Brasília - Fernando Rodrigues: Quando o direito é um abuso
A corrupção política padronizada em mensalões de ideologias diversas unificou também a forma como todos os acusados reagem. Não importa o partido nem a gravidade das provas. A primeira resposta obedece sempre à mesma lógica: "Não se deve prejulgar ou condenar antes de conceder amplo direito de defesa".
Trata-se de um binômio diversionista composto por um truísmo e uma malandragem. Primeiro, vem o pressuposto acaciano -todos têm direito a ampla defesa. Segundo, usa-se a estratégia infalível de deixar o tempo mitigar os efeitos negativos iniciais do escândalo.
O caso paradigmático é o do mensalão do DEM, em Brasília. Nunca houve tantos indícios de corrupção registrados em áudio, vídeo e documentos oficiais. Ainda assim, o Democratas decidiu conceder um prazo para o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, apresentar sua defesa. Só na quinta-feira desta semana decidirá se o expulsa ou não da sigla.
A expulsão é um ato político. Nada tem a ver com a defesa de Arruda na Justiça -processo no qual terá o máximo de tempo possível. Quando o DEM ainda se chamava PFL, em 1997, a legenda expulsou em apenas 24 horas dois deputados flagrados vendendo seus votos no episódio da aprovação da emenda da reeleição.
Não havia vídeos. Bastou a convicção do delito cometido.
A concessão de tempo a Arruda inexiste no cotidiano de brasileiros comuns. Quando o circuito interno de TV num edifício flagra um funcionário cometendo algo ilícito, não há hipótese de os condôminos darem uma semana de prazo para a defesa. Demite-se no ato.
O mais provável é o DEM expulsar mesmo Arruda. Mas o tempo concedido pode tornar o ato inócuo. Os advogados do governador já maquinaram uma contestação judicial. Se ele se mantiver filiado, mais uma vez o direito de defesa na política terá resultado apenas num abuso para evitar a punição.
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O Globo - 07/12/2009
Os bens da família
SALAS COMERCIAIS: Cinco salas com seis vagas na garagem, num prédio localizado em frente ao Banco Central. Valor declarado: R$1,6 milhão.
SALA EM NOME DE FILHO: Uma sala com duas vagas na garagem, registrada em nome de um dos filhos de Arruda, Marcos. Valor declarado: R$ 450 mil.
APARTAMENTO NO CRUZEIRO: Registrado em nome de parente de Arruda. Valor declarado: R$115 mil.
APARTAMENTO NA ASA NORTE: Registrado em nome de um dos filhos de Arruda. Valor desconhecido.
APARTAMENTO NO SUDOESTE: Valor declarado: R$350 mil, pagos na época da compra, feita por um dos filhos de Arruda. Hoje avaliado em R$900 mil.
APARTAMENTO NA ASA SUL: Valor atualizado: R$1,5 milhão.
CASA DE 718 METROS QUADRADOS: Valor: R$658 mil. Repassada para ex-mulher do governador. Avaliada em R$2 milhões.
Propinodutos.
Há exatos 30 dias atrás, Arruda e Lula brincavam de polícia na cerimônia de assinatura do decreto que criava um plano de carreira para os bombeiros de Brasília. Em seu discurso, Lula dizia: Que bom, companheiro Arruda, que a gente tem uma polícia ganhando um salário razoável; ... porque a gente tem a certeza de que a única hipótese de a gente não ter um policial levando propina da bandidagem é o policial ganhar o suficiente para cuidar da sua família. E um governador ou um presidente da República não levar propina, mesmo ganhando uma fortuna e tendo todas as benesses do cartão corporativo secreto, quando é que vamos ter certeza?
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Correio Braziliense - 07/12/2009
Cronologia do escândalo
CAIXA DE PANDORA
Confira os principais momentos da operação que abalou a política no Distrito Federal
Rafael Ohana/CB/D.A Press - 27/11/09
29 mandados de busca de apreensão
27 de novembro
A Polícia Federal deflagra a Operação Caixa de Pandora, na qual cumpre 29 mandados de busca de apreensão em 16 endereços, incluindo a Câmara Legislativa, o Palácio do Buriti e a Residência Oficial do governador José Roberto Arruda (DEM), em Águas Claras. A PF investiga o suposto esquema de propina do GDF para a base aliada, com dinheiro repassado por empresas privadas — muitas delas mantinham contratos com o Executivo local. O escândalo é batizado de mensalão do DEM.
