O governo federal já concluiu a redação do projeto de lei para a criação da Comissão da Verdade, destinada a apurar casos de violação de direitos humanos ocorridos no período da ditadura militar. Ele deve ser divulgado e enviado ao Congresso nos próximos dias.
O texto está pronto desde a semana passada. Mas o governo decidiu segurar sua divulgação, com a intenção de fazê-lo simultaneamente à apresentação pública da nova redação do decreto presidencial que instituiu, em dezembro ano passado, o 3.º Programa Nacional de Direitos Humanos.
Na época de sua apresentação, o programa sofreu críticas, provenientes de diferentes setores da sociedade. Pressionado, o governo decidiu recuar prometendo rever alguns dos pontos mais polêmicos do texto.
O decreto terá uma nova redação em questões referentes à legalização do aborto e à proibição de símbolos religiosos em locais públicos - duas questões que foram atacadas por entidades católicas, especialmente a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Também foi modificada a parte do programa que previa a necessidade de mais negociações com invasores de terras antes do cumprimento de decisões judiciais sobre reintegração de posse. Segundo a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), tratava-se de uma ameaça ao direito de propriedade.
O aborto não será tratado mais como uma questão do direito da mulher sobre seu corpo. O novo texto fará referências à questão da saúde pública.
Até ontem o governo discutia se faria ou não modificações sobre as partes do documento que se referem à imprensa - que também foram criticadas. Entidades do setor viram na formulação original ameaças à liberdade imprensa.
Outro capítulo polêmico era o que tratava da criação da Comissão da Verdade por meio de um decreto presidencial. A forma original desagradou o ministro da Defesa, Nelson Jobim (PMDB-RS), que ameaçou renunciar ao cargo. Segundo o ministro, havia inquietação no meio militar diante da possibilidade de abrir espaço para a exposição e o julgamento de pessoas acusadas de violações de direitos humanos no período da ditadura militar.
Consultor. Diante da crise, o governo constituiu um grupo para redigir o projeto de lei, que ficou pronto, finalmente, na semana passada. O ministro da Defesa acompanhou a redação por meio de um consultor jurídico indicado pela sua pasta.
No ano passado, ao iniciar os debates sobre a comissão, o ministro Vannuchi queria que ela tivesse poderes para investigar os crimes. Com as pressões que surgiram, a comissão deverá servir basicamente para a coleta de informações que possam ajudar a localizar os corpos dos desaparecidos e a reconstituir o período histórico.
Anistia
O Supremo Tribunal Federal decidiu, há menos de duas semanas, que a Lei de Anistia é válida e, portanto, não se pode processar e punir os agentes de Estado que atuaram na ditadura e praticaram crimes contra os opositores, como tortura e assassinatos.
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Folha de S. Paulo - 11/5/2010
DITADURA
Folha promove amanhã debate sobre Anistia
DA REDAÇÃO
A Folha promove amanhã, às 20h, em parceria com o Instituto Vladimir Herzog, debate sobre a não revisão da Lei da Anistia e o possível impacto dessa decisão do STF no julgamento do Brasil sobre a guerrilha do Araguaia, dias 20 e 21, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Estarão no evento o professor de direito da USP Guilherme Guimarães Feliciano, o jurista Hélio Bicudo e a diretora do Centro pela Justiça e Direito Internacional, Beatriz Affonso.
O debate acontece na al. Barão de Limeira, 425, 9º, São Paulo. Inscrições: 0/xx/11/3224-3473.
Comissão da Verdade terá 2 anos de duração
Órgão para investigar violações de direitos humanos na ditadura não deve ter prazo de atuação prorrogado
FELIPE SELIGMAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Um dos pontos polêmicos do Programa Nacional de Direitos Humanos, a Comissão Nacional da Verdade funcionará por dois anos, sem possibilidade de prorrogação, e obrigará militares e servidores civis a colaborar com a apuração.
A comissão terá como objetivo investigar tanto os agentes de Estado como os militantes de esquerda atuantes durante a ditadura militar, assim como responsáveis por violações praticadas entre 1946 e 1988.
"É dever dos servidores públicos civis e militares colaborar com a Comissão Nacional da Verdade", diz um dos artigos do projeto de lei que define a sua criação. O texto foi entregue ao presidente Lula na última quarta e deverá ser enviado ao Congresso nesta semana.
Na prática, esse artigo define que servidores públicos civis e militares poderão ser convocados a depor e serão obrigados a disponibilizar aquilo que for requisitado pela comissão.
O projeto passará pela avaliação de deputados e senadores e, a seguir, pela análise de sanção ou vetos do Planalto. Se criada nos moldes do projeto de lei, a comissão será composta por sete integrantes escolhidos pelo presidente da República.
Não há previsão de cotas por ministérios ou por visão ideológica. O texto diz apenas que devem ser "brasileiros de reconhecida idoneidade e conduta ética, identificados pela defesa da democracia, institucionalidade constitucional e respeito aos direitos humanos".
Os sete escolhidos terão um salário de R$ 11.179, como adiantou o Painel da Folha no sábado. Também serão designadas outras 14 pessoas para cargos auxiliares, com remunerações que variam de R$ 4.000 a R$ 9.000. O custo mensal da comissão, só em salários, ficará em R$ 167,8 mil. Todos terão direito a passagens aéreas e diárias pagas pelo governo.
O objetivo da comissão é "examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período de 1946 a 1988". O foco é investigar os crimes cometidos na ditadura militar (1964-1985).
O texto não cita a expressão "repressão política", repetida 12 vezes no programa de direitos humanos lançado em 2009 e que gerou crise no governo.
A expressão "repressão política" remetia à apuração dos excessos cometidos apenas pelos agentes de Estado, como os torturadores, o que desagradou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os comandantes militares. Com tal omissão, o alvo da comissão fica genérico, abrindo a brecha para que tanto o Estado como a esquerda armada sejam investigados.
Por conta da recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que manteve o entendimento de que a Lei da Anistia foi ampla, geral e irrestrita, a comissão não terá poder de punir