representava cerca de dois terços do estoque iraniano. Como o país continuou enriquecendo urânio, agora corresponde a uma proporção menor. Este é apenas um dos problemas. Outro é que o Irã afirmou que continuará aumentando seu estoque de urânio enriquecido.
A reação da comunidade internacional foi de cautela, com razão. Países europeus chamaram a atenção para a necessidade de um compromisso do Irã com a AIEA (que será notificada do acordo). A Casa Branca considerou o acordo vago, pouco convincente e disse que o Irã segue violando resoluções da ONU, motivo pelo qual continuará negociando novas sanções. Uma das possíveis consequências da ação de Lula e Erdogan é tornar mais difícil para os EUA convencer Rússia e China da necessidade de impor restrições ao Irã. As sanções são adotadas pelo Conselho de Segurança da ONU e os dois países têm poder de veto. Poderão alegar que, agora, com um acordo, não cabe impor sanções. Brasil e Turquia estão no CS como membros temporários. Não têm poder de veto, mas poderiam votar contra pelo mesmo motivo que Rússia e China, o que diminuiria muito a possibilidade de punir o regime iraniano por brincar de gato e rato com a comunidade internacional. Brasil e Turquia mostraram disposição para correr riscos e aumentar seu cacife internacional. E o presidente Lula tem mais um argumento passível de exploração política num ano de eleições.
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JB Online - 18/5/2010
Lula vence, Brasil brilha
Brasil vira protagonista mundial
Joana Duarte , Jornal do Brasil
RIO - O governo brasileiro amanheceu segunda-feira nas manchetes dos mais importantes veículos da mídia global, ao conseguir o empenho do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, em remeter parte do seu urânio enriquecido a 3,5% para a Turquia, onde o material nuclear será enriquecido a 20% no prazo de um ano, e em seguida devolvido ao Irã para abastecer um reator de pesquisa na usina de Natanz, no centro do país.
Embora Estados Unidos, França, Rússia e Reino Unido tenham reagido com ceticismo ao acordo e afirmado que ele não deve invalidar os esforços do Conselho de Segurança da ONU na busca por uma nova rodada de sanções contra o programa nuclear iraniano, a concessão de Ahmadinejad representa uma vitória da diplomacia brasileira, que conseguiu intermediar um plano de paz proposto inicialmente pelas potências ocidentais sob os auspícios da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), e rejeitado pelo Irã em outubro do ano passado.
Antes de embarcar de volta ao Brasil, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, festejou o novo acordo, afirmando que a cooperação e a amizade venceram a pressão nas negociações. A análise do chanceler foi uma resposta ao governo dos Estados Unidos que lideram a campanha internacional em favor da imposição de sanções ao Irã, por desconfiar que seu programa nuclear esconde a intenção de produzir armas atômicas.
Nós conversamos de maneira respeitosa e com convicção, com países em desenvolvimento que compreendem e sabem falar de uma maneira que não seja impositiva alfinetou Amorim depois de firmar o acordo. A nossa linguagem não é a pressão. A nossa linguagem é de persuasão, amizade e cooperação.
Para o professor de história contemporânea e moderna da UFRJ, Francisco Carlos Teixeira, o acordo mediado pelo Brasil representa um desafio à diplomacia americana baseada no poder militar. Francisco Carlos argumenta que a posição teimosa do presidente Lula, que obteve resultados surpreendentes, conseguiu iniciar a desconstrução de uma ordem mundial mantida desde o fim da 2ª Guerra Mundial:
O novo acordo sinaliza uma democratização das relações internacionais disse o historiador em entrevista ao JB. Além disso, mostra que a concentração de força militar não é necessária para que se consiga negociar no cenário internacional, o que beneficia o Brasil.
Realçando ainda mais a imagem de Lula no cenário internacional, o primeiro-ministro português, José Socrates, afirmou domingo em entrevista à Folha de São Paulo que apoiaria uma eventual candidatura do presidente ao cargo de secretário-geral das Nações Unidas.
Estaria na primeira fila desse apoio disse o premier. O presidente Lula é uma grande figura da política mundial.
Exigências
Entretanto, a proposta firmada por Irã, Turquia e Brasil não alcança, tecnicamente, o objetivo da proposta defendida pela AIEA em outubro, que era a de se obter uma pausa no programa nuclear iraniano para permitir negociações de fundo em um ambiente de confiança.