O personagem central das denúncias é Durval Barbosa, até então secretário de Relações Institucionais de Arruda. Ex-presidente da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan) na administração de Joaquim Roriz, ele havia gravado vídeos e conversas com políticos do DF. Como respondia a 37 processos, fez acordo de delação premiada com a Justiça e a PF para reduzir a própria pena. O inquérito está no Superior Tribunal de Justiça, por conta do foro privilegiado dos envolvidos.
Em reação à operação da PF, Arruda afasta os integrantes do primeiro escalão do GDF citados no suposto esquema de corrupção. Assim, saem do GDF, o secretário de Educação, José Luiz Valente; o chefe da Casa Civil, José Geraldo Maciel; o chefe de gabinete, Fábio Simão; e o assessor de imprensa Omézio Pontes. Durval Barbosa é exonerado do cargo de secretário de Relações Institucionais.
28 de novembro
É divulgado vídeo de um encontro entre José Roberto Arruda e Durval Barbosa durante a campanha presidencial de 2006. As imagens mostram o então candidato recebendo dinheiro de Durval. Os advogados de Arruda afirmam que as cenas apenas retratam Durval fazendo uma doação a Arruda para a compra de panetones que seriam distribuídos a famílias de baixa renda.
Também é apresentada conversa entre Arruda, já como governador, Durval, e o chefe da Casa Civil, José Geraldo Maciel, gravada em 21 de outubro deste ano. Discute-se a “despesa mensal com político”.
Folha.com.br/Reprodução de internet-29/11/09
Leonardo Prudente
29 de novembro
O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, classifica como “extremamente graves” as acusações contra o suposto esquema de corrupção.
Pelo menos oito dos 24 deputados e dois suplentes da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) são citados no inquérito da Operação Pandora como beneficiários de propinas. Em vídeos divulgados, aparecem recebendo dinheiro das mãos de Durval Barbosa os distritais Eurides Brito (PMDB), Júnior Brunelli (PP, corregedor da CLDF) e Leonardo Prudente (DEM, presidente da Câmara). Este coloca dinheiro nos bolsos do paletó e até nas meias.
Ig.com.br/Reprodução de Internet - 29/11/09
Brunelli e Prudente rezando em agradecimento a Durval
30 de novembro
Os líderes do DEM reúnem-se com Arruda para ouvir as explicações dele. O partido sai dividido do encontro e adia o desfecho sobre o caso. Arruda vai a público e lê comunicado em que afirma que Durval Barbosa — o autor das denúncias — teve interesses contrariados. Segundo o governador, Durval foi tirado da presidência da Codeplan, perdendo orçamento de R$ 500 milhões para a área de informática do governo. Além disso, diz que seus advogados alertam que “supostos defeitos ou aquecimentos e resfriamento do aparelho de gravação acabaram por truncar o teor e o sentido da conversa (a gravada em 21 de outubro)”. O governador garante que permanecerá no cargo.
O vice-governador Paulo Octávio é citado em conversas entre Durval Barbosa e empresários como beneficiário do esquema. O secretário de Planejamento, Ricardo Penna, e o corregedor e secretário de Ordem Pública, Roberto Giffoni, também são mencionados como tendo recebido dinheiro. Os três negam qualquer participação no caso.
A Câmara Legislativa abre processo para apurar a quebra de decoro parlamentar dos deputados citados no suposto esquema de propina apontado pela PF. Os distritais, inclusive o presidente da Casa, Leonardo Prudente, têm 15 dias para apresentar defesa à Comissão de Ética. Vídeo é divulgado mostrando os distritais Brunelli e Prudente rezando em agradecimento a Durval Barbosa. PPS, PSB e PDT entregam cargos que têm no GDF. O PSB abre apuração interna sobre o deputado distrital Regério Ulysses (PSB, presidente da Comissão de Constituição e Justiça), mencionado em gravações de Durval.
