Além da aquisição de submarinos e helicópteros, o governo brasileiro anunciou ontem que irá comprar 36 caças da França
Ao anunciar ontem que irá comprar da França, além de submarinos e helicópteros, mais 36 aviões de combate, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não só fechou a maior parceria externa na área militar desde a II Guerra Mundial como selou uma aliança histórica com o país europeu.
Ao final de uma permanência de menos de 24 horas no país, na qual assistiu ao desfile de 7 de Setembro como convidado especial, o presidente Nicolas Sarkozy embarcou de volta à França com contratos para fornecimento de tecnologia e equipamentos militares ao Brasil que ultrapassam R$ 30 bilhões.
Em um comunicado de apenas três curtos parágrafos, o governo Lula revelou que a decisão de abrir a negociação com a Dassault, fabricante francesa dos aviões GIE Rafale, deveu-se em grande parte ao compromisso assumido por Sarkozy de comprar “uma dezena de unidades da futura aeronave de transporte militar KC-390” – um avião em projeto na Embraer.
Além de anunciar a preferência pelos caças franceses (que devem custar cerca de R$ 10 bilhões), o governo assinou com a França um contrato de R$ 24 bilhões – a serem pagos em 20 anos – para a aquisição de quatro submarinos, a transferência de tecnologia francesa destinada à construção do primeiro submarino de propulsão nuclear e a compra de 50 helicópteros. Ao justificar os gastos, Lula falou na necessidade de defender a Amazônia e o pré-sal:
– Deve sempre passar pela nossa cabeça a ideia de que o pré-sal já foi motivo de muitas guerras e conflitos, e não queremos guerra nem conflito.
Sarkozy prometeu ser um parceiro do governo brasileiro disposto a defender o país no grupo das maiores economias mundiais. Uma das ambições do governo Lula é ocupar uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU.
– Vamos criar juntos, construir juntos, vender juntos. O Brasil e a França, o presidente Lula e eu, pensamos juntos – disse Sarkozy.
Brasília
Os caças franceses
O governo anunciou ontem que negociará a aquisição de 36 aviões de combate GIE Rafale, produzidos pela empresa francesa Dassault.
- Na prática, o governo brasileiro encerrou a licitação do projeto FX-2, iniciada em maio do ano passado. Disputavam ainda a licitação a sueca Saab, com o modelo Gripen, e a americana Boeing, com o F-18.
- De acordo com o ministro Celso Amorim, “o principal atrativo da oferta francesa é a transferência real de tecnologia”, o que não apenas representa “o acesso ao conhecimento, mas também o acesso livre a todo tipo de operação”.
- Os caças franceses seriam construídos de forma conjunta no Brasil, que por sua vez poderia comercializá-los na América Latina.
- Hoje só a França opera o Rafale, que perdeu todas as concorrências que disputou até aqui.
Corrida às armas
O bilionário acordo assinado ontem entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu colega francês Nicolas Sarcozy precisa merecer atenção equivalente à de suas dimensões financeiras e às implicações de ordem diplomática e econômica por parte da sociedade, especialmente do Congresso. Diante de um investimento dessa natureza, capaz de demandar um volume de recursos correspondente ao total previsto no orçamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para este ano, um país com tantas carências sociais não atendidas tem o dever de tratar a questão com o máximo de clareza. A transparência é necessária não apenas para explicitar as necessidades da aquisição, mas também para a reafirmação de seus fins pacíficos e da defesa da soberania nacional e para garantir benefícios aos brasileiros, como os previstos com a transferência de tecnologia.
Oficialmente, a aquisição de submarinos e helicópteros, além de caças, e mais a confirmada intenção da França de participar também de um projeto conjunto com a Embraer, são explicadas pelas necessidades surgidas com a exploração das reservas de petróleo do pré-sal e para a maior proteção da Amazônia. Por meio do acordo, o Brasil busca também na França um aliado para tornar factível o sonho de integrar o Conselho de Segurança das Nações Unidas e o chamado G-8, a partir de sua ampliação. Além disso, os militares brasileiros queixam-se há décadas do sucateamento das condições de defesa nacional. São todos interesses justificáveis, mas que, particularmente por transcenderem o horizonte do atual governo, precisam ser analisados com isenção e responsabilidade pelos parlamentares, a quem cabe a defesa dos interesses da população. Essa corrida às armas, num surto armamentista que, mesmo explicável, é sempre indesejável, sangra as economias dos países que, como os do continente, deveriam encaminhar seus investimentos para outras prioridades.
A retomada da atividade econômica tem estimulado os gastos com defesa, não apenas no Brasil, mas também em países vizinhos nos quais as divergências em torno de acordos militares são motivo de tensão permanente. É o caso da Venezuela, onde o presidente Hugo Chávez se aproximou de fornecedores como Irã e Rússia, e da Colômbia, principalmente a partir do momento em que o presidente Álvaro Uribe decidiu renovar acordo permitindo a presença de bases militares norte-americanas em seu país, sob a alegada necessidade de combater a narcoguerrilha. De alguma forma, também essas contendas servem para justificar a opção brasileira de acelerar os planos de reaparelhamento de suas Forças Armadas, formalizando um acordo com potencial para transformá-lo no detentor da mais poderosa força naval da América Latina.
Por mais que sobrem razões para esse acordo de cooperação militar com a França, o Planalto precisa deixar claro à população por que decidiu transformá-lo em prioridade. São recursos muito vultosos que serão alocados em aquisições bélicas ou de defesa num momento em que nosso país não tem inimigos e não sofre ameaças efetivas.
Brasil gastou mais do que países ricos
Medidas brasileiras para combater a turbulência chegaram a 5,6% do PIB, acima dos EUA, inclusive
Com uma artilharia que correspondeu a 5,6% do Produto Interno Bruto (PIB), o Brasil gastou mais proporcionalmente em incentivos fiscais para enfrentar a crise mundial do que grandes países duramente atingidos. Os pacotes de incentivos para o setor produtivo promovidos por Estados Unidos, França, Reino Unido e Japão levaram menos recursos, também em proporção ao PIB.
Os dados sobre os gastos fazem parte de relatório divulgado pela Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) que, um ano após a eclosão da crise, fez um levantamento de tudo que havia já sido gasto ou prometido por governos. Além da comparação, o relatório aponta que os sinais positivos registrados no mercado internacional não significam que a crise tenha sido superada no mundo.
Segundo a entidade, os gastos do Brasil estão acima da média dos países emergentes, que deixaram 4,7% de seus PIBs em medidas de resgate das economias. Nos países ricos, o gasto chegou a 3,7% do PIB, o que, em valores, é bastante superior ao que os programas custaram para os emergentes.
No total, a estimativa é de que cada uma das principais economias do mundo gastou em média 4% de seu PIB na atual crise. Nesse cálculo, a ONU incluiu desoneração de impostos, investimentos públicos, ajuda a empresas, eventuais elevações de seguro desemprego e a distribuição de recursos para ajudar setores a exportar. No Brasil, o estímulo se constituiu basicamente de isenção de impostos e investimentos públicos.
Detlef Kotte, autor do estudo, enfatizou, no entanto, que os pacotes foram e continuam sendo necessários para compensar as perdas provocadas pela crise:
– Sem essas medidas, a pobreza teria aumentado no Brasil, certamente.
O impacto nas contas do governo surgirá apenas em 2010 no cálculo do déficit fiscal, projetou Kotte:
– A esperança de governos é de que esse déficit seja neutralizado pelo crescimento que os pacotes vão gerar.
Basileia, Suíça
O estímulo fiscal
PAÍSES DESENVOLVIDOS
Em % do PIB:
Estados Unidos 5,5
Japão 4,7
Canadá 4,1
Alemanha 3,3
Reino Unido 1,9
Itália 0,3
Média 3,7
PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO
Argentina 6,4
China 6,2
Brasil 5,6
Média 4,7
Fonte: Unctad
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O Globo - 8/9/2009
SETE DE SETEMBRO
Pré-sal e Amazônia para justificar acordo militar
Lula recebe Sarkozy e assina compra de 36 aviões de combate da França; pacote, que inclui submarinos e helicópteros, custará R$31,1 bi
Bernardo Mello Franco e Luiza Damé
Para justificar os altos investimentos em compras para as Forças Armadas, o presidente recorreu ao discurso nacionalista. Citou a descoberta das reservas de petróleo na camada do pré-sal e a necessidade de proteger as riquezas da Amazônia:
- O Brasil é um país que prima pela paz. Ao mesmo tempo, temos 300 milhões de hectares de terras na Amazônia que precisamos preservar. E agora descobrimos outra riqueza que é o pré-sal. Deve sempre passar pela nossa cabeça a ideia de que o petróleo já foi motivo de muitas guerras, muitos conflitos. E o Brasil não quer guerra nem conflito.
Segundo Lula, os caças franceses foram escolhidos porque o país foi o único a se comprometer a transferir tecnologia aeronáutica para a FAB:
- Decidimos começar a negociação para a compra do Rafale. Para nós, o avião é importante, mas importante mesmo é ter a tecnologia para que possamos produzir esse avião no país. É isso que estamos negociando. No fundo, o Brasil quer comprar um avião com a garantia de uso e transferência total da tecnologia.
"Queremos construir e vender juntos"
Como contrapartida à compra dos caças, Sarkozy anunciou a intenção do governo francês de ajudar a desenvolver e comprar dez unidades do futuro avião de transporte militar KC-390, a ser produzido no Brasil pela Embraer. O modelo deve substituir os antigos Hércules C-130 da Aeronáutica. Os presidentes não anunciaram os custos dessa operação.
Segundo Lula, a assinatura dos acordos inaugura uma parceria militar estratégica, com a cooperação entre os dois países. Além da compra dos caças, o acordo militar com a França inclui R$19 bilhões com a construção de submarinos - quatro convencionais e um nuclear - e R$5,1 bilhões com a fabricação de 50 helicópteros.
- A França não quer só vender para o Brasil, e o Brasil não quer só vender para a França. Queremos pensar juntos, criar juntos e construir juntos. Se possível, vender juntos - disse, arrancando gargalhadas dos franceses.
Animado com o anúncio da compra dos caças, Sarkozy enalteceu os investimentos brasileiros na área militar e disse que o país pode se tornar o principal parceiro da França no setor:
- Um país forte é um país que pode se defender. Os grandes atores do mundo têm uma política de defesa ambiciosa. Se existe um país no mundo onde há espaço para a tecnologia francesa, é o Brasil. Compartilhar tecnologia não nos dá medo, porque o tempo da colonização já acabou.
Sorridente, Sarkozy se desmanchou em elogios a Lula, a quem chamou de amigo, líder e "homem especial". Em entrevista ao lado de Lula no Palácio da Alvorada, o francês manifestou apoio ao Brasil em quase todas as frentes de batalha do Itamaraty, desde a luta por uma vaga no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas até a candidatura do Rio para sediar as Olimpíadas de 2016.
- O mundo tem necessidade da liderança do presidente Lula, por seu amor pela África, suas convicções democráticas e pelo exemplo que ele representa com sua trajetória. Tenho orgulho de ser seu amigo - disse.
A novela dos caças se arrastava desde 1998, quando a Aeronáutica começou o projeto FX, no governo Fernando Henrique. O processo estava em fase final. Em 2003, com três dias no cargo, Lula suspendeu a licitação, na época orçada em US$700 milhões, para a compra de 12 aviões, dizendo que destinaria o dinheiro ao Fome Zero. Em novembro de 2007, a Aeronáutica anunciou a retomada do programa, com o título de FX-2.
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JB Online - 8/9/2009
Conhecimento que impõe respeito
Vasconcelo Quadros e Leandro Mazzini, Jornal do Brasil
BRASÍLIA - Especialista em estratégia militar e ex-ministro Alberto Mendes Cardoso, ex-chefe da Casa Militar e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no governo Fernando Henrique Cardoso, confirmou ontem que o Brasil já domina o conhecimento e, se quisesse, poderia dirigir a tecnologia à construção da bomba nuclear.
– O país sabe como fazer, mas há fatores que impedem – admitiu o militar, que lembrou o fato de que o Brasil, além de processar urânio apenas para fins pacíficos, tem compromisso expresso na Constituição para não desenvolver armas atômicas e está submetido aos tratados internacionais de não proliferação de armas nucleares.
Uma das maiores autoridades do país em energia nuclear, com 35 anos de atividade no setor, o professor do Instituto Militar de Engenharia (IME) do Exército, Rex Nazaré Alves, também confirma, conforme noticiou o Jornal do Brasil no domingo, que o país já domina o conhecimento e a tecnologia necessária para a fabricação da bomba. Ele diz que se o país tivesse interesse, desenvolveria a bomba atômica porque já atingiu um padrão de conhecimento.
