Causou perplexidade a posição do general Raymundo Nonato de Cerqueira Filho sobre a presença de homossexuais nas Forças Armadas. Durante a sabatina a que se submetia na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Cerqueira disse que os gays só devem ser aceitos nos quartéis se mantiverem a opção sexual em segredo. A razão: as atividades desempenhadas pelos militares seriam inadequadas para pessoas que não se enquadrassem na classificação masculino ou feminino. Por quê? Segundo ele, soldados não obedeceriam ao comandante se ele fosse “indivíduo desse tipo”.
A polêmica declaração foi feita depois de aprovada por unanimidade a indicação do general para ocupar vaga de ministro no Superior Tribunal Militar (STM) — corte que julga os processos contra militares, incluídas as demandas que envolvem homossexuais da caserna. A escolha precisa ainda do aval do plenário da Câmara Alta. Mas, diante da repercussão do episódio, membros da CCJ voltaram atrás. Querem ouvir novamente o postulante. O senador Eduardo Suplicy foi o primeiro a requerer outra reunião. Cerqueira Filho frisou não se tratar de homofobia. Na mesma direção se manifestou o presidente do STM. Trata-se, de acordo com ele, “de voz corrente entre militares”.
É preocupante que, no século 21, se pregue no Brasil política americana que caminha a passos largos para bater ponto final. Trata-se do “não pergunte, não conte”. Nos Estados Unidos de hoje, militar que revela a opção sexual é expulso das fileiras da tropa. No ato do alistamento, quem se diz gay é recusado. Barack Obama prometeu em campanha mudar a prática. Comissão estuda as novas regras que não obriguem homens e mulheres a mentir para ingressar ou se manter na caserna. Ninguém duvida de que a preferência do cidadão por este ou aquele sexo não lhe invalida a autoridade para mandar e comandar — duas funções estratégicas das Forças Armadas.
Vale lembrar que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a promoção do “bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art.3º inciso IV da Constituição). Diz ainda a Carta Magna (art.5º, inciso XLI): “A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. E os direitos e liberdades fundamentais estão previstos no art. 5º e seguintes do texto constitucional.
Amanhã, em nova sabatina no Senado, o general Raymundo Nonato de Cerqueira Filho terá de explicar não apenas o ponto de vista que defende, mas dizer também se esse é o pensamento do Exército. Convém advertir que, quando a Constituição estabelece forma de conduta, ninguém pode adotar outra. Em outras palavras: nem o general, nem o Exército, nem a Aeronáutica, nem a Marinha têm poderes para fechar as portas ao ingresso de pessoas consideradas inadequadas em função de tendências sexuais.