A AIEA pedia que o Irã enviasse, como prova de boa vontade, 70% das suas reservas de urânio à Rússia, onde seriam enriquecidos em 20%, transformados pela França em combustível e retornados para o reator de Teerã.
Desde então, o Irã duplicou suas reservas de urânio levemente enriquecido e também iniciou em fevereiro a produção de urânio altamente enriquecido em 20%, apavorando os ocidentais.
Os Estados Unidos ressaltaram em abril que a oferta da AIEA deve ser atualizada para levar em consideração as novas reservas e as novas capacidades de enriquecimento do Irã. Esta opção foi descartada por Teerã, que indicou segunda-feira que continuará enriquecendo urânio em 20%, aconteça o que acontecer.
Internacional
Alencar diz que acordo nuclear com Irã "balançou o mundo"
Agência Brasil
BRASÍLIA - O presidente da República em exercício, José Alencar, disse nesta segunda-feira acreditar que o acordo assinado entre Brasil, Turquia e Irã conseguirá impedir novas sanções aos iranianos. O acordo prevê que o Irã envie urânio para ser enriquecido na Turquia para que o minério seja usado como combustível nuclear.
"O acordo balançou o mundo. O que se defende é o uso de urânio para fins pacíficos, com enriquecimento a 20%. Os países que possuem armas nucleares argumentam que esse é um elemento de dissuasão. Então por que nós vamos proibir a um país de enriquecer urânio para fins de energia, de desenvolvimento?", perguntou Alencar.
Antes de mediar o acordo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu críticas dos políticos de oposição e dos países que querem implementar sanções contra o Irã, como os Estados Unidos e as potências europeias. Segundo os críticos, Lula não conseguiria avançar num diálogo como Irã e o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, estaria usando o líder brasileiro para adiar sanções.
"É natural que haja críticas. Há pessoas que são mais céticas com relação a um sucesso desses. Até porque o Brasil nunca participou de um trabalho dessa natureza. O certo é que foi uma vitória, porque o presidente trabalhou pela paz, pelo diálogo. Ele representou a alma do povo brasileiro, que é a favor do diálogo e das soluções encontradas no diálogo. E nisso, ele foi vitorioso", disse.
José Alencar participou hoje da abertura do 22º Fórum Nacional, no Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Centro do Rio de Janeiro. O senador Arthur Virgilio (PSDB-AM), que também participou do evento, criticou o acordo, mas elogiou a iniciativa do presidente.
"Não consigo ver garantias efetivas de que esse acordo impeça que o Irã continue fazendo o desenvolvimento de seu projeto belicista. Entendo que, se há boa vontade do presidente do Irã, que ele permita, quem sabe, uma inspeção da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Espero que eles não usem a boa-fé do nosso presidente para desviar a atenção de um regime que está marginalizado no conceito internacional. De qualquer forma, quero parabenizar o presidente pela tentativa. Tentar é sempre melhor do que não fazer", disse Virgílio.
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O ESTADO DE S. PAULO - 18/5/2010
Apesar de acerto, projeto atômico continua
Roberto Godoy - O Estado de S.Paulo
O acordo nuclear de Teerã, mediado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo premiê da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, não muda o programa atômico do Irã. O país segue com seu projeto de desenvolvimento de tecnologia própria e não desativará as centrais dedicadas ao enriquecimento secreto de urânio. O tratado está limitado só às atividades do reator de pesquisa de Teerã. O equipamento usa como combustível o urânio enriquecido a taxas de 19,7% para produzir isótopos utilizados em procedimentos médicos e em atividades civis básicas. O governo do presidente Mahmoud Ahmadinejad tem uma semana para certificar o acordo na AIEA. O Grupo de Viena terá, então, um ano para entregar 120 quilos enriquecidos. /
Brasil domina tecnologia de enriquecimento de urânio a 20%
Marta Salomon - O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA
Atual pivô das pressões internacionais contra o Irã, o enriquecimento de urânio a cerca de 20% é feito no Brasil, no centro experimental da Marinha em Aramar, Iperó (SP). Trata-se de uma unidade piloto, cuja produção destina-se a abastecer reatores de pesquisa e mover futuramente o submarino a propulsão nuclear, além de um novo reator de pesquisa, em fase de projeto.