– O Brasil cumpre seus compromissos internacionais – ressaltou Alves, que foi assessor especial do Ministério da Ciência e Tecnologia, do GSI e atualmente dirige o departamento de Tecnologia da Fundação ao Amparo à Pesquisa do Estado do Rio. Alves não é favorável à bomba, mas diz que o Brasil deve desenvolver e dominar toda a cadeia do conhecimento. – O respeito surge quando a outra parte se faz respeitar. Um dos princípios é o desenvolvimento. Tem que dominar a tecnologia nuclear e todas as outras, senão não é desenvolvimento. Desse ponto de vista temos todo o conhecimento.
Alves também lembra que o Brasil é fiel à Constituição e aos tratados e que se optasse por construir a bomba, acabaria com a paz no continente Sul Americano.
– Não é necessário ter a bomba. O importante é ter as condições para fabricar – completa o general Cardoso. A posição do ex-ministro de FHC e de Alves coincidem com as descobertas do físico Dalton Girão Ellery Barroso, do IME, sobre o avanço da pesquisa brasileira para o domínio do conhecimento sobre a bomba atômica.
No livro A Física dos Explosivos Nucleares, onde publica a maior parte de sua tese de doutorado no IME, Barroso mostra cálculos e equações em que desvendou a figura de uma ogiva nuclear americana, a W-87, cujo modelo original era mantido em segredo. O que se sabia, até então, eram as dimensões externas da ogiva. Barroso foi ao interior da figura. Chegou a resultados aceitáveis pela comunidade científica usando um sistema de cálculos computacionais que ele mesmo criou para fazer o cruzamento de modelos físicos e matemáticos conhecidos. No final, acertou até a potência do artefato, que tem 300 quilotons.
As conclusões provocaram uma reação da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), entidade que fiscaliza os programas nucleares no mundo, que tentou retirar de circulação o livro com a tese Simulação Numérica de Detonações termonucleares em Meios Híbridos de Fissão-Fusão Implodidos pela Radiação. O caso provocou um conflito de posições entre os ministros da Defesa, Nelson Jobim, e das Relações Exteriores, Celso Amorim. Jobim refutou as suspeitas de que o Brasil pudesse estar fazendo experimentos nucleares e garantiu o trabalho do físico brasileiro. Senadores da Comissão de Relações Exteriores e Defesa pretendem convocar Jobim, Amorim e outras autoridades militares para explicar o caso no Congresso.
Laços cada vez mais sólidos
BRASÍLIA - Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Nicolas Sarkozy, da França, confirmaram ontem o início das negociações entre os governos dos dois países para a compra, por parte do governo brasileiro, de 36 aviões caça Rafale franceses, com o compromisso de transferência de tecnologia relacionada às aeronaves ao Brasil. Lula e Sarkozy não revelaram os valores oficiais que envolvem a negociação, mas o governo brasileiro confirmou que negocia apenas com a França a compra das aeronaves – excluindo temporariamente a Suécia e os Estados Unidos, que também concorriam com os franceses pela oportunidade de comercializar aeronaves ao Brasil.
Lula justificou a compra dos aviões de caça com o argumento de que o Brasil precisa reforçar o controle de suas fronteiras e de suas riquezas naturais, principalmente a Amazônia e o pré-sal.
– Vamos produzir equipamentos que reforçarão a capacidade tecnológica do Brasil para proteger e fortalecer suas riquezas naturais. Esse é um componente essencial da estratégia de defesa que meu país aprovou. Queremos preservar o continente como zona de paz. O Brasil aposta em projeto regional de defesa para a integração e o desenvolvimento – afirmou. Ao discursar ao lado de Sarkozy, o presidente disse ainda que o Brasil é um país que “prima pela paz”, mas precisa se precaver. – Deve sempre passar pela nossa cabeça a ideia de que o petróleo já foi motivo de muitas guerras, muitos conflitos. Não queremos nem guerra nem conflito. O Brasil vê oportunidade do pré-sal como oportunidade de daqui a 10 ou 15 anos se transformar em grande economia mundial.
Lula disse ainda que Brasil e França consolidaram ontem uma “parceira estratégia entre dois povos que têm muita coisa em comum”. Segundo o presidente brasileiro, a França e o Brasil não querem apenas vender aeronaves, mas “pensar juntos, criar juntos, construir juntos e, se for possível, vender muito juntos”.
Madrugada
O acordo entre o governo francês e o brasileiro para a compra dos caça Rafale foi fechado ainda na madrugada de ontem, depois que Lula jantou com Sarkozy no Palácio da Alvorada. Ministros e técnicos dos dois países ficaram reunidos até as 2h para definir os termos do acordo, que inclui a troca de tecnologia entre França e Brasil para a manutenção e futura produção das aeronaves. Na conversa entre Lula e Sarkozy, representantes do governo francês se comprometeram com os repasses tecnológicos.
– Para nós, o avião é importante. Mas o importante mesmo é ter acesso à tecnologia para que possamos produzir esse avião no Brasil. É isso que estamos negociando agora, com o ministro da Defesa da França, a empresa que produz (o avião). No fundo, o Brasil quer comprar um avião que dê ao Brasil a garantia de uso total desse avião com transferência de tecnologia – explicou Lula. Segundo o presidente, caberá, agora, ao comandante da Aeronáutica e ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, negociar os termos financeiros da operação de compra e venda das aeronaves. – Nós decidimos começar as negociações para a compra do Rafale. Eu não sei o total ainda. Esta semana estarei discutindo pormenores com comandante da Aeronáutica e o ministro Jobim, porque eles vão ter que viaja re discutir esses assuntos.
Sarkozy, por sua vez, disse que a disposição dos dois governos é fazer uma espécie de operação “casada” para a compra e venda das aeronaves com as respectivas transferências de tecnologia entre França e Brasil. Ao contrário de Lula, que evitou confirmar o fim da concorrência com as empresas norte-americanas e suecas para a compra das aeronaves, Sarkozy foi mais direto e disse que o governo brasileiro quer negociar diretamente com a França a aquisição das aeronaves.
– Eu anuncio aqui a decisão de, a princípio, comprar os aviões de transporte brasileiro para substituir nossos C-130. A negociação está começando, nas mesmas condições. Se eles (brasileiros) estiverem de acordo, gostaríamos de nos associar a essa construção de aviões numa verdadeira troca, como faremos da mesma maneira com o Rafale, que será desenvolvimento em comum acordo com os brasileiros – disse Sarkozy.
Além da compra das aeronaves Rafale, o governo brasileiro também firmou com a França ontem o compromisso de adquirir submarinos com tecnologia nuclear e helicópteros de transporte do tipo EC-725. A ideia inicial é adquirir ao menos 50 aeronaves. Os helicópteros serão produzidos pela Helibras, que tem entre os acionistas a francesa Eurocopter.
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O Estado de S. Paulo - 8/9/2009
Rafale expande aviação de combate no Brasil
Força Aérea vai criar dois novos grupos, um no Norte e outro no Nordeste, como resultado da aquisição dos caças franceses pelo governo brasileiro
Roberto Godoy
O Comando da Força Aérea vai criar ao menos dois novos grupos de aviação de caça, no Norte e no Nordeste, deslocando para essas áreas parte da frota atual, formada por F-5EM, bombardeiros leves AMX e, talvez, o Mirage 2000C/B.
O novo desenho da aviação de combate está diretamente ligado ao advento do Rafale-3, a versão mais avançada do supersônico francês, cuja escolha pelo governo para compor a frota de aeronaves de combate de alta tecnologia e múltiplo uso foi anunciada ontem, em Brasília.
O contrato, envolvendo 36 unidades, deve chegar a 4 bilhões. É apenas o início. O programa contempla encomendas suplementares ao longo da próxima década, tendo como referência um lote de até 120 aviões.
Segundo o ministro da Defesa, Nelson Jobim, o modelo previsto é o da padronização da plataforma, em que um mesmo tipo de caça serve às diversas especificações - eventualmente, também da aviação naval.
No arranjo das novas unidades de ataque e interdição, está sendo considerada a necessidade de intervenção na região da Amazônia, fronteiras norte-noroeste e a projeção sobre o oceano Atlântico a partir de pontos no litoral do nordeste.
A princípio seriam levados a essas instalações os modernizados F-5EM, jatos supersônicos revitalizados pela Embraer. Há 59 deles no inventário da FAB. O mesmo movimento pode atingir os 53 AMX, caças bombardeiros de precisão e provavelmente os 12 Mirage 2000 atualmente no 1º Grupo de Defesa Aérea da base de Anápolis, próximo a Brasília, em Goiás, responsável pela proteção do Distrito Federal e de determinados alvos estratégicos.
O Rafale Mark 3 escolhido pelo Brasil está chegando agora a Armée de L’Air, a aviação militar da França. O primeiro protótipo foi apresentado em 1985. O desenvolvimento foi lento até a assinatura do primeiro contrato, em 1993. De acordo com o informe anual da presidência da república, o governo francês investiu, ao longo de 23 anos, completados em dezembro de 2008, aproximadamente 39 bilhões no programa. O horizonte de encomendas, entre pedidos firmes e opções futuras, era de 282 unidades para a Força Aérea e a Marinha. De acordo com especialistas brasileiros, o destaque do modelo é o novo radar RBE2, da companhia Thales. O equipamento é capaz de detectar alvos, vários deles simultaneamente - priorizando o engajamento na medida do grau de ameaça - a distância superior a 180 quilômetros. A integração com os outros recursos eletrônicos de combate é tida como "irrepreensível" pelo chefe de operações da fabricante Thales, Pierre Chaltiel.
No batismo de fogo, nas operações do Afeganistão, o Rafale cumpriu missões de ataque ao solo e de interdição com os sistemas em escala progressiva "e em nenhum momento foi necessário recorrer ao nível máximo dos equipamentos de bordo".
Dassault prevê concluir negócio no ano que vem
Andrei Netto, PARIS
Os 36 aviões de caça Rafale que serão adquiridos pelas Forças Armadas brasileiras custarão ao país entre € 3 bilhões e € 4 bilhões, dependendo do pacote tecnológico e dos armamentos que acompanharão as aeronaves. Para a Dassault, o início das negociações, que devem ser concluídas até 2010 - com a entrega de um primeiro aparelho em 2012 - representa não apenas uma grande venda em meio à crise do setor aeronáutico, mas o fim de 20 anos de negociações frustradas para a exportação dos caças franceses.
O anúncio realizado em nota oficial emitida em Brasília foi celebrada em Paris. "Se o presidente brasileiro anuncia sua decisão de negociar a compra dos Rafale, nós passamos a acreditar que essa venda de fato acontecerá", afirmou ao Estado Yves Robins, diretor de Relações Exteriores da Dassault em Paris, sem confirmar as cifras.
A companhia aposta em vários meses de discussões com o Ministério da Defesa do Brasil. Será necessário definir os termos da parceria que a Dassault será obrigada a forjar com empresas brasileiras, entre as quais a Embraer, da qual tem participação. "Estamos abertos à cooperação industrial mais larga possível, e naturalmente penso na Embraer. Mas há enormes variáveis para determinar a produção local, que exige infra-estrutura de produção cujos investimentos precisam ser rentabilizados", disse.
Do ponto de vista financeiro, a vitória na concorrência FX-2 representa um alívio financeiro para a companhia. A Dassault enfrentava os efeitos da crise do setor aeronáutico militar. Em abril, a companhia reconheceu que em caso de persistência da recessão, seria obrigada a adotar um plano de demissões.
A mídia francesa - incluindo o Le Monde e o La Tribune, além dos telejornais noturnos - destacou o fim de um tabu, que era a dificuldade da venda do avião no exterior.
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Folha de S. Paulo - 8/9/2009
Estratégia do silêncio
Compras militares à França trazem custos, privilégio e pressupostos que ainda precisam ser muito bem esclarecidos
COM A escancarada preferência por caças franceses numa disputa que ainda estava em curso, a gestão Lula repetiu, na área militar, o lamentável enredo da escolha do padrão japonês para a TV digital. Encantadas pelo lobismo, autoridades federais logo abandonam a neutralidade e perdem a latitude necessária para a defesa do interesse público.
Confirmada ontem, não sem surpresa, a compra dos aviões aos franceses será apenas um capítulo -um capítulo de R$ 10 bilhões- numa aproximação bem mais profunda entre Brasília e Paris. Um sorridente Nicolas Sarkozy assinou em Brasília a peça principal desse pacto, que trata, entre outros pontos, do fornecimento às Forças Armadas brasileiras de quatro submarinos convencionais e um outro, a ser adaptado ao reator nuclear da Marinha do Brasil.