1º de dezembro
O governador José Roberto Arruda concede entrevista ao Correio. Ele afirma que as denúncias feitas à PF por Durval Barbosa são parte de manobra encabeçada pelo ex-governador Joaquim Roriz para prejudicá-lo nas eleições. Arruda nega pagamento de propina e reitera que o dinheiro que aparece recebendo de Durval em gravação feita em 2006 se destinaria a ações sociais. O governador garante inocência.
Leonardo Prudente afasta-se da presidência da Câmara, assim como Rogério Ulysses da presidência da CCJ. A cúpula do DEM se reúne e dá prazo até 10 de dezembro para Arruda apresentar defesa oficial. São protocolados quatro pedidos de impeachment do governador. Em viagem ao exterior, o presidente Lula evita críticas, afirmando que as imagens “não falam por si”.
Breno Fortes/CB/D.A Press - 2/12/09
invadem a Câmara Legislativa
2 de dezembro
Estudantes, integrantes de entidades sindicais e partidos políticos de oposição invadem a Câmara Legislativa do Distrito Federal. Exigindo o afastamento do governador José Roberto Arruda, eles quebram portas de vidro e acampam no plenário da Casa. Um policial legislativo fica ferido. São protocolados o quinto e o sexto pedidos de impeachment contra Arruda e seu vice, Paulo Octávio, enquanto os distritais, em reunião fechada, decidem que criarão uma CPI para investigar o Executivo local, deixando de fora, porém, os deputados citados nas denúncias. Caciques do DEM, partido do governador, dão declarações públicas pregando sua expulsão da legenda. Ainda no exterior, Lula sobe o tom e considera o escândalo “deplorável”.
3 de dezembro
Cresce a movimentação para que Prudente renuncie, o que abriria caminho para novas eleições à presidência da Casa.
O Democratas, partido de Arruda e Paulo Octávio, sinaliza que poderá salvar o mandato do vice-governador para não perder por completo o controle do único governo que conquistou nas eleições de 2006. A Ordem dos Advogados do Brasil, seção DF, decide que enviará em 7 de dezembro dois pedidos de impeachment: um para Arruda e outro para Paulo Octávio. Há mais dois pedidos de impeachment.
Gustavo Moreno/CB/D.A Press - 4/12/09
Brasília Limpa
4 de dezembro
O Correio mostra que empresas ligadas a três deputados distritais — entre eles o presidente da Câmara Legislativa, Leonardo Prudente (DEM) — mantêm contratos com o GDF que somam R$ 485 milhões nos últimos três anos. A Procuradoria da Câmara acata apenas dois dos oito pedidos de impeachment que corriam na Casa contra o governador Arruda. Mais dois requerimentos são protocolados. Distritais se rearrumam em blocos que poderão acabar com as possibilidades de um parlamentar da oposição presidir ou relatar a CPI que investigará a corrupção no DF.
A Justiça determina a reintegração de posse da Câmara, mas o presidente em exercício Cabo Patrício não manda cumpri-la.
A OAB-DF, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e o Sindicato dos Publicitários do DF lançam a campanha Brasília Limpa, para livrar a capital da corrupção.
5 de dezembro
O Correio publica reportagem na qual a empresa citada no inquérito da Operação Caixa de Pandora teve o volume de recursos pagos pelo GDF inflado em 2008 e 2009. A Uni-Repro (firma de reprografia) recebeu R$ 1,1 milhão em 2007, R$ 19,9 milhões em 2008 e R$ 21,2 milhões em 2009. Boa parte desse dinheiro foi paga por meio de contratos firmados com a Secretaria de Saúde.
6 de dezembro
Reportagem do Correio revela que o presidente interino da Câmara Legislativa, Cabo Patrício (PT), é autor de projeto de lei que beneficia empresa do filho de presidente licenciado da Casa, Leonardo Prudente. A lei, que trata da coleta e do tratamento do lixo hospitalar, foi aprovada e sancionada neste ano. Augusto Carvalho (PPS), que entregou o cargo de secretário de Saúde com o estourar da crise, afirma que, antes mesmo da operação da Polícia Federal, já havia sido mandado investigar os gastos da secretaria com serviços de reprografia e assegura não ter relação com o suposto esquema de propina do GDF para a base aliada.