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Artigos-->A soberania do povo na fiscalização da urna eletrônica -- 20/04/2010 - 16:36 (Félix Maier) |
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A SOBERANIA DO POVO NA FISCALIZAÇÃO DO EXERCÍCIO DE SUA SOBERANIA
Celso Antônio Três - Procurador da República
Maio de 2002 –
Resumo
1. Introdução
2. Análise
3. Conclusão
Resumo
A soberania do povo, em nome do qual todo o poder é exercido, tem
no direito ao voto universal e secreto o meio de expressão da soberania
popular. Tal direito carece de amplo exercício de fiscalização
para sua completa efetivação. Fiscalização esta que deve ser exercida
e compreendida, motu próprio, pelo eleitor comum, mediano, titular
primeiro desta soberania.
O soberano que não é instrumentado a fiscalizar o exercício de sua
soberania não é soberano. De nada vale um poder, uma prerrogativa,
desprovido dos meios necessários à sua verificação pelo seu titular.
Conclui-se que urge conciliar a irremovível instrumentação da soberania
popular com as conveniências da tecnologia. Proceder-se a votação
e a apuração eletrônica, acompanhada da impressão física
das cédulas, de forma a garantir a palpável, testemunhável, eventual
aferição que venha a fazer-se necessária, é uma das soluções.
1. Introdução
A história da democracia evolui na razão direta do direito, liberdade e
segurança do voto.
Quanto ao direito, pode-se elencar duas instâncias.
Primeiro, o desafio de alternância na gestão pública. O poder imperial
baseava-se na aristocracia de nascimento. Reinado de inspiração divina.
Hereditariedade do soberano.
Segundo, a luta em universalizar a interação coletiva na "res publica".
A participação, direta ou mediante representantes eleitos, progressivamente,
foi debelando as diversas discriminações, a exemplo
da econômica (v.g., voto censitário), religiosa (v.g., castas), racial
(v.g, escravos), sexual (v.g., mulheres), cultural (v.g., analfabetos),
profissional(v.g., militares de estamentos inferiores), etc., bem assim
os inúmeros artifícios elitistas, como eleições indiretas, colégios eleitorais
viciados (v.g., senadores "biônicos"), exclusão de unidades da
federação (v.g., zonas de segurança), afora a brutalidade explícita da
força, a exemplo dos golpes de estado (v.g., atos institucionais).
Sem descurar da sábia máxima, "o preço da liberdade é a eterna vigilância",
pode-se afirmar que o Brasil, inobstante as marchas e contramarchas,
galgou essa universalização do direito ao voto.
A liberdade, contudo, está em permanente busca de sua plenitude.
Qualquer vício na vontade do eleitor cerceia a liberdade de seu voto.
Desde a truculência do cabresto coronelista, passando pela coação
moral do poder econômico, corrupção do sufrágio, voto famélico, atingindo
a insidiosa trucagem da propaganda eleitoral, chegando a
sutil manipulação das pesquisas e veiculação dos fatos políticos do
pleito, são diversas formas de uma idêntica agressão, qual seja, usurpar
a soberana decisão do cidadão definir em quem ele quer votar.
O sigilo do sufrágio (art. 14, "caput", da C. F.), a ampla criminalização
de sua cooptação (art. 299 do Código Eleitoral), a estrita regulação
da propaganda eleitoral (arts. 36 a 57 da Lei nº 9.504/97), são
expressões de igual necessidade, tutelar a liberdade no exercício do
voto.
De sua parte, a segurança do sufrágio, entendida como a rigorosa fidelidade
entre a vontade expressa pelo eleitor e o resultado apurado
e declarado pela instituição eleitoral, também carece de constante
aprimoramento. Afora a probidade e competência das autoridades
eleitorais, o "modus faciendi" da votação e apuração cumpre decisiva
função na busca dessa segurança. A consistência e eficiência desse
coíbe os desvios daquelas.
2. Análise
Sabidamente, a criação da Justiça Eleitoral, 1932, foi decisiva ao saneamento
dos pleitos contra as repetidas fraudes. Nas primeiras eleições,
indiretas, às Câmaras Municipais, ainda quando o Brasil era
colônia de Portugal, o eleitor de primeiro grau aproximava-se da mesa
eleitoral e dizia ao escrivão, em segredo, o nome de seis pessoas,
os eleitores de segundo grau. O escrivão, por sua vez, anotava
as indicações e, terminada a votação, os juizes e vereadores apuravam
os vencedores.
No Império e Primeira República, o voto, inobstante fechado, não era
secreto. O sufrágio sempre era consumado sob a presença de alguém.
Não havia previsão da cabine indevassável na seção eleitoral,
nem a prescrição de cédula oficial.
A identificação do voto, em princípio, fator de segurança, reprimindo
a adulteração quando da apuração, dobra-se ao imperativo da liberdade,
uma vez que o mais absoluto sigilo é decisivo à defesa contra
constrangimentos em prejuízo do cidadão eleitor. Princípio justificador
de todos os cuidados, a exemplo do que preconiza espaço na
urna suficiente a não permitir que as cédulas acumulem-se na ordem
na qual foram introduzidas(art. 103, IV, do Código Eleitoral).