Numa tacada apenas, comprometeram-se, além dos encargos financeiros, R$ 23 bilhões em recursos do contribuinte, a serem despendidos nos próximos 20 anos. Para ter ideia da dimensão do acordo, seu custo é comparável à soma dos de Jirau e Santo Antônio, as duas grandes usinas hidrelétricas em construção no rio Madeira, em Rondônia.
Não se questionam as prioridades das compras militares. Elas se enquadram no projeto de conferir mais mobilidade, tecnologia e poder de dissuasão às Forças Armadas, a fim de que possam, sem recorrer à mobilização maciça de tropas e recursos, patrulhar com eficiência um país continental. A questão específica é saber, no cotejo entre custos e benefícios, se a aproximação nos termos propostos com a França é mesmo a melhor resposta.
Um dos pontos sempre levantados para tentar justificar a aliança preferencial com os franceses seria a disposição de Paris de transferir tecnologia militar ao Brasil. De fato, há pouco incentivo para comprar de países como os EUA, que costumam bloquear o intercâmbio tecnológico. Mas não se sabe ao certo, por exemplo, que tecnologia será transferida pelos franceses ao custo de quase R$ 3 bilhões.
Outro ponto obscuro do acordo com a França é a contratação, sem licitação, da empreiteira brasileira Odebrecht para construir uma base naval e um estaleiro -obras em que o governo federal comprometeu-se a desembolsar R$ 5 bilhões. As autoridades brasileiras transferem a explicação desse privilégio para o governo francês, do qual teria partido a exigência. Seria anedótico, se não soasse escandaloso.
Ministério Público, Tribunal de Contas da União e Congresso Nacional precisam abrir essa e outras caixas-pretas do acordo com a França. O caráter "estratégico" do pacto não exime o Executivo de prestar contas nos foros adequados.
Um inimigo comum
ELIANE CANTANHÊDE
BRASÍLIA - Há uma lógica cristalina na definição pelos caças Rafale para renovar a frota da FAB e fechar o pacotaço militar do Brasil de Lula com a França de Sarkozy. Uma lógica não só técnica ou comercial, de compra e venda, mas política.
Por trás dos 36 caças, 4 submarinos, 50 helicópteros e tecnologia para construir uma base, um estaleiro e um submarino de propulsão nuclear, por bilhões de euros, há uma decisão geopolítica: a França e o Brasil se unem, não exatamente contra os EUA, mas por um melhor equilíbrio internacional.
Numa comparação doméstica, Colômbia e Peru aprofundam a sua dependência dos EUA, e Venezuela arrasta Equador e Bolívia para os braços da Rússia e do Irã, enquanto o Brasil escapa da polaridade e opta pela França. Os dois são aliados dos EUA, mas não incondicionais, e tentam evitar que os US$ 13 tri de PIB da maior potência definam os destinos do mundo. Nem por isso alimentam o "outro lado".
A França é um país central do mundo rico, um dos mais sofisticados tecnologicamente e o mais político da Europa. E o Brasil é um país continental, com a Amazônia, a Amazônia Azul, mercado crescente e, agora, o pré-sal. Fecha as duas pontas: biocombustíveis e petróleo.
Sem falar nas jazidas de urânio, entre as maiores do planeta.
Desde o início de 2008, quando Jobim foi à França, à Rússia e aos EUA, ele deixou clara, em inúmeras declarações, a preferência brasileira pelos submarinos e caças franceses. E que, por trás das compras, havia o interesse estratégico.
O Brasil já diversificou seus mercados e, ao fechar o maior pacote militar de sua história, sinaliza ao mundo: França, pelos ricos, e Brasil, pelos emergentes, se movem contra o chamado "mundo unipolar". Ou seja: trabalham para neutralizar a força acachapante dos EUA no pós-Guerra Fria. É mais uma alavanca para a almejada liderança do Brasil nesse novo mundo.
O fio da navalha
CARLOS HEITOR CONY
RIO DE JANEIRO - Uma curiosidade gráfica e histórica está ocorrendo nos eventos sobre os 70 anos do início da Segunda Guerra Mundial. Geralmente, ou quase obrigatoriamente, o logotipo de uma guerra, seja ela qual for, é dado pelos vencedores, ou pelo vencedor. Foi assim com as conquistas de Alexandre, de César, da formação dos vastos reinos e impérios. Ao vencedor tudo, inclusive nome e efígie. Aos derrotados nada.
Com o último conflito mundial está se dando o contrário, e não somente agora, por causa do aniversário redondo. No subconsciente da humanidade, os nomes que ficaram como símbolos da guerra foram os derrotados Hitler e Mussolini, evidente que respeitando-se a importância do primeiro sobre o segundo.
Basta a cara de Hitler, com sua franjinha na testa e seu bigode chapliniano, e logo nos vem a ideia da pior guerra da história, a mais cruel e a que gerou mais subprodutos, como o Holocausto.
Os cadernos e matérias midiáticas que lembram o ano de 1945 são condensados nas duas figuras ditatoriais, juntas num carro ou numa parada, ou separados em seus respectivos fronts.
Sim, também aparecem, em tamanho e importância menores, as fotos de Roosevelt, de Churchill e de Stálin, o primeiro sendo substituído por Truman já no final da guerra. Mas os vencedores funcionam como vinhetas gráficas para ilustrar o principal, que é a cara de Hitler, fazendo a saudação nazista, ou a suástica, que é a sua logomarca exclusiva.
Não há imagem famosa de Napoleão derrotado: sobram os momentos de glória em Marengo e Austerlitz. Por que aconteceu o contrário, o vencido mais exposto do que o vencedor?
Alguma coisa ainda precisará ser dita sobre uma guerra que colocou a humanidade no fio da navalha entre a civilização e a barbárie?
Acordo equivale ao gasto dos EUA em 10 dias
Pacote militar não transformará o Brasil numa potência, mas dará boa capacidade de defesa e pode ser crucial para futuros conflitos na AL
Dependência de um único fornecedor, a França, é um dos problemas, porque mudanças políticas podem levar a alteração no contrato
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Com o acordo assinado ontem com a França, o Brasil começa a enterrar o discurso de que ser pacifista significa ter Forças Armadas mínimas. Mas nem por isso se transformará numa potência militar a ameaçar os seus vizinhos.
Os valores envolvidos só encontram similares no mundo emergente nos gastos da Índia -que irá comprar US$ 11 bilhões em aviões de combate em breve. Mas os mais de R$ 30 bilhões a serem gastos em 20 anos na compra de submarinos, helicópteros e caças representam cerca de dez dias do gasto militar americano em 2008.
Não deverá haver impacto significativo no gasto militar proporcional ao PIB, hoje na casa dos 1,5%. É compatível com a média de 1,3% da América Latina, mas no caso brasileiro mais de 80% são gastos com salários e pensões. Ainda assim, para fins de comparação, o gasto previsto para o PAC neste ano está em R$ 22 bilhões.
O objetivo final da Marinha, um submarino de propulsão nuclear, colocará o Brasil num clube seleto hoje com seis nações que têm esse tipo de embarcação. Em tese, não haverá rival naval para o país na região.
Se não são adequados para patrulhar a costa, como inicialmente o governo tentou alegar, projetam uma ameaça silenciosa a milhares de quilômetros -desencorajando frotas hostis.
A construção da nova base e estaleiro devido às exigências francesas tem alto custo, 1,8 bilhão de euros, quase o mesmo que será gasto no modelo de propulsão nuclear. A escolha fechada da construtora Odebrecht para a realização da obra pelos franceses também é questionável -a Defesa diz que fazia parte do "pacote" francês.
No caso dos helicópteros e caças, o que há é um reaparelhamento de uma frota que vai caducando dia a dia. Mesmo o plano da FAB de no futuro ter 120 aviões padronizados de combate, no caso o Rafale, apenas coloca o Brasil numa posição confortável de defesa de seu território, e não como uma ameaça aos vizinhos.
A modernização militar é necessária num cenário de crescente instabilidade na América Latina. As compras anunciadas ontem são maiores que as feitas pela Venezuela na Rússia, mas são menos "completas" em variedade do que a modernização que o Chile vem promovendo há alguns anos. Um cenário de confronto entre algum país alinhado a Caracas com seus vizinhos não é desprezível.
Isso tudo pesa na elaboração de uma parceria estratégica, que tem como desvantagem básica a colocação de todos seus recursos num único fornecedor: uma mudança política em Paris no futuro, ainda que improvável, pode comprometer o acordo. (IGOR GIELOW)
ANÁLISE
Congresso omitiu-se da discussão
MARCO CHIARETTI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
"Brasil já vai à guerra, comprou porta-aviões, um viva pra Inglaterra, de 82 milhões." A música de Juca Chaves ironizava nos anos 50 a pretensão eterna do Brasil à condição de potência. O Minas Gerais não era arma para tanto, mas a compra de agora é diferente. Se realmente se realizar na forma em que é anunciada (e sem entrar no mérito da decisão), o que ela faz é nos transformar de fato em uma potência militar média. Com todas as consequências que isso traz.
Tudo isso exige também uma discussão que nunca foi feita, no plano do Congresso, sobre as consequências políticas, a médio e longo prazo, dessas decisões. Aparentemente, esta legislatura não tem a menor condição de fazê-lo. Resta ver se os eleitores escolherão a próxima pensando nisso. Parece difícil.
O Congresso analisou em detalhe os planos de rearmamento? Não. O Congresso atual não é capaz de analisar nada em detalhe, afundado em uma crise sem fim. O Senado resolveu em 48 horas a questão do empréstimo, necessário para a compra. Dois dias. Outra participação "essencial" dos congressistas foi ter aceito uma viagem de cortesia para ver os aviões in loco, ou seja, viajaram à França convidados pelo fornecedor.
A estratégia de Defesa do país terá de enfrentar problemas enormes, o não menor deles o fato de que nunca nossas Forças Armadas usaram as armas que agora se está comprando, produzidas por estes fornecedores, que utilizam especificações técnicas diferentes dos armamentos que possuímos.
Teremos de aprender tudo. Teremos de montar uma indústria capaz de fornecer insumos para estas armas, montar estoques, preparar técnicos, tripulações, construir bases. As compras de agora obrigam o país a ter de olhar de frente esta questão. Potências médias exigem preparação de potências médias. E orçamentos militares proporcionais a esta pretensão. Não basta comprar armas de US$ 2 bilhões. Há que mantê-las. O que custa bem mais do que isso.
A frota brasileira, armada de submarinos de ataque com propulsão nuclear, não teria nenhuma rival na região. Dependendo do número de navios e de suas especificações técnicas, poucos rivais fora. Seria soberana no Atlântico Sul. Isso tem consequências no plano da política externa. Foram analisadas pelo Senado?
Isso, aliado a uma aeronáutica eficiente e bem armada, muda o cenário geopolítico da região, e força nossos vizinhos a rever suas posições vis-à-vis o Brasil. Assim como muda nossa forma de ver a política regional.
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Correio Braziliense - 8/9/2009
Visão do Correio
Além de Sarkozy
As comemorações da Independência foram além da entonação do Hino Nacional, do desfile militar na Esplanada dos Ministérios e da presença de Nicolas Sarkozy em visita a Brasília. No Ano da França no Brasil, acordo estratégico militar bilionário fez parte dos festejos. Ao custo de cerca de R$ 22,5 bilhões, Brasília se dispõe a comprar 50 helicópteros de transporte e quatro submarinos, além de obter tecnologia para fabricar um de propulsão nuclear. O valor deve sofrer incremento caso se concretize a aquisição de 36 caças. A palavra final caberia ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, mas o presidente Lula antecipou-se e anunciou ontem mesmo, ao lado do visitante, a “decisão política” de fechar o negócio.
Ninguém duvida da necessidade de o Brasil modernizar as Forças Armadas. Ninguém duvida também da necessidade de o país capacitar-se em tecnologia nuclear para fabricar submarino movido a energia atômica. A concretização do negócio abrirá para Brasília as portas do clube de seis países com tal capacidade — Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia, China e Índia. Veja-se que, dos Brics, sigla que engloba Brasil, Rússia, Índia e China, só o Brasil amarga a defasagem na área.