O temor provocado pela possibilidade de enriquecimento a 20% deve-se, em parte, também a uma questão tecnológica, explica o presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Odair Gonçalves. "O esforço para enriquecer o urânio até 20% é muito maior do que o esforço tecnológico e econômico para passar de 20% a 95%, porcentual necessário para uma bomba", explica.
A tecnologia é basicamente a mesma. O enriquecimento é feito por meio de ultracentrífugas. A tecnologia brasileira, diferente da iraniana, foi desenvolvida pela Marinha e é tratada como segredo industrial, até mesmo para os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica.
A meta do governo brasileiro é dominar o ciclo de enriquecimento de urânio em escala industrial em 2014. O cronograma do programa nuclear prevê a exportação de urânio enriquecido também a partir de 2014.
`O Brasil está desperdiçando toda a boa vontade dos EUA`
Na avaliação de analistas, irritação de Washington com o País se ampliará se Rússia e China desistirem de sanções contra o Irã
Patrícia Campos Mello - O Estado de S.Paulo
CORRESPONDENTE / WASHINGTON
Os EUA reagiram com frieza ao acordo nuclear anunciado ontem em Teerã e afirmaram que não desistirão de aprovar novas sanções contra o Irã no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
"(O acordo) não muda as medidas que estamos adotando para que o Irã cumpra suas obrigações, incluindo sanções", disse o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs. Dentro do governo americano, a visão é que o acordo não resolve as dúvidas que as potências ocidentais tinham sobre o programa nuclear iraniano. E a Casa Branca admite, internamente, que o acordo tem o potencial de dividir o Conselho de Segurança e dar à Rússia e à China uma desculpa para adiar sanções. "Se o acordo for usado por outros países para adiar as sanções, isso vai prejudicar Brasil e a Turquia nos EUA", disse ao Estado Bernard Aronson, ex-secretário assistente de Estado, que continua próximo ao governo.
Se os esforços das sanções no Conselho de Segurança forem seriamente comprometidos, espera-se um novo impulso para as propostas de sanções unilaterais que estão tramitando no Congresso americano. E espera-se também muita irritação do governo americano com Brasil - já que Obama vem tentando há oito meses aprovar as sanções no CS. "O Brasil está desperdiçando toda a boa vontade que havia nos EUA em relação ao País", disse uma fonte do Senado.
Recuo. Ontem, Gibbs disse que o acordo atual "significa muito menos do que havia sido acordado em outubro". Ele se referia ao acordo proposto pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e endossado pelo P5+1 - EUA, Grã-Bretanha, França China, Rússia e Alemanha. A proposta inicial também previa que o Irã enviasse 1.200 quilos de urânio de baixo enriquecimento para ser processado no exterior. Mas, na época, isso equivalia a dois terços de todo o seu estoque. Como o regime continuou enriquecendo urânio nos últimos sete meses, Teerã ainda conseguiria manter 1.100 quilos de urânio em seu poder, mesmo enviando os 1.200 quilos ao exterior, como na proposta inicial. A quantidade é suficiente para a fabricação de uma bomba nuclear.
Em comunicado, a Casa Branca disse ter "sérias preocupações" a respeito do programa nuclear iraniano. "Seria um passo positivo enviar urânio de baixo enriquecimento para fora do Irã, como acordado em outubro, mas o Irã disse que vai continuar enriquecendo urânio a 20%, o que é uma violação direta das resoluções do Conselho de Segurança da ONU."
PERGUNTAS & RESPOSTAS
Manobras do regime iraniano
1.Haverá inspeções para evitar que mais urânio seja enriquecido pelo Irã?
O acordo diz apenas que o Irã respeita suas obrigações com o TNP, que prevê inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
2.A troca seria simultânea?
Antes, o Irã exigia uma troca simultânea. Agora, ele esperaria até um ano para ter o urânio de volta.
3.Onde o urânio será enriquecido?
O acordo não diz. A Turquia não tem como enriquecê-lo. As opções mais óbvias são França e Rússia.
4.Quais os efeitos políticos?
O acordo enfraquece a posição dos EUA, que pressionam China e Rússia por novas sanções ao Irã na ONU.
5.Qual o ponto fraco do acordo?
