1. Sem entrar no mérito relativo aos ganhos imobiliários potenciais com a aprovação da lei complementar do projeto de estruturação (?!) urbana da região de Vargens (e parte da Barra/Recreio), este Ex-Blog volta à questão da relação entre expansão urbano-imobiliária para a classe média e a favelização. Esse é um longo processo que começa ainda no século 19, no início da República, com a eliminação do cortiço Cabeça de Porco, na base do Morro da Providência para empreendimentos imobiliários e construção de um túnel. A empresa concessionária do engenheiro Carlos Sampaio assumiu o local. Os moradores do cortiço subiram o morro da Providência. Mais tarde, em 1921, Carlos Sampaio retorna como prefeito do Rio para lotear Ipanema.
2. A especulação imobiliária é um vetor constituinte e poderoso da Política do Rio. Vai avançando de São Cristóvão ao Centro, à Glória, Catete, Flamengo, Botafogo, Copacabana, Ipanema, Leblon, Jardim Botânico e, finalmente, Barra da Tijuca e entorno. Agrega valor, passo a passo, se apropria de altas taxas de lucro e depois exaure o bairro. A taxa de lucro cai para os que chegaram no final. E avança para novo bairro. Pereira Passos demoliu 5 mil imóveis para a reforma do Centro e construiu um pombal de 100 casas na hoje Rua Salvador de Sá. Os demais foram para onde era possível: as favelas.
3. Prefeito, Carlos Sampaio pediu que o objeto de um financiamento de eletrificação dos trens suburbanos fosse alterado para o projeto imobiliário da Esplanada do Castelo. As obras de loteamento, vias públicas, prédios, casas, vão avançando para a Zona Sul, levando os trabalhadores necessários a elas, que pousam nos morros. Depois de prontas, a necessidade de empregadas e empregados, porteiros, limpadores, lavadeiras, garotos-entregadores..., os vai mantendo ali. Diferenciando-se pela renda da família, dos trabalhadores de outros bairros, esses correm ansiosos para lá.
4. O Plano de Ocupação da Barra da Tijuca, de 1969, queria dar à região qualidade de vida: trocou as calçadas pelos automóveis, induziu uma ocupação em espiral. Outra vez sem previsão de transporte de massa e de habitação popular. O resultado já era conhecido pela ocupação Centro-Zona Sul: favelização como solução para a necessidade de servir os ricos e de sobreviver dos pobres. E então vieram Rio das Pedras, Gardênia, Terreirão, Canal das Tachas, expansão da Cidade de Deus...
5. Agora, mais uma lei autorizando a ocupação de Vargem Grande e Vargem Pequena. Essas dialogam com o Recreio dos Bandeirantes do outro lado da Avenida das Américas. A lei, de 60 páginas, 113 artigos, além dos anexos, é muito complexa para que se possa ir graduando distorções. A realidade o fará. Mas aqui, este Ex-Blog não quer sair do tema: favelização. Estima-se um adensamento de 100 mil pessoas num período de 15 anos. Observada a relação da Zona Sul e da Barra de 5 moradores (incluindo comércio e escritórios) para um favelado, a região receberá progressivamente pelo menos mais 20 mil favelados, com a expansão de Rio das Pedras, Terreirão, Gardênia, Cidade de Deus..., e com a transformação das mínimas favelinhas de Vargens em favelas de porte.
6. Essa dinâmica será inexorável. E pela racionalidade econômica das pessoas, será antecipada. Pelos empresários saindo na frente com os lucros de fundador. Pelos trabalhadores, saindo na frente para ocupar os melhores locais. E depois os felizes especuladores e os moradores que atrairão, reclamarão, nos jornais/tvs (que darão destaque, pois moram lá) e nas reuniões de seus clubes e associações, da favelização, da desvalorização das áreas e da violência advinda.
7. Missa anunciada. É apenas preparar a máquina fotográfica e ir dando os flagrantes. Em série contínua. E que a rapidez não afete 2016. As APACs seguraram a zona sul nos últimos anos. O Peu da Taquara começou a ajustar o bairro, vizinho da Barra. Agora passa outra vez a locomotiva da especulação e do adensamento. Saiam da frente, pois esta nunca teve freio. E lá se vão 117 anos, desde o Cabeça de Porco.