Quanto ao ato de votar, sinteticamente, evoluiu-se ao seguinte processo
recebimento da senha, apresentação do título, assinatura nas
folhas de votação, recepção da cédula, entrada na cabine indevassável,
introdução da cédula na urna, rubrica do presidente nas folhas
de votação, recebimento do título pelo eleitor, datado e rubricado pelo
presidente da mesa.
No que refere à apuração dos votos, em suma, é manual, pública,
procedida pela Justiça Eleitoral, auxiliada por escrutinadores por ela
convocados, sob a fiscalização do Ministério Público e Partidos Políticos.
Quanto à votação, a urna eletrônica alterou o último e mais relevante
ato, a recepção do sufrágio. No que refere à apuração,
modificou radicalmente, automatizando o processo.
Nada de manual, táctil, visível, audível, odorante ou sápido.
A urna eletrônica traz o fenômeno da intangibilidade. Aos triviais
sentidos do cidadão (Eleitor, Juizes Eleitorais, Membros do
Ministério Público, Candidatos, Membros de Partidos Políticos,
etc.), o magnetismo da informática é incorpóreo, não testemunhável.
Urge confiar no atestado técnico. Tão somente eles, os
técnicos, e apenas eles, estarão aptos a debater e a conhecer do
assunto.
A aferição da urna eletrônica restringe-se ao hermetismo da ciência
avançada. Pela simples razão que nenhum ato é imune à fraude, a
informática, nada mais que um produto do engenho humano, também
insere-se nessa vala comum. Basta ver a adulteração de inúmeros
sistemas, considerados, até então, indevassáveis. Como toda a
tecnologia de ponta, sua lógica é a da espiral do incessante aperfeiçoamento.
Eterna e recíproca superação entre os mecanismos de
proteção e os artifícios da violação.
3. Conclusão
Contudo, mesmo fosse cientificamente possível garantir a segurança
técnica, isso não seria suficiente. Impõe-se disponibilizar ao cidadão,
através de suas faculdades normais, motu próprio, a possibilidade
de sindicar a devida observância à sua vontade eleitoral.
A Constituição da República, de forma lapidar e definitiva, estabelece
a pedra fundamental do Estado Brasileiro, após certificar
que "... todo o poder emana do povo..." (art. 1º,§ único, da C.F.),
diz que "a soberania popular é exercida pelo sufrágio universal
e pelo voto direto e secreto ..."(art. 14, "caput", da C.F.).
De sua parte, um dos sustentáculos do Direito Constitucional, vital a
conferir efetividade aos preceitos fundamentais, é a conhecida teoria/
doutrina dos poderes implícitos, traduzida pelo extraordinário Mestre
Paulo Bonavides, ao dizer que "... na interpretação de um poder,
todos os meios ordinários e apropriados a executá-lo são
considerados sempre parte do próprio poder..."(Curso de Direito
Constitucional, Malheiros, 10ª edição, p. 432).
De que vale um poder, uma prerrogativa, desprovido dos instrumentos
necessários à sua efetivação?!?!?
Soberania pressupõe poder supremo. Onde está a supremacia do
povo em um processo cuja apuração não é instrumentado por mecanismos
que permitam-lhe certificar-se da soberania de sua vontade?!?!?.
Pior. Sequer os agentes operadores, Membros da Justiça
Eleitoral, do Ministério Público, dos Partidos Políticos, Candidatos,
são, diretamente, dele dotados. Apenas assistidos por técnicos.
Soberano que não é instrumentado a fiscalizar o exercício de sua
soberania não é soberano.
É inerente, "ratio essendi" da soberania popular, que todo o
processo eleitoral, alistamento, registro de candidaturas, propaganda
política, votação, apuração, diplomação, etc., sejam aferíveis
pelo titular dessa soberania, o povo. Aferíveis, diga-se,
por todo o eleitorado, desde o mais rutilante PhD até o excluído
analfabeto. A propósito, nunca é demais lembrar que o Brasil é País
dos excluídos.
Inegáveis os avanços da urna eletrônica. O Código eleitoral de 1932
já prescrevia a utilização de "máquinas de votar". A imagem favoreceu
a correta identificação dos candidatos pelo eleitor, reduzindo o
número de erros e sufrágios nulos. A rapidez na apuração cerceou
delongas que, muitas vezes, ensejavam fraudes. De sua parte, a supressão
do contato humano, igualmente dificultou distorções. Todavia,
enquanto a adulteração tradicional fazia-se voto a voto, a eletrônica
procede-se no atacado. Pior. Seu rastro, quando existente, é infinitamente
menos perceptível.
Urge conciliar a irremovível instrumentação da soberania popular com as
conveniências da tecnologia. Proceder-se a votação e a apuração eletrônica,
acompanhada da impressão física das cédulas, de forma a garantir a palpável,
testemunhável, eventual aferição que venha a fazer-se necessária, uma das
soluções.
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