Ele não impede que o Irã continue a enriquecer urânio a 20%.
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FOLHA DE S. PAULO - 18/5/2010
Acordo nuclear Brasil-Irã não convence EUA
Casa Branca diz que acerto para o envio de urânio iraniano à Turquia não responde a preocupações e insiste na defesa de sanções
MARCELO NINIO
SAMY ADGHIRNI
ENVIADOS ESPECIAIS A TEERÃ
CRISTINA FIBE
DE NOVA YORK
O acordo nuclear anunciado ontem por Brasil, Turquia e Irã não bastou para convencer os EUA das intenções pacíficas do programa atômico iraniano. A Casa Branca afirmou que seguirá pressionando por novas sanções do Conselho de Segurança da ONU a Teerã.
"Dadas as repetidas vezes em que o Irã falhou em cumprir suas promessas e a necessidade de lidar com questões fundamentais relacionadas ao programa nuclear, os EUA e a comunidade internacional continuam a ter sérias preocupações", disse Robert Gibbs, porta-voz da Casa Branca.
Para o governo americano, o entendimento anunciado ontem é "vago sobre a disposição do Irã de se reunir com os países do P5 + 1 [EUA, Reino Unido, França, Rússia, China e Alemanha] para lidar com as preocupações internacionais acerca de seu programa nuclear".
No acordo mediado pelos governos brasileiro e turco, o Irã se comprometeu ontem a entregar seu estoque de urânio pouco enriquecido para a Turquia no prazo de um mês após a aceitação do trato pela AIEA (agência atômica da ONU).
O documento foi assinado ontem em Teerã na presença dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Mahmoud Ahmadinejad e do premiê turco, Recep Tayyip Erdogan. O acordo tem como base a proposta apresentada pela AIEA em outubro, que prevê o envio de 1.200 quilos de urânio do Irã para o exterior em troca do elemento enriquecido em nível adequado para abastecer um reator médico de Teerã.
Mas o texto assinado ontem inclui alterações significativas que levaram o Irã a aceitá-lo. A principal mudança é que a Turquia, e não a França ou a Rússia, seja depositária do urânio iraniano, o que responde à preocupação iraniana de que o estoque não fosse devolvido.
O Irã também abriu mão da exigência de que a troca seja simultânea. Pelo documento, o urânio será devolvido a Teerã num prazo de "até um ano".
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ÉPOCA ONLINE - 18/5/2010
Brasil
O risco atômico de Lula
Mahmoud Ahmadinejad, líder do Irã, é a bomba que o mundo precisa desarmar. O que o Brasil tem a perder com a visita do presidente Lula a Teerã
Leandro Loyola, de Teerã
As mulheres que embarcam no aeroporto de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, estão com os cabelos soltos. Maquiadas, vestem calças jeans e carregam caras bolsas francesas. Duas horas depois, quando o piloto anuncia que o avião está prestes a pousar em Teerã, a capital do Irã, as mulheres cobrem as cabeças com grandes lenços. Algumas vestem também uma jaqueta, que as cobre até os joelhos. As iranianas fazem isso para respeitar a lei imposta pelos religiosos muçulmanos que tomaram o poder na revolução islâmica de 1979. Nos últimos anos, desde que o ultraconservador Mahmoud Ahmadinejad assumiu a Presidência, a situação das mulheres tornou-se ainda mais difícil. Ele restringiu a pouca liberdade feminina adquirida no tempo de seu antecessor, o reformista Mohammad Khatami. Apesar das restrições impostas, as iranianas estudam em universidades, trabalham e participam de protestos.
O contraste da convivência entre a milenar cultura persa, a repressão religiosa oficial e a inevitável penetração de influências ocidentais contemporâneas torna o Irã mais complexo do que parece e ainda mais arriscado o passo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dará no sábado, ao chegar para uma visita inédita de dois dias a Teerã. Diante do ceticismo geral, Lula pretende convencer o até aqui irredutível Ahmadinejad a aceitar uma proposta para colocar fim à crise entre Irã, Estados Unidos e as principais potências ocidentais. A visita acontece num momento delicado. No próximo mês, a Organização das Nações Unidas (ONU) poderá impor sanções ao Irã, por desrespeito ao Tratado de Não Proliferação de Armas Atômicas. Os Estados Unidos pressionam para que o Conselho de Segurança da ONU adote as sanções diante das evidências de que o Irã estaria construindo instalações para enriquecer urânio com o objetivo de produzir armas nucleares. O Brasil não tem autoridade no Conselho de Segurança e tenta se colocar como intermediário entre os dois lados.