O tema envolve interesses nacionais e internacionais. Outros fornecedores disputaram a preferência do Palácio do Planalto. A escolha de Paris veio ao encontro de dois interesses. De um lado, o desejo da França de ampliar suas relações privilegiadas. A aliança com o Brasil é bem-vinda graças à economia pujante da nação sul-americana e à possibilidade de a nação europeia ampliar os tentáculos para outras áreas. De outro, a vontade do Brasil de afirmar sua política sem a hegemonia de Washington, embora, com a decisão, contrarie interesses do governo e das indústrias naval e aeronáutica da potência do Norte. Vale lembrar que, além dos negócios, Paris apoia sem reservas a intenção brasileira de ocupar cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Uma das preocupações decorrentes da parceria Brasília-Paris recai no fato de, em assunto tão estratégico, pôr todos os ovos em uma só cesta. As autoridades brasileiras alegam que o casamento favorecerá a transferência de tecnologias sensíveis ao país e dará robustez à posição brasileira em questões que dependem do apoio francês. Especialistas afirmam que a dependência de um só fornecedor em várias áreas acarreta riscos. Até a transferência de tecnologia não é tão certa quanto o preto no branco. São questões que o Congresso deve analisar com cuidado. Caberá, portanto, ao Legislativo decantar as negociações para distinguir o que é útil ao interesse nacional e o que pode acarretar prejuízo. Não é tarefa fácil. Impõe-se colocá-la acima dos preconceitos ideológicos e das quizílias partidárias.
A fonte seca da Minustah
por Guilherme Queiroz (interino)7
O arrocho nos repasses do Orçamento da União ao Exército, que levou quartéis a reduzir refeições e a adotar meio expediente para conter gastos, começa a trazer prejuízos às forças de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) sob comando brasileiro no Haiti — operação conhecida como Minustah. Sem peças de reposição, dez veículos de transporte e uma perfuratriz, essencial na sondagem de poços artesianos para fornecimento de água potável, estão parados, aguardando conserto. O quadro foi relatado a senadores da Comissão de Relações Exteriores do Senado em visita recente ao país caribenho.
Embora tenha parte dos custos arcados pela ONU, a Minustah teve seu orçamento brasileiro de R$ 129 milhões tesourado pelos cortes do primeiro semestre. Em negociações com o Ministério do Planejamento, o Exército propôs passar o ano com R$ 90 milhões, desde que R$ 68 milhões fossem liberados até agosto para bancar o treinamento de 1,3 mil homens a cada semestre, um destacamento de engenharia e o transporte de equipamentos. Levou R$ 39 milhões.
VIP
Declarada vencedora do programa FX-2, que renovará a frota da Aeronáutica com 36 novos caças do modelo Rafale, a francesa Dassault estava representada por seu presidente, Charles Edelstenne, no palanque oficial do desfile da Independência. O executivo passou a solenidade ao lado da ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Cara e coroa
Em conversa com jornalistas franceses que acompanham a comitiva do governo francês, no domingo à noite, o presidente Nicolas Sarkozy havia se declarado “muito otimista” com as chances de a Dassault arrematar os R$ 4 bilhões do programa FX-2. Já a imprensa destacava a forte resistência da Força Aérea Brasileira ao caça Rafale.
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Istoé Dinheiro
Economia
A maior compra bélica da história
O que está por trás da decisão do governo de comprar R$ 20 bilhões em submarinos e como a tecnologia nuclear mudará a lógica da defesa no pré-sal e nas fronteiras marítimas
Denize Bacoccina, Gustavo Gantois e Leonardo Attuch
À frente do grande negócio de 2009: o ministro da Defesa, Nelson Jobim, concluiu a aquisição dos submarinos Scorpène e está prestes a fechar a compra de helicópteros e caças
Na noite da quinta-feira 3, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, estava eufórico. Havia concluído uma etapa crucial no processo de reaparelhamento das Forças Armadas. Com autorização do Senado, o Brasil investirá R$ 20 bilhões na compra de cinco submarinos franceses, incluindo um nuclear.
Além disso, Jobim está prestes a fechar mais um acordo militar, de R$ 5 bilhões, para a compra de helicópteros. "Temos que proteger o pré-sal e, para isso, é preciso pensar grande", disse ele à DI NHEI RO (leia sua entrevista à página 39).
"É o momento mais importante da Marinha nos últimos 30 anos", reforca o contra-almirante Wellington Liberatti, que comanda o programa naval. Agora, o Brasil poderá concluir o projeto do seu submarino nuclear, numa decisão que terá repercussões tecnológicas e geopolíticas.
No Sete de Setembro, ao lado do francês Nicolas Sarkozy, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixará clara a ambição brasileira de ganhar peso político em organismos internacionais, como o Conselho de Segurança da ONU. E falará ainda da necessidade de proteção do pré-sal, que ele define como uma "segunda independência".
O dinheiro dos submarinos, que faz parte do Programa Nacional de Defesa, um dos carros-chefes da gestão de Jobim, virá de um financiamento de E 5 bilhões. Foi aprovado na semana passada, com prazo de 20 anos, e será liderado pelo BNP Paribas
Impacto na indústria: o contra-almirante Wellington Liberatti diz que o projeto dos submarinos irá transferir tecnologias para a área civil
Com os recursos, o Brasil será o sexto país do mundo com um submarino a propulsão nuclear, depois de Estados Unidos, França, Inglaterra, Rússia e China. Ele deverá ficar pronto em 2014 e será construído numa nova base naval, na cidade de Itaguaí, no Rio de Janeiro, que deverá empregar cerca de cinco mil pessoas.
A vantagem de um submarino nuclear, na comparação com os convencionais, é a possibilidade de ficar submerso por muito mais tempo, em águas ultraprofundas, sem ser captado por sonares ou imagens de satélite.
E o brasileiro entrará em operação no mesmo momento em que o petróleo do pré-sal estará sendo extraído a pleno vapor, de acordo com as estimativas da Petrobras. "Mais de 90% do petróleo brasileiro vem do mar. Se não formos capazes de guardar isso, estaremos suscetíveis a todo tipo de ataques, como piratas e até mesmo terroristas", afirma o capitão de mar e guerra Emílson Paiva de Faria, assessor de Estratégia da Marinha.
Além disso, o Brasil está prestes a expandir suas fronteiras navais, com autorização da ONU, em áreas onde há também reservas comprovadas de petróleo - elas passarão de 3,5 milhões para 4,5 milhões de quilômetros quadrados. O processo de compra dos submarinos enfrentou a resistência de concorrentes alemães, que chegaram a apresentar uma proposta mais barata na última hora.
Só que com um detalhe: ao contrário dos franceses, os alemães não operam submarinos nucleares e não haviam previsto, na fase inicial, a construção de uma base naval no Brasil. "Foi choro de perdedor", disse Jobim, a respeito da posição alemã. Americanos e ingleses, por sua vez, são proibidos por lei de ceder a outros países a inteligência da área bélica
Reforço financeiro: o comandante Moura Neto diz que a Marinha terá de investir R$ 5 bilhões ao ano até 2020
A Rússia vende apenas o equipamento, enquanto o submarino chinês encontra-se em fase de teste. Restou a França, cuja empresa naval, a DCNS, concordou com a instalação da base naval no Brasil, que será feita em parceria com a Odebrecht.
No projeto nuclear, o grande desafio de engenharia é a construção de um casco duplo, capaz de receber, sem riscos, a propulsão nuclear. O reator, cuja tecnologia o Brasil já domina, é desenvolvido desde 1979 no Centro de Aramar, em Iperó, no interior de São Paulo. A lém de modernizar as Forças Armadas, os cinco novos submarinos trarão ainda um benefício de longo prazo para a economia brasileira.
As tecnologias bélicas (leia gráfico abaixo) poderão ser apropriadas pela indústria nacional e utilizadas também na área civil. Muitas coisas que hoje fazem parte do dia a dia surgiram como uso militar. É o caso dos radares, GPS, laser, internet e até micro-ondas. Na produção dos submarinos serão desenvolvidas, por exemplo, bombas hidráulicas de alta pressão que poderão ser empregadas na indústria petrolífera, nas plataformas marítimas.
O conjunto de baterias, com orçamento de US$ 7 milhões, será produzido por um fornecedor brasileiro. Além do contrato milionário, a indústria que conseguir a encomenda terá desenvolvido tecnologia que poderá ser útil em outros projetos. "O cerne deste contrato com a França é a transferência de tecnologia", diz o contra-almirante Wellington Liberatti
Sessão no senado: líderes dos partidos fecharam acordo na Comissão de Assuntos Econômicos para depois aprovar o empréstimo no plenário
O contrato dos submarinos representa ainda uma guinada de 180 graus na situação financeira da Marinha. O orçamento da área naval nunca foi muito abastado, mas em 2002 chegou ao ponto mais crítico, com um gasto de R$ 788 milhões e apenas R$ 46 milhões de investimentos.
"Agora, teremos de investir, no mínimo, R$ 5 bilhões por ano pelos próximos 20 anos", disse à DINHEIRO o comandante da Marinha, almirante Julio Soares de Moura Neto. "Esse plano não vai resolver todos os problemas militares de uma só vez, mas se o governo investir o que propõe, vai certamente colocar o nome do Brasil em outro patamar na região", diz o estrategista militar Geraldo Cavagnari, fundador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp.
O acordo Brasil-França serve aos interesses brasileiros de se projetar como potência regional e ser um importante ator global. Os cinco países que já têm submarino com propulsão nuclear são justamente os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Além disso, no caso da Marinha, o Brasil tem interesses bem práticos a proteger na região do petróleo. No modelo montado por Jobim, naviospatrulha ficariam mais perto da costa. No limite do pré-sal, naviosescolta e os porta-aviões. Fechando a estratégia, os submarinos fariam o monitoramento da região.
Como são os submarinos Scorpène que o Brasil está adquirindo do consórcio formado pela empresa francesa DCNS e pela Odebrecht
E 6,8 bilhões é o valor total do pacote bélico, que se divide em duas partes, conforme abaixo
E 1,9 bilhão serão gastos na construção do estaleiro e da base naval
E 4,9 bilhões incluem os quatro submarinos convencionais, o casco do nuclear e a transferência de tecnologia
Por que o lobby alemão fracassou
Tentativa de barrar a compra esbarrou num detalhe crucial: a Alemanha não tem submarinos nucleares
Um mês atrás, no dia 6 de agosto, uma carta da empresa alemã HDW foi protocolada no Comando da Marinha e no Ministério da Defesa, com cópia para o embaixador Friedrich Prot von Kunow. Nela, os alemães se propunham a vender submarinos mais baratos do que os franceses, ao custo total de E 2,5 bilhões.
Depois, a carta vazou numa tentativa de se criar um escândalo internacional. Na Marinha, os oficiais não gostaram da postura da HDW, mas não mudaram uma vírgula do projeto. "Os alemães reclamam, mas não têm o submarino nuclear", disse à DINHEIRO o contra-almirante Wellington Liberatti.
De fato, ao contrário da França, a Alemanha é um país que, até na área energética, decidiu fechar todos seus reatores. E o ponto mais importante no projeto da Marinha, segundo Liberatti, é a possibilidade de migrar da tecnologia convencional para a nuclear - o que os Scorpène permitem.
"Com o acordo com a França vamos ganhar 30 anos", diz ele. Procurado pela DINHEIRO, o embaixador alemão não quis comentar a pressão da HDW. Até porque as empresas alemãs, como a Siemens, estão bem posicionadas em outra disputa bilionária: a do trem-bala
"Agora, vamos poder proteger o pré-sal"
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, está completando o mais ambicioso programa de reaparelhamento da história das Forças Armadas, com a compra de submarinos, caças e helicópteros. Na quinta-feira 3, ele falou com exclusividade à DINHEIRO.
"Quem pensa pequeno, fica pequeno para sempre. e o Brasil tem obrigação de pensar grande em função de sua economia"
Dinheiro - O Brasil anuncia nesta segunda- feira contratos com a França para a produção no País de submarinos e helicópteros. Qual é a importância desses investimentos para a defesa brasileira?
Nelson Jobim - Com o submarino nuclear, o Brasil ganha poder dissuasório na plataforma continental. Com a ampliação da plataforma continental, ganhamos mais um milhão de quilômetros quadrados, temos agora 4,5 milhões de quilômetros quadrados para proteger. Os objetivos são dois. O primeiro é de natureza estratégica e de defesa. Temos que proteger nossos interesses no mar. O segundo é o arrasto tecnológico que estas empresas trazem para o Brasil, ao se associar a empresas brasileiras. Vamos ter aliança com várias empresas brasileiras de alta tecnologia.
Dinheiro - Existe alguma exigência de conteúdo nacional nas compras da Marinha?
Jobim - Sim. Boa parte desses equipamentos vai ser produzida no Brasil. E toda essa tecnologia será apropriada pelas empresas brasileiras na construção do miolo do submarino, que está sendo todo desenvolvido no Brasil. É uma coisa parecida com o que aconteceu com a Embraer quando fizeram acordo com os italianos.
Dinheiro - A tecnologia desenvolvida para uso militar também poderá ser usada na indústria civil?