Visto como uma potência em ascensão no mundo, o Brasil busca projetar poder político para fora de suas fronteiras e o presidente Lula, ao final de seus dois mandatos, quer se firmar como uma liderança internacional. Antes, ele já tentara se colocar como mediador no histórico conflito entre palestinos e israelenses sem sucesso. Mas a aproximação com o Irã, um país em quase todos os aspectos distante dos brasileiros, isolado diplomaticamente e governado por uma teocracia (um regime em que as leis estão sujeitas a preceitos do islamismo radical), pode ser qualificada como o mais ousado gesto de busca de protagonismo internacional tentado por Lula. Se o presidente Lula obtiver algum compromisso do presidente Ahmadinejad, será uma vitória, afirma o ex-ministro das Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia. Mas as chances são pequenas. O Irã não tem razões para mudar seu curso.
O Irã pretende enriquecer urânio a mais de 20%, nível necessário para saltos maiores, como a produção de ogivas atômicas (os iranianos afirmam que seu programa nuclear tem fins pacíficos). O Irã se recusa a receber os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), que teriam condição técnica de avaliar se seu programa nuclear é mesmo pacífico ou se, como se suspeita, o país está desenvolvendo a tecnologia de produção da bomba atômica. Recentemente, o Irã revelou possuir instalações nucleares secretas. Apesar de todas as evidências em contrário, o presidente Lula acredita nos objetivos pacíficos do programa iraniano. Na visita, com o apoio da Turquia, ele tentará fazer com que Ahmadinejad aceite uma nova proposta da AIEA, pela qual um terceiro país receberia o urânio iraniano, enriqueceria o material e o devolveria. Seria uma forma de garantir que o Irã não teria uma fábrica capaz de produzir o material necessário para a bomba.
Americanos, europeus e até mesmo os russos antigos aliados do Irã não acreditam mais no diálogo com os iranianos. Quando assumiu a Presidência dos EUA, Barack Obama fez acenos ao país persa, mas as relações voltaram à situação anterior de animosidade. Na avaliação dos americanos, a questão não se limita ao enriquecimento de urânio. Ahmadinejad teria um projeto de tornar o Irã uma potência regional capaz de enfrentar militarmente Israel no Oriente Médio e exportar seu modelo de fundamentalismo religioso para outros países, trazendo mais instabilidade ao mundo.
Os Estados Unidos, os países europeus, o Japão e a Rússia entendem que a única saída que resta para tentar dissuadir Ahmadinejad são as sanções econômicas. O Brasil diz ainda acreditar na solução negociada e afirma que, com ela, seria possível evitar repetir o que aconteceu no Iraque. Em 2003, os EUA justificaram a invasão ao Iraque sob o argumento de que o país tinha armas de destruição em massa. Elas nunca foram achadas e, anos mais tarde, o governo americano admitiu que os indícios de sua existência eram falsos.
O Brasil tem outras razões particulares para defender o Irã. Ao lado de Estados Unidos e Rússia, é o único país do mundo que tem reservas de urânio e domina todo o ciclo de enriquecimento, embora não tenha capacidade industrial instalada para produzir urânio enriquecido em larga escala. Em 2004, passou por uma situação semelhante à do Irã apesar de bem menos crítica. O Brasil teve de enfrentar um conflito com a Agência Internacional de Energia Atômica em torno do acesso dos inspetores internacionais às instalações de enriquecimento de urânio em Resende, Rio de Janeiro. O impasse foi contornado. Hoje há inspeções internacionais em Resende.
O fracasso na gestão de Lula poderá nos trazer prejuízo. A posição do Brasil seria confundida com a do Irã
Durante sua visita ao Brasil, em março, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, afirmou que o Irã não era confiável, pois contava histórias diferentes para Brasil, China e Rússia. Os iranianos viram na atitude de Lula uma chance de quebrar seu isolamento internacional. Hoje, Brasil e Turquia fazem parte do clube dos poucos países com alguma projeção internacional que mantêm contatos com o Irã. Os outros amigos de Ahmadinejad são o ditador Kim Jong-il, da Coreia do Norte, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e o ditador de Cuba, Raúl Castro. Como isca para a aproximação, os iranianos acenam ao Brasil com o acesso a seu mercado. Em 2003, a Petrobras assinou acordos para explorar petróleo em águas profundas no Golfo Pérsico. Por enquanto, o comércio entre os dois países é pequeno: o Brasil exporta US$ 1 bilhão por ano ao Irã e importa R$ 20 milhões. No mês passado, o ministro da Indústria e Comércio, Miguel Jorge, esteve em Teerã com uma delegação de empresários. Nesta semana, 50 empresários brasileiros terão um encontro com 200 empresários iranianos.
Apesar da oportunidade comercial, lidar com o Irã significa engajar-se num jogo arriscado com um parceiro que em nada se identifica com as aspirações da sociedade brasileira. Ahmadinejad é um extremista religioso que pertence à linha mais radical do ramo xiita do islamismo. Já declarou querer destruir o Estado de Israel e nega fatos históricos, como o extermínio de judeus pela Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial. A internet sofre restrições no país. A velocidade de dados é baixa, o que dificulta a exibição de vídeos. Sites são monitorados e alguns são inacessíveis. O Irã também é um país acusado de desrespeitar direitos humanos, promover censura e reprimir violentamente quem faz oposição ao regime. A reeleição de Ahmadinejad, em 2008, suscitou suspeitas de fraudes e a maior série de protestos desde a revolução de 1979, que implantou a teocracia no Irã. Centenas de manifestantes foram presos e, de acordo com a Anistia Internacional, alguns foram condenados à morte e executados.
A instabilidade política torna o Irã também um país cujo futuro é difícil prognosticar. Apesar dos protestos da oposição no Brasil e de um requerimento aprovado na semana passada pela Câmara dos Deputados, Lula não pretende se encontrar com membros da oposição iraniana o maior deles é Mir Hussein Moussavi, ex-primeiro-ministro e candidato derrotado por Ahmadinejad na eleição do ano passado. Em Teerã, Lula vai se encontrar com Ahmadinejad e com o líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei. O encontro com Khamenei é considerado uma grande deferência. No Irã, seu poder está acima do poder de Ahmadinejad: Khamenei tem direito de arbitrar conflitos e de determinar quem pode ser condenado à morte. Normalmente recluso e inacessível, Khamenei só recebe líderes politicamente próximos do Irã, como o chefe do grupo palestino Hamas, Khaled Meshal, e o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. É ele, na realidade, quem tem poder para tomar alguma decisão sobre a tentativa da diplomacia lulista de mediar o conflito com o Ocidente. Se suas decisões do passado e seu jogo duplo a respeito das inspeções atômicas têm algum valor, o resultado promete ser negativo.
Ainda assim, antes da chegada a Teerã, enquanto as autoridades americanas e o presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, diziam que a intermediação brasileira seria a última tentativa de negociação antes da imposição de sanções, Lula exalava otimismo. Em Moscou, escala de sua visita, questionado sobre as chances, numa escala de zero a 10, de acordo com o Irã, Lula disse: Eu daria 9,9. Vou usar tudo o que aprendi na minha vida política para convencer meu amigo Ahmadinejad a chegar a um acordo, disse Lula.
Se as gestões de Lula produzirem alguma mudança na posição do Irã, ele poderá proclamar que adotou a estratégia certa. Mas o fracasso cenário mais provável certamente nos trará prejuízos. Em caso de fiasco nas negociações, o risco é que a posição do Brasil se confunda com a do Irã. Nesse caso, os Estados Unidos, que ainda são a maior potência global, podem criar todo tipo de empecilho às pretensões de nossa diplomacia emergente de exercer um novo protagonismo na cena global. A decisão de Lula de entrar no jogo EUA-Europa versus Irã transformou o entusiasmo do governo Barack Obama pelo Brasil e Lula em perplexidade, escreveu em artigo recente o analista Steve Clemons, diretor da New America Foundation. A realidade é que os EUA ainda são um parceiro global vital que pode fortalecer ou restringir as aspirações das novas potências. Se o desfecho for o previsível, diz Clemons, terá sido uma aposta muito alta, que terá um grande custo.