Jobim - Claro, porque a propulsão nuclear que será usada para movimentar o submarino também serve para energia elétrica. Podemos desenvolver este uso. Além disso, vamos desenvolver tecnologia na integração dos sistemas, como os de refrigeração, e avançar na resistência de materiais. E há o sistema de metalurgia em relação a casco. Tudo isso vem junto com a tecnologia militar e é depois usada na indústria, para outros fins
Dinheiro - E em relação ao emprego?
Jobim - A participação da indústria brasileira vai permitir um avanço tecnológico muito grande e vai incentivar a formação de mão de obra especializada. No futuro teremos no Brasil uma reserva de mão de obra altamente qualificada, em decorrência desses acordos.
Dinheiro - O Brasil vai ser o sexto país do mundo a ter um submarino com propulsão nuclear. Isso muda a posição geopolítica do País?
Jobim - Muda. Mas a diferença fundamental é que o submarino do Brasil não usa arma nuclear, ao contrário dos outros países. Apenas a propulsão é nuclear. Nós não podemos, temos proibição constitucional. Mesmo assim, o contrato nos coloca num grupo restrito de países.
Dinheiro - Isso ajuda o Brasil nas pretensões de integrar o Conselho de Segurança da ONU e na liderança regional?
Jobim - Talvez como consequência, mas não como fundamento. O fundamento é o fortalecimento do poder dissuasório. A negação do uso das águas brasileiras para terceiros. A proteção das nossas plataformas petrolíferas e de toda a riqueza do mar. Melhorar nossa posição geopolítica é uma consequência, mas não o objetivo. Agora, vamos poder proteger o pré-sal.
Dinheiro - Os investimentos em defesa aumentaram muito nos últimos anos, mas ainda não são muito elevados. Qual é o cenário para os próximos anos?
Jobim - Temos vários projetos em desenvolvimento. Agora vamos anunciar os helicópteros e os submarinos, projetos de R$ 20 bilhões e de R$ 5 bilhões. Estamos analisando a compra dos caças. É um assunto que ainda não foi resolvido.
Dinheiro - E qual o volume total de investimentos previstos?
Jobim - Ainda não temos isso fechado, mas temos vários projetos em andamento. E ainda tem os programas de mobilidade estratégica do Exército. A Iveco, da Fiat, desenvolveu o protótipo de um novo tipo de blindado, que estamos chamando de Urutu 3. Mais para a frente vamos discutir os programas do Exército. Temos os programas dos satélites brasileiros
Dinheiro - Como serão os satélites?
Jobim - Satélites de monitoramento do mar e da Amazônia. Vamos monitorar toda a linha entre Amapá e o início do Paraná, uma área com cerca de dez mil quilômetros de extensão. Tem muita coisa que nós estamos construindo.
Dinheiro - É a volta do Brasil grande?
Jobim - Tem uma frase que não é minha, é do dr. Ulisses Guimarães, que mostra isso: quem pensa pequeno fica pequeno. Por isso, nós temos que pensar grande. É nossa obrigação, até em razão da relevância econômica do Brasil.
Economia
Submarinos
Uma relação especial
Depois de anos de afastamento, Brasil e França voltaram a ser grandes parceiros econômicos e também na esfera diplomática
Gustavo Gantois
No fim do ano passado, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, esteve no Brasil pela primeira vez acompanhado da esposa, Carla Bruni. Oficialmente, os dois vinham apenas passar o Natal ao lado do pai dela, o italiano Maurizio Remmert, que vive em São Paulo. Sarkozy, no entanto, cumpriu uma agenda política e empresarial.
E voltou à França com um acordo bilionário na área militar, que previa a compra, pelo governo brasileiro, de cinco submarinos. Agora, o presidente francês retorna mais uma vez ao Brasil com bons motivos para estourar champanhe.
Ele chega para o feriado de 7 de Setembro, quando aquele acordo, que era apenas um guarda-chuva, se desdobrará em vários contratos formais. Um dia depois, Sarkozy e o presidente Lula receberão 400 empresários para o Fórum Sustentabilidade, que discutirá o papel das empresas francesas no Brasil.
E, na quarta-feira 9, os franceses estarão também promovendo um seminário, em Brasília, sobre sua experiência com trens de alta velocidade. "Não há como discutir uma nova ordem mundial sem a presença do Brasil", tem dito Sarkozy. A inda que este seja o Ano da França no Brasil, nunca houve uma aproximação tão forte entre os dois países como agora.
E se isso, para a França, pode significar grandes contratos na área militar, em que eles administram o terceiro maior orçamento do mundo, com gastos anuais de US$ 65,7 bilhões, para o Brasil pode trazer benefícios tecnológicos e geopolíticos. "O Brasil hoje enxerga na França um parceiro estratégico em suas ambições", disse à DIN HEIRO IRO o embaixador Sérgio Amaral, que já serviu em Paris.
Os franceses, por exemplo, têm apoiado todas as iniciativas brasileiras na área internacional - entre elas a de substituir o G-8 pelo G-20 como organismo central nas discussões econômicas globais. "O Brasil terá nosso apoio num sistema renovado de governança mundial, o que inclui o Conselho de Segurança da ONU", disse à DI NHEIRO a ministra das F inanças da França, Christine Lagarde, numa entrevista recente.
No Quai D´Orsay, base da diplomacia francesa, o Brasil é visto hoje como um país cada vez mais relevante - e com a grande vantagem de não estar alinhado a outras potências na área militar, como Estados Unidos, Rússia e China.
Além disso, o mercado interno brasileiro é crucial para as multinacionais francesas - em 2008, o Brasil ultrapassou a França e se tornou o quinto maior produtor de automóveis do mundo. "O mercado brasileiro já tem 100 milhões de pessoas com bom poder de compra", avalia Christophe Lecourtier, diretor-geral da Ubifrance, a agência francesa de exportações.
A tualmente, o comércio entre os dois países é relativamente equilibrado e movimentou US$ 3,5 bilhões no primeiro semestre deste ano. Entre as novas prioridades da França estão a venda de helicópteros e aviões para a Força Aérea Brasileira, além da disputa para a construção do trem de altíssima velocidade entre Rio de Janeiro e São Paulo.
Outro foco de interesse é a integração entre Brasil e a Guiana. Em fevereiro do ano passado, Sarkozy e Lula lançaram as obras da ponte que ligará o Amapá à cidade de Saint George, na Guiana, um pedido que o francês fez pessoalmente a Lula. E uma nova visita à obra já está marcada para fevereiro de 2010
Economia
Submarinos
Tem lugar para o Brasil?
Por trás da compra de armas, está o sonho de entrar no conselho de segurança, uma ambição do Itamaraty e das Forças Armadas
Os ponteiros do mundo apontam para o Brasil. Neste ano de espera pela recuperação econômica dos principais países, por aqui os negócios estão intensos. Quem não descansou um minuto sequer foi o relógio da Marsh Corretora de Seguros. Projetos de infraestrutura e engenharia formaram pilhas na mesa de Thomaz Menezes, presidente para o Brasil e América Latina. Era preciso sair em busca de resseguradoras interessadas em dividir o risco de grandes obras entre as mais de 80 autorizadas a trabalhar no mercado brasileiro após o fim da exclusividade do IRB no ano passado. O mais importante deles foi a construção da usina Santo Antônio, no rio Madeira. Em plena Floresta Amazônica, a Marsh nadou de braçadas.
A corretora foi uma das três empresas contratadas para repassar a apólice de R$ 9,5 bilhões da Santo Antônio, a maior do mercado de resseguros no mundo em 2009. O negócio ajudou a turbinar o resultado do primeiro semestre da corretora. Metade dos R$ 854 milhões em prêmios no mercado brasileiro vieram dos grandes riscos. “Com o bom desempenho no auge da crise, é possível que o mercado segurador como um todo continue em crescimento”, afirma Silas Devai, gerente sênior da área de seguros da Accenture. A Marsh, fundada em 1871, em Chicago, vendeu mundialmente US$ 11,5 bilhões no ano passado. Aqui, renovou as apostas no País diante dos negócios bilionários que estão por vir.
Em agosto, as resseguradoras garantiram R$ 7,5 bilhões nos projetos das usinas Jirau, também no rio Madeira, e (eólica) Gargaú, no Rio de Janeiro. É uma pequena parte de uma enorme lista de grandes projetos que estão na ponta da língua do presidente da Marsh: o PAC – Plano de Aceleração do Crescimento, o início das obras do pré-sal, a construção de estádios, além de toda a infraestrutura para a Copa de 2014. Isso sem contar com as reformas de aeroportos, usinas de etanol e energia. “O Brasil tem oportunidades maiores de crescimento do que a própria China no curto prazo”, avalia Menezes. A empolgação tem um bom motivo. Todas essas obras terão prêmios bilionários. E a Marsh quer ser a principal corretora nessa busca pelas resseguradoras.
Mas a missão não será fácil. Em 2008, o resseguro movimentou R$ 3,5 bilhões e o IRB ficou com praticamente todo o risco. Era ele quem se virava para encontrar os melhores preços para cada projeto. Com a abertura do mercado, nos seis primeiros meses deste ano 20% do total de R$ 1,6 bilhão de prêmios emitidos foi parar nas mãos das novas resseguradoras. “No sistema antigo, pagava-se caro, mas ninguém ficava sem o seguro. Após a abertura, as resseguradoras não são obrigadas a suportar um risco ruim”, diz Menezes. A seleção agora é maior. E os preços vão se ajustar no nível de risco de cada seguradora. “Mais do que nunca, é preciso ter uma boa estratégia. As resseguradoras não vão emitir apólices de R$ 1,5 bilhão sem se preocupar com o risco”, afirma o presidente da Marsh.
O mercado ainda está se ajustando a essa nova realidade. A forma da Marsh se preparar foi mexer nas peças dentro de casa. A corretora reforçou seu time com a contratação de três novos executivos. Eles trazem a experiência de quem já vestiu a camisa das seguradoras. Eduardo Almeida veio da SulAmérica; Renato Cassinelli, do Unibanco AIG; e Antonio Gonzalez, da Bradesco Seguros. “Ocupar o espaço aberto pelo IRB nos grandes riscos é muito importante e precisamos trabalhar com a cabeça das seguradoras”, diz Menezes. A Marsh quer ter especialistas que conheçam com profundidade cada um dos setores ligados aos grandes riscos. Por isso, outros três executivos fizeram, recentemente, um treinamento em Londres. Thomaz Menezes quer ter a pontualidade britânica para não se atrasar nesse mercado bilionário.
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Veja - 9/9/2009
Negócios
O fim de uma batalha aérea
Depois de onze anos de adiamentos, o governo está prestes a anunciar qual será o novo caça a ser comprado pela Aeronáutica brasileira
Fábio Portela e Leandro Narloch
O Brasil está prestes a tomar uma das decisões mais dispendiosas de sua história militar. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciará no mês que vem qual será o novo caça a equipar a Força Aérea. A compra de 36 aviões pode custar 4 bilhões de dólares. Hoje, a Aeronáutica dispõe de 110 caças, mas 90% deles, fabricados nos anos 70 e 80, estão totalmente ultrapassados. Os mais novos, doze Mirage 2.000, foram comprados de segunda mão e também já estão perto da aposentadoria. Comparada com a de outros países, a Força Aérea brasileira equivale a uma esquadrilha de teco-tecos. O Chile tem 28 caças F-16, o preferido pela operosa Força Aérea de Is-rael. A Venezuela, de Hugo Chávez, opera 24 Sukhoi 30, avião de combate russo que é um dos mais avançados do planeta. "Há quem diga que é desperdício gastar em caças, pois nenhum país atacará o Brasil. Quem pode prever uma coisa dessas? Em 1982, ninguém imaginava que a Argentina atacaria a Inglaterra nas Ilhas Malvinas. O mundo não é cor-de-rosa. Temos de nos precaver", diz Gunther Rudzit, ex-assessor do Ministério da Defesa.
A concorrência para a escolha dos aviões se arrasta desde 1998. Agora, a Aeronáutica está a um passo de concluir a análise técnica dos três finalistas: o Rafale, da francesa Dassault; o Gripen, da sueca Saab; e o F-18 Super Hornet, da americana Boeing. Aos olhos do observador leigo, eles se equivalem. São dotados do melhor avionics, o conjunto de instrumentos digitais de pilotagem, navegação e combate ar-ar ou ar-terra. "Hoje, os aviões são equipados com radares, sensores e transmissores de dados que lhes permitem combater adversários a muitos quilômetros de distância", diz Salvador Raza, professor da Universidade de Defesa Nacional, de Washington. Os novos caças detectam alvos a 170 quilômetros. Na década de 70, a distância de engajamento do inimigo em combate era de 20 quilômetros. Com turbinas mais potentes e econômicas, os caças atuais carregam o triplo de armamentos – até 10 toneladas de bombas e mísseis. Um joystick comanda a pilotagem e o acionamento das armas. Os alvos são visualizados e selecionados em um painel vir-tual, projetado em laser no vidro da cabine ou na própria viseira do capacete do piloto. Certas manobras e disparos podem ser comandados por um sensor que registra os movimentos da cabeça do piloto.
As diferenças decisivas entre os três caças são o preço e o modelo de transferência de tecnologia. O Gripen, o mais barato, custa 50 milhões de dólares. Ele ainda não é produzido em série e, para compensar esse fato, seu fabricante propõe terminar o desenvolvimento do avião junto com o Brasil. A proposta tem apelo para os militares, pois tornaria o país o 11º do mundo capaz de fabricar caças. A vantagem mais aparente do Super Hornet, que equipa os porta-aviões americanos, é ser um dos aviões de combate mais testados do planeta. Pesa contra ele até agora a negativa dos americanos de repassar ao Brasil o código-fonte do avião, o coração digital dos programas de computador que controlam a aeronave e suas armas. A decisão de entregá-lo depende do Congresso americano. O Rafale, da Dassault, é o mais caro. Cada unidade custa 80 milhões de dólares. Seu trunfo é justamente o fato de Paris entregar ao Brasil todos os segredos digitais do avião.
Em qualquer país, em qualquer tempo, as concorrências militares são zonas de sombras, difíceis de ser esquadrinhadas pelos radares das instâncias encarregadas de zelar pela transparência. Elas são definidas com base em critérios nem sempre objetivos, como é da natureza das questões de segurança nacional. Nos anos 70, a americana Lockheed Martin, que faz aquele que é considerado o melhor caça do mundo, o F-22 Raptor, quase faliu ao ser pega pagando propinas de milhões de dólares para fechar vendas na Itália, Holanda, Japão e Alemanha. No caso brasileiro, a Dassault, a Saab e a Boeing foram acusadas de pagar viagens de parlamentares às suas sedes, em busca de apoio. A escolha, no entanto, depende apenas do presidente Lula e do ministro Nelson Jobim, da Defesa. Os dois se inclinam pelo Rafale.
Em julho, Jobim foi a Paris e se desmanchou em elogios ao avião da Dassault. Na semana passada, Lula deu nova pista. "A França está mais flexível na transferência de tecnologia. É uma vantagem comparativa excepcional", disse ele. Na segunda-feira, 7 de setembro, o presidente francês Nicolas Sar-kozy participará com Lula dos festejos da independência e oficializará a aquisição de quatro submarinos convencionais e do casco de um nuclear pela Marinha brasileira, por 4,3 bilhões de euros. Os franceses venderão ainda cinquenta helicópteros militares, por 1,8 bilhão de euros. Se a compra do Rafale for fechada, 2009 será mesmo o ano da França no Brasil.
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O Estado de S. Paulo - 9/9/2009
35 empresas receberão tecnologia do Rafale
Embraer ainda venderá de 10 a 15 cargueiros a US$ 80 milhões cada
Roberto Godoy
A transferência de tecnologias prevista na compra dos 36 jatos Rafale, franceses, já tem 35 empresas brasileiras no programa de cooperação. Além das corporações privadas, também participarão do processo o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e o Comando Geral de Tecnologia Aeroespacial (CTA), as agências públicas destinadas a receber o conhecimento negociado no acordo bilateral anunciado há dois dias, em Brasília, pelos presidentes Nicolas Sarkozy, da França, e Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil.
O entendimento encerrou os procedimentos da escolha F-X2, destinada a selecionar um novo caça avançado, de múltiplo emprego, para a Força Aérea. Concorreram com o Rafale, o Gripen, sueco, e o F-18 E/F, americano. A condição primária da oferta, de acordo com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, é "a ilimitada abertura de tecnologia". O contrato pode chegar a 4 bilhões. Será assinado em 2010.
A Embraer é a empresa beneficiada diretamente pelos efeitos do compromisso, que cobre peças, componentes, o sistema de armas e treinamento de pessoal. Segundo o diretor da Rafale International no Brasil, Jean Merialdo, "há vários projetos acessórios que tratam de atividades de duplo uso resultando produtos de interesse próprio da indústria brasileira".
Os documentos abordam especificamente pontos sensíveis como o uso de nanotecnologias, engenharia stealth, de baixa detectibilidade, e de redes de operação de aviões não-tripulados, empregados no Rafale para reduzir a carga de trabalho durante missões de combate.
PROJETO
Sarkozy anunciou a aquisição de 10 a 15 dos cargueiros KC-390, da Embraer. O preço unitário é de US$ 80 milhões. As aeronaves ainda estão na fase de projeto e concorrem diretamente com um produto francês, o A400M, da Airbus. Em Paris, há um movimento no Parlamento para que as 50 encomendas atuais sejam expandidas para 65 em 2010.
O programa do KC-390 está exigindo aporte inicial entre R$ 50 milhões e R$ 60 milhões, valor equivalente a 5% dos investimentos. A participação da Aeronáutica foi anunciada em abril. O comando incluiu o jato no seu plano de longo prazo, que fixa metas até 2023.
Os primeiros estudos consideram a encomenda de 22 a 30 aeronaves com entregas a partir de 2015. O valor do pacote é estimado em US$ 1,3 bilhão. A compra do governo francês significa aporte de US$ 1,2 bilhão - além de uma importante primeira encomenda externa. O programa vai exigir de US$ 500 milhões a US$ 600 milhões na etapa de engenharia.
O KC-390 pode cumprir missões de reabastecimento em voo. O projeto da maior aeronave já construída pela Embraer é destinado a disputar um mercado global avaliado em 700 aviões que serão trocados ou comprados até 2020 em 77 países. Um negócio de US$ 13 bilhões. O birreator adota eletrônica digital de última geração. Voa a 850 km/hora. Cobre 6,3 mil km levando 12,5 mil quilos ou 2,4 mil km com 19 toneladas. Mede 30 metros de comprimento, aproximadamente 29 de envergadura e 10 de altura. A carga útil é de 19 toneladas. A fuselagem abriga 84 soldados de infantaria.
EUA resistem a admitir que jogo esteja perdido
PATRÍCIA CAMPOS MELLO, CORRESPONDENTE
A Casa Branca não está preparada para "jogar a toalha" na concorrência dos caças e "continua na disputa", disse ontem uma fonte do governo americano. Na sexta-feira, o Congresso americano aprovou a transferência de tecnologia dos F-18 Super Hornet, sob pressão da Casa Branca.
A secretária de Estado, Hillary Clinton, se envolveu na campanha pelos caças da Boeing, ao enviar carta ao governo Lula prometendo transferência de tecnologia. Um porta-voz do Departamento de Estado disse acreditar que "a decisão não foi tomada". A Boeing manteve posição similar. "Não fomos notificados pela comissão do FX-2 , nem por ninguém do governo brasileiro."
Para Michael Shifter, professor da Universidade Georgetown e vice-presidente do Diálogo Interamericano, o Brasil ganhou peso geopolítico e a realidade "está distante da Doutrina Monroe e do hábito de os EUA encararem a América Latina como quintal". "A própria reação dos EUA reflete essa realidade", disse.
Projeto fortalece ministro da Defesa
Proposta levada por Jobim a Temer também dá poder de polícia a Forças
Tânia Monteiro
Poder de polícia para as Forças Armadas e mais poder político para o ministro da Defesa. Um dia depois de anunciar a decisão de comprar 36 caças Rafale da França, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, se reuniu com o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), e líderes de partidos, para apresentar os projetos que enviará ao Congresso, em dez dias, em decorrência da aprovação da Estratégia Nacional de Defesa.
Uma das propostas modifica a Lei Complementar 97, dando poder de polícia para o Exército, a Marinha e a Aeronáutica. Hoje, apenas o Exército tem esse poder, na faixa de fronteira. No geral, os projetos fortalecem politicamente o Ministério da Defesa.
Outro projeto a ser encaminhado ao Congresso é sobre indicação dos comandantes de Força. Pela atual legislação, a indicação é do presidente, depois de "ouvido" o ministro da Defesa. A proposta é de que a decisão continue sendo do presidente da República, mas com a "indicação" dos nomes pelo ministro da Defesa. Essa mudança reforça a figura do ministro, que deixa de ser apenas consultado sobre a escolha, para passar a ser quem define os nomes dos comandantes para levá-los ao presidente da República.
ESTADO-MAIOR
Há ainda a proposta de criação do Estado-Maior de Defesa conjunto das Forças Armadas, que substituirá o atual Estado-Maior de Defesa. Ele terá a missão de coordenar doutrina, exercício e operações conjuntas das três Forças.
Também foi apresentado aos parlamentares o projeto de criação da Secretaria de Produtos de Defesa. O objetivo é que essa secretaria defina que equipamentos as Forças Armadas vão comprar, dentro do que a política de defesa definiu. Para isso, será preciso a aprovação de legislação que garanta tratamento fiscal diferenciado às empresas que forem classificadas como de defesa. Como contrapartida ao benefício, essas empresas terão de garantir, por exemplo, continuidade na fabricação de determinados equipamentos e materiais de interesses das Forças Armadas.
ESG
Outro projeto vai prever que a Escola Superior de Guerra (ESG) tenha seu comando em Brasília, mantendo uma estrutura funcionando no Rio. A proposta prevê ainda a abertura de um campus avançado na capital federal, que funcionará como centro de estudo de estratégia e defesa, para que sejam feitas pesquisas na área, além de criação de curso de formação de quadros para o Ministério da Defesa.
Jobim tenta contornar mal-estar e em nota diz que seleção não está concluída
TANIA MONTEIRO e DENISE CHRISPIM MARIN
A decisão de abrir negociação com a francesa Dassault para comprar 36 caças supersônicos Rafale está tomada e é uma atribuição política do presidente da República. Apesar do anúncio dessa preferência ter sido feito na segunda-feira, diante do presidente francês, Nicolas Sarkozy, e reafirmada ontem pelo Planalto ao Estado, o governo admitiu que atropelou as regras formais da concorrência com o anúncio prematuro da opção pelo Rafale. Foi esse atropelo e o incômodo provocado no Comando da Aeronáutica e entre os concorrentes da Dassault que levaram o Ministério da Defesa a divulgar ontem nota oficial para deixar registrado que "o processo de seleção ainda não está encerrado".
Surpreendido como anúncio logo depois da participação de Sarkozy no desfile do 7 de Setembro, em Brasília, o comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, disse ao presidente Lula que precisava dar uma satisfação aos concorrentes da empresa francesa.
Saito também convocou ontem extraordinariamente o Alto Comando da Força para explicar a circunstância em que se dera o anúncio, segunda-feira, no Palácio da Alvorada, e anunciar aos brigadeiros que o governo divulgaria uma nota oficial que desse uma satisfação aos concorrentes do Projeto FX-2. No Planalto e no Itamaraty, que tomaram conhecimento prévio do texto redigido no Ministério da Defesa, a nota assinada pelo ministro Nelson Jobim foi considerada um "instrumento de precaução", para evitar reclamações das empresas.
A nota da Defesa começou relatando o anúncio feito anteontem. Lula disse que França e Brasil vão ser "parceiros estratégicos no setor aeronáutico", lembrou que o governo francês se comprometeu a "ofertar os aviões Rafale ao Brasil com preços competitivos, razoáveis e comparáveis com os pagos pelas Forças Armadas da França", e citou, ainda, a disposição francesa de adquirir aviões KC-390, em fase de projeto na Embraer.
Ao fim dessa memória do anúncio, a nota de Jobim diz que, diante do pacote de ofertas da França, o Comando da Aeronáutica "prosseguirá com negociações junto aos três participantes, onde serão aprofundadas e, eventualmente, redefinidas as propostas apresentadas". Segundo uma fonte do Itamaraty, a palavra "eventualmente" mostra "que a decisão da preferência dada aos franceses está tomada", mas, se a negociação com a Dassault enfrentar problemas, o governo, naturalmente, vai avaliar as propostas da Boeing e da Saab.
O processo de seleção dos caças ainda estava sob a liderança técnica do Comando da Aeronáutica, que deveria entregar nos próximos dias ao ministro Jobim os relatórios com as pontuações de desempenho dos aviões ofertados e as condições de cada um dos fabricantes em matéria de transferência de tecnologia. O comando foi surpreendido com as declarações de Lula e do ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) sobre a preferência do Rafale. Os representantes da Boeing e da Saab pressionaram ontem a Aeronáutica para que o ritual da concorrência seja mantido. Para alguns brigadeiros, diante da proposta francesa, o governo brasileiro deve manter uma porta da negociação aberta para barganhar as condições que as outras duas empresas podem oferecer.
Os aviões militares franceses Rafale e o Brasil
Gilles Lapouge*
A França sempre apreciou o Brasil. Mas, depois do anúncio da compra pelo Brasil, de 36 aviões Rafale, esse amor chegou ao seu ápice e Lula, novo amigo íntimo de Sarkozy, é considerado o mais inteligente de todos os dirigentes do mundo.
Essa satisfação é explicada pela compra dos aviões militares franceses. Paris espera que esse "primeiro passo" dê início a uma estreita cooperação, no campo industrial e militar, entre França e Brasil. Não se pode negligenciar o fato de que a França, além dos Rafale, vai fornecer também quatro submarinos, o casco de um submarino nuclear, 50 helicópteros, representando 12 bilhões de euros.
Os franceses sonham modernizar toda a frota aérea brasileira (120 a 150 aviões) com seus aviões. Uma meta ambiciosa, mas eles acham que ela não está fora do alcance.
Até ontem, uma estranha fatalidade envolvia os Rafale. Esse avião é considerado por todos os especialistas como um dos melhores do mundo e, apesar de seus vinte anos de idade, um dos mais jovens. Mas até hoje não se conseguiu vender nenhum para o exterior.
Por dez vezes, o Rafale esteve prestes a arrebatar um grande mercado e nessas dez vezes foi vencido pelo aparelho de uma outra empresa. Como se, num passe de mágica, uma bruxa, talvez o diabo, se divertisse fazendo o caça brilhar e, no último momento, tirar do seu caldeirão um outro candidato.
Essa bruxa, esse "diabo", tem um rosto? Muitos acham que tem fisionomia americana. Um breve histórico: em 2005, o avião francês parecia prevalecer em Cingapura. No entanto, foi o F-15 Eagle da Boeing que venceu, para surpresa de todos. Três anos antes, a Coreia do Sul começou a se equipar e os militares optaram pelo Rafale. Mas o eleito foi o F-15.
O caça francês conseguirá conjurar essa maldição? É a esperança de Paris. Atualmente há três países "onde o coração balança": Grécia, Suíça e Índia. E há ainda um quarto, os Emirados Árabes Unidos, que gostariam de adquirir 60 aparelhos, mas exigem alguns ajustes e motores mais potentes. Paris espera que a decisão do Brasil permita, como num conto de fadas, "pôr fim a essa fase de azar".
A Líbia também estava de olho no avião francês e Sarkozy ofereceu a Kadafi uma recepção suntuosa e grotesca, pois o coronel líbio exigiu dormir, em Paris, sob a sua tenda do deserto, desprezando os palácios parisienses. Esse circo ridículo não serviu para nada. Kadafi manteve-se calado.
A decisão do Brasil vem "salvar" a fabricante de aviões francesa. Com efeito, a Dassault tira 70% das suas receitas da venda de seus aviões Falcon. Ora, trata-se de um avião executivo e é claro que, com a crise econômica, as encomendas do aparelho minguaram. A brilhante ressurreição da frota militar, graças ao Brasil, é a oportunidade para salvar essa grande empresa que é a Dassault Aviation.
O bom comprador
O presidente Nicolas Sarkozy talvez não seja um grande vendedor, mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com certeza, é um grande comprador. Sarkozy veio ao Brasil como convidado especial para as solenidades do 7 de Setembro e para fazer um balanço da implementação dos acordos bilaterais de cooperação, inclusive do acordo pelo qual a França fornecerá ao Brasil meia centena de helicópteros, quatro submarinos, um casco para o futuro submarino nuclear, além de promessas de transferência de tecnologias, exceto nuclear. Tudo isso a um custo estimado em cerca de R$ 25 bilhões. Quando voltou para Paris, Sarkozy levava no bolso também o compromisso do governo brasileiro de iniciar negociações com a Dassault para a compra de 36 caças Rafale, a um custo que oscilará entre R$ 7 bilhões e R$ 10 bilhões. Sem ouvir a FAB, Lula atalhou um processo de seleção de equipamentos iniciado em 1994.
Em menos de 24 horas e em circunstâncias que sugerem aquilo que os frequentadores de shopping centers chamam de "impulso de compras", o presidente Luiz Inácio Lula da Silva atrelou a defesa e a segurança nacionais do Brasil, bem como aspectos cruciais da política externa, a um único fornecedor de equipamentos. Os compromissos assumidos em Brasília, no Dia da Independência, são de longa duração. O reaparelhamento da Marinha não se fará em menos de 10 anos - sem interrupções -, não sendo demais estimar o dobro desse tempo para o lançamento do primeiro submarino nuclear nacional. Os aviões de caça, por sua vez, deverão ter uma vida útil de cerca de três décadas - e note-se que 36 aparelhos são apenas o início de um processo de substituição de pelo menos mais uma centena de aviões de combate.
Desde o final da 2ª Guerra Mundial, os principais estrategistas brasileiros salientavam a necessidade de obter equipamentos militares de outros fornecedores que não os Estados Unidos, para evitar ter de absorver a doutrina de emprego desse armamento, que consideravam inapropriada para as condições e os propósitos do Brasil. E, de fato, isso foi sendo feito gradualmente, até que o presidente Ernesto Geisel rompeu de inopino o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos. Mas não se podia imaginar que o presidente Lula, que sempre manifestou sua admiração pelo modelo de governo Geisel, fosse de um extremo ao outro. Para não ficar dependente dos Estados Unidos - o que dificilmente aconteceria, mesmo que o avião escolhido para a FAB fosse o F-18 da Boeing -, ficou dependente da França.
E nem se pode dizer que os acordos e compromissos até aqui assumidos permitirão ao Brasil dar um salto tecnológico nas áreas de produção de sistemas avançados de armas, que coloquem o País como líder incontestável da região. O compromisso de compra dos Rafale, por exemplo, foi feito de afogadilho. "Os nossos companheiros trabalharam até quase as 2 horas. Eu nem sequer tive tempo de fazer reunião com o ministro da Defesa para discutir com profundidade", confessou o presidente Lula. O comandante da Aeronáutica, ao que parece, ficou sabendo de tudo no final do expediente, pois os militares foram excluídos do processo de decisão. De fato, essa decisão nem mesmo constava do texto da declaração conjunta assinada pelos dois presidentes. Foi acrescentada, em folha avulsa, depois que o presidente Sarkozy manifestou a intenção - apenas isso - de comprar dez aviões cargueiros de um modelo que a Embraer ainda está projetando. Vivo fosse, o general De Gaulle diria que este ainda não é um país sério.
A França fica com a parte do leão desse negócio milionário. O Brasil compra submarinos convencionais por preço elevado. De quebra, os franceses construirão uma base e um estaleiro. Não repassarão tecnologia nuclear e, a que transferirem, será para uma empresa constituída pela DNCS francesa e pela Odebrecht brasileira - que entrou nesse negócio sem licitação, a convite não de quem paga a conta, mas dos franceses.
No caso dos Rafale, a França livra-se de um problema. O avião foi um fracasso de vendas e, com o negócio brasileiro, amortiza-se boa parte das despesas de projeto e desenvolvimento do caça. A FAB, por sua vez, receberá aviões novos, aos quais certamente dará bom uso. E os contribuintes, bem, esses arcarão com os custos de um negócio feito às pressas e que implicará significativo aumento do orçamento militar, que só é menor que o da Saúde.
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O Globo - 9/9/2009
PARCERIA MILITAR
Nuvens sobre caças franceses
Lula e Amorim anunciaram acordo com a França, mas FAB sequer concluiu análise
Jailton de Carvalho e Catarina Alencastro
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu abrir negociação para a compra de 36 caças Rafale, da empresa francesa Dassault, antes de receber o relatório da Força Aérea Brasileira (FAB) sobre as propostas dos três concorrentes que disputam o negócio milionário. Segundo a Aeronáutica, a previsão é que o documento com o ranking das empresas que disputam o negócio seja entregue a Lula pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, só no fim deste mês. No parecer, técnicos da FAB apontarão vantagens e desvantagens de cada proposta e informarão ao presidente qual projeto seria melhor para os militares brasileiros.
- O relatório não foi entregue ao presidente. O processo de licitação ainda está em aberto - disse um oficial do comando da Aeronáutica.
Três empresas participam da licitação. Além da Dassault, estão na disputa o sueca Gripen e o caça americano F18. Segunda-feira, após o desfile do Sete de Setembro, Lula se reuniu com o presidente da França, Nicolas Sarkozy, e anunciou a abertura de negociações com a Dassault para a compra dos aviões de combate. Anteontem, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, que esteve com Sarkozy no camarote de Lula durante o desfile, não deixou dúvidas sobre a escolha do governo brasileiro.
- Se a licitação acabou? Não sei. Não vou entrar em aspectos legais. Há uma decisão de iniciar negociação com um fornecedor, e não há a mesma decisão em relação aos demais.
Jobim: questão não está fechada
Em nota divulgada ontem à noite, o ministro da Defesa ratificou o interesse pela oferta da Dassault, mas afirmou que o governo não fechou questão sobre o assunto. Segundo ele, o presidente da França prometeu oferecer "preços competitivos e razoáveis". A oferta foi feita, segundo a nota, dia 6. Lula e Sarkozy jantaram nesse dia.
A nota de Jobim afirma, no entanto, que o processo de compra não foi encerrado. "Diante desse fato novo, o processo de seleção do Projeto FX-2, conduzido pelo Comando da Aeronáutica, ainda não encerrado, prosseguirá com negociações junto aos três participantes, onde serão aprofundadas e, eventualmente, redefinidas as propostas apresentadas", sustenta Jobim.
Antes da divulgação da nota, Jobim explicou a líderes partidários a decisão anunciada. A explanação de Jobim foi feita após apresentação da Estratégia Nacional de Defesa e do projeto de lei complementar do Executivo para dar mais poder ao Ministério da Defesa. Segundo o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), faltam apenas alguns detalhes para que a negociação com a França seja concluída.
- Está bem encaminhado com a França, mas o Jobim disse que tem que haver estudo do detalhamento técnico e financeiro da proposta. Mais financeiro, sobre vantagens, enfim, um exame mais cuidadoso. A tendência é que o negócio se concretize - disse.
Aos deputados, Jobim teria dito que a escolha teria sido feita porque a França vai repassar tecnologia para o Brasil, o que os EUA não estariam dispostos a fazer. O encontro do ministro da Defesa com os líderes aconteceu na casa do presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP). PSDB, DEM e PPS, convidados, não compareceram.
Na Câmara, o líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO), acusou o governo de encerrar a concorrência bilionária sem qualquer transparência:
- Não sabemos sequer os termos do contrato. Será que haverá mesmo transferência de tecnologia? O preço é mesmo competitivo? Todas essas perguntas continuam em aberto.
COLABORARAM: Eliane Oliveira e Bernardo Mello Franco
PARCERIA MILITAR
Considero que não houve uma conversa mais ampla`
Especialistas dizem que acordo é político e cobram mais debate
Para professor da UFSCar, compra de caças não é nem `luxo nem capricho`
Soraya Aggege
SÃO PAULO. O mega-acordo militar entre Brasil e França, que inclui a compra de 36 aviões de combate franceses, foi uma decisão política de peso, tomada com pouco debate democrático. A avaliação é de especialistas consultados pelo GLOBO. Eles consideram, porém, que o acordo é positivo e que a escolha da França foi a melhor opção.
- A decisão foi acertada. Seria melhor se tivesse havido mais debates, inclusive para que as pessoas entendam que esse acordo não é um luxo nem um capricho militar. Não dá para o Brasil se projetar como potência global se não tem estrutura sequer para defender seu território. Principalmente agora, com a descoberta do pré-sal - avalia o professor Luís Alexandre Fuccille, do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp.
Fuccille foi gerente do Departamento de Política Estratégica do Ministério da Defesa (2003 a 2005). Lembra que a compra dos caças é adiada há dez anos:
- Oxalá não precisemos nos defender, pois nossa frota é muito antiga, de 1973. Há pouco tempo, das 700 aeronaves da FAB 350 estavam paradas por falta de peças de reposição.
Para Fuccille, o Brasil não poderia aceitar a oferta dos EUA por uma questão estratégica: o país veta atos soberanos sob o argumento de sua tecnologia:
- O Chile comprou caças dos EUA e os recebeu sem os mísseis. O Brasil foi impedido de vender os Tucanos à Venezuela porque usavam tecnologia americana. Não se contraria os interesses dessa potência.
O especialista diz que a proposta da Suécia também não poderia ser aceita: possui tecnologia americana e seus aparelhos têm pouca autonomia de vôo.
- Não defendo uma corrida bélica, e creio que a prioridade precisa ser o combate à pobreza. Mas se o Brasil quiser se projetar mundialmente, precisa inclusive deter o know how da energia nuclear. Os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (França, EUA, Reino Unido, China e Rússia) são nuclearizados. Índia e Paquistão reivindicam o assento. Ou o Brasil monta sua defesa, ou não será potência.
O professor da Universidade Federal de São Carlos João Roberto Martins Filho, vice-presidente do Comitê de Forças Armadas da Associação Internacional de Ciência Política, concorda que faltou transparência. Mas frisa que não faltaram consultas às Forças Armadas e que o processo está correto. Ele foi presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa e um dos consultados no início do projeto do plano nacional de defesa, pelo ex-ministro Mangabeira Unger:
- Fui consultado, mas considero que não houve uma conversa mais ampla. Era de se esperar uma democratização maior da defesa, com o envolvimento de mais atores no debate. Mas no geral, ele está correto.
Segundo ele, o acordo é muito amplo, incluindo até a Embraer entrando num novo mercado, de venda de dez aviões KC-390:
- É sempre muito complicado para um país como o Brasil gastar tanto com sua defesa. Mas ela é fundamental, e já se gastava mais para "tapar buraco".
MUDOU DE TOM
Um dos primeiros atos do presidente Lula ao chegar ao Planalto foi suspender a licitação de US$700 milhões na época para a compra de 12 caças para a Força Aérea Brasileira (FAB), sob o argumento da austeridade e da prioridade total para o Fome Zero (como mostra a manchete do GLOBO de 4 de janeiro de 2003). Lula pediu aos ministros que apertassem os cintos, e deixou claro que os recursos disponíveis seriam concentrados nos programas sociais. A negociação para a compra dos caças começara cinco anos antes, no governo Fernando Henrique, com o projeto FX. A suspensão do investimento na FAB por Lula, que seria de um ano, se estendeu até 2006, quando a Aeronáutica anunciou a retomada do programa.
O processo de escolha
A compra de novos caças para a Força Aérea Brasileira (FAB) é um processo de dispensa de licitação em que a análise das propostas é cheia de sigilos. O principal argumento para manter a reserva é que se trata de tecnologia sensível de segurança. A seguir, o passo a passo da seleção feita pela FAB:
INÍCIO: Em 1998, a FAB deu a largada para o projeto FX. Cinco consórcios internacionais apresentaram propostas para venda de 12 caças. As propostas foram submetidas à análise da FAB.
PROJETO SUSPENSO: Em 2003, ainda sem conclusão sobre qual proposta era a melhor, o presidente Lula, logo nos primeiros dias de governo, suspendeu o processo de compra sob alegação de que a prioridade era o Fome Zero.
NOVO PROJETO: Em 2006, a FAB retomou o projeto de compra de caças. Batizado de FX-2, a nova versão previa compra de mais unidades(36) e havia pedido para aviões mais modernos. Quatro consórcios apresentaram propostas: de Rússia, França, EUA e Suécia. Os técnicos da FAB desclassificaram a proposta russa.
FINALISTAS: A FAB inspecionou instalações de fabricação e testou os caças finalistas: Gripen, da Suécia; F18 dos EUA; e Rafale, da França. Cada país teve que apresentar propostas de transferência de tecnologia e planilha de preços.
RELATÓRIO: Segundo a FAB, o relatório sobre as propostas financeiras e técnicas só será concluído no final deste mês. Depois o material teria que ser enviado ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, que remeteria o processo para Lula.
CONSELHO: Antes de anunciar a escolha do vencedor, o presidente ainda deveria submeter o processo ao Conselho de Defesa Nacional, como ele mesmo declarara na semana passada.
Cresce orçamento militar no Unasul
Gasto em 2008 pode ter chegado a US$51 bilhões
Janaína Figueiredo
BUENOS AIRES. O orçamento militar dos países da União Sul-Americana de Nações (Unasul) continua aumentando. Números divulgados por centros de estudos sul-americanos e europeus variam, mas todos apontam tendência de forte crescimento. Segundo o jornal francês "Le Monde", entre 2003 e 2008, o orçamento militar da região subiu 91%. Já o Instituto de Estudos para a Paz de Estocolmo mostrou que, em 2008, o investimento em armas desses países chegou a US$34 bilhões. Para a Rede de Segurança e Defesa da América Latina (Redsal), a despesa foi ainda superior: US$48 bilhões.
O Centro de Estudos Nova Maioria, do analista argentino Rosendo Fraga, divulga todos os anos um balanço militar latino-americano e, segundo o documento, em 2008 o gasto militar dos governos do continente alcançou US$51 bilhões - crescimento de 30% em relação ao ano anterior. Segundo Fraga, os governos que mais aumentaram seus orçamentos militares ano passado foram os dos presidentes da Venezuela, Hugo Chávez (29,06%), e da Colômbia, Álvaro Uribe (37,07%). Para Fraga, "do ponto de vista político e ideológico, Chávez está criando um novo modelo, no qual as Forças Armadas passam a tomar parte de um projeto político-estatal, que também inclui milícias armadas".
Em meio à crise diplomática desencadeada pelo acordo que permitirá aos EUA utilizar sete bases militares em território colombiano, Chávez desembarcou ontem em Moscou para selar entendimento com o governo russo, que prevê a compra de três submarinos, vários veículos blindados, tanques T-72 e dez helicópteros militares por parte do líder bolivariano.
Após visitar o Irã, sábado passado, e trocar declarações de respaldo mútuo "às nações revolucionárias e anti-imperialistas", o venezuelano foi recebido por seu colega russo, Dmitri Medvédev, um aliado. Em agosto, em plena crise com a Colômbia, Chávez antecipou a decisão de realizar novas aquisições de armamento russo (entre 2005 e 2007, os acordos militares entre os dois países chegaram a US$4 bilhões).
O governo do boliviano Evo Morales decidiu adiar um acordo com o governo russo, que ofereceu um crédito de US$100 milhões à Bolívia para reequipar suas Forças Armadas.
Falta explicar
Desde o acordo nuclear com a Alemanha, no governo Geisel, o Brasil não estabelecia com outro país laços tão estreitos numa área sensível como os anunciados sugestivamente no 7 de setembro pelos presidentes Lula e Nicolas Sarkozy, da França. Como no caso daquele negócio fechado com os alemães, o pacote de compra de submarinos, caças e helicópteros franceses envolve transferência de tecnologia numa área também de segurança nacional. Naquela época, para o domínio do "ciclo combustível" - enriquecimento de urânio e reprocessamento do combustível nuclear já usado; agora, para a construção de submarinos nucleares e o aperfeiçoamento da Embraer, a fim de torná-la mais competitiva na aviação militar. É o objetivo da parceria com a francesa Dassault, fabricante do caça Rafale, escolhido para modernizar a força de interceptação brasileira, segundo anúncio do próprio Lula, pelo visto ainda sem aval técnico. Os primeiros 36 custarão R$7 bilhões. Há também a montagem de 50 helicópteros franceses na Helibrás, Minas, por R$5,1 bilhões.
O fator tecnológico, preponderante nesses acordos, é sempre argumento para justificar concessões a fornecedores passíveis de críticas. Na parte referente aos submarinos, quatro embarcações convencionais custarão 6,8 bilhões de euros, algo próximo dos R$20 bilhões, cifra elevada se comparada com oferta feita pela HDW, alemã, com quem a Marinha constrói submarinos no Arsenal, no Rio. Uma alegada cessão de conhecimentos para o domínio da construção de cascos de submarinos nucleares justifica os valores. Assim como serve para defender a aceitação do pacote fechado de construção de uma base para abrigar estas embarcações no litoral Sul do Rio de Janeiro, já com a indicação da brasileira Odebrecht para executar o projeto, sem qualquer licitação.
Não se discute a necessidade de reaparelhamento das Forças Armadas brasileiras. O país é de grandes dimensões, há ameaças potenciais no continente - chavismo, Farc, tráfico - e pelo menos um programa agressivo de compra de armas, o da Venezuela. Sem equipamentos à altura de suas necessidades de defesa, a capacidade de dissuasão do Brasil fica debilitada.
O ponto a se debater é a efetiva relação custo/benefício do acordo para a sociedade. Por isso é imprescindível a participação do Congresso, em pedidos de esclarecimentos ao Executivo, para se formar uma opinião segura sobre a aliança com a França. Na gestão de Geisel, ainda na ditadura, isso não foi possível, por óbvio, e até hoje não se sabe ao certo o tamanho do prejuízo que o contribuinte teve com aquele acordo. Mas foi grande, sem dúvida.
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JB Online - 9/9/2009
Câmara quer esclarecer posição sobre bomba nuclear
Vasconcelo Quadros, Jornal do Brasil
BRASÍLIA - O presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara, Severiano Alves (PDT-BA), pretende envolver os deputados na discussão do programa nuclear brasileiro e analisar a pesquisa do físico Dalton Girão Ellery Barroso que comprovou que o Brasil já detém o domínio sobre o conhecimento e a tecnologia necessários para a construção da bomba atômica, como revelou o Jornal do Brasil.
– É preciso ver se há coisas que não sabemos sobre esse tema – disse o deputado, que promete colocar o assunto na pauta quarta-feira, na reunião da comissão. Segundo ele, os deputados vão decidir se convidam ou convocam o físico e os ministros Nelson Jobim, da Defesa, e Celso Amorim, das Relações Exteriores.
No Senado, o presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, Eduardo Azeredo (PSDB-MG), também avalia que Barroso deve ser convidado a prestar depoimento para explicar as conclusões da tese em que, entre outras descobertas, revela cálculos e equações do modelo original de uma ogiva nuclear americana, a W-87. As informações parciais sobre a parte externa do artefato havia vazado de um relatório do Congresso dos Estados Unidos. O físico brasileiro usou um programa de computador para aprofundar os cálculos e desvendou o interior da figura.
Hipocrisia
– O Congresso deve conhecer os avanços sobre conhecimento e tecnologia nuclear – disse o senador Flávio Torres (PDT-CE), que é físico por formação. Ele disse que a interferência da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) no assunto é hipocrisia e reflete a “pressão em cima dos países que não têm a bomba pelas potências que já detém arsenais nucleares”. Contrário à bomba, Torres acha que o país já sabe como fazer os artefatos, mas defende o desenvolvimento do conhecimento e da tecnologia como arma de dissusão para obrigar as potências a eliminarem os arsenais.
– O Brasil tem a cabeça no lugar, mas já desenvolveu conhecimento e tecnologia necessários para fazer a bomba, se quisesse – disse o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). O senador considera como correto que a comissão ouça o físico, os ministros e representantes da AIEA para esclarecer o motivo das divergências sobre o programa nuclear brasileira.
– O Congresso tem que se meter nesse assunto e ver o que há de novo. Não pode é ficar alheio. O Brasil deve desenvolver o conhecimento e a tecnologia nuclear e nós como utilizar – completou o senador Geraldo Mesquita Júnior (PMDB-AC), vice-presidente da comissão.
– Sou contra o país fazer experimentos. Não há segredos hoje sobre as pesquisas e a tecnologia desenvolvidos. Acho que o Brasil deve mostrar que sabe, mas não quer fazer a bomba atômica – diz Flávio Torres. O senador cearense considera ridículo o questionamento feito pela AIEA sobre a pesquisa de Barroso. – O Brasil não pode se intimidar diante desse tipo de pressão.
Cláusula pétrea da Constituição proíbe arma
Luiz Orlando Carneiro, Jornal do Brasil
BRASÍLIA - Mesmo que o governo brasileiro pretendesse usar a tecnologia desenvolvida na fábrica de enriquecimento de urânio das Indústrias Nucleares Brasileiras (INB), situada em Resende (RJ), para a produção de armas nucleares, como ogivas, haveria vedação constitucional, em face do parágrafo 2º do artigo 5º (cláusula pétrea), segundo o qual “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. O Brasil é signatário do Tratado sobre a Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), e submetido ao controle da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto ao enunciado do dispositivo constitucional é pacífica, embora, até agora, nunca tenha sido provocado sobre os limites das inspeções da AIEA – questão que gerou polêmica, em 2004, quando do início das atividades da fábrica de enriquecimento de urânio de Resende. O governo brasileiro negava-se a permitir a “inspeção visual” das centrifugas da unidade da INB, sob a alegação de que era necessária a proteção da tecnologia nacional. Na época, a revista Science publicou um artigo sobre o programa nuclear do Brasil, no qual se afirmava que a fábrica de Resende era capaz de produzir, no futuro, combustível para até seis ogivas por ano.
No Supremo
O único julgamento realizado no plenário do STF sobre assunto nuclear foi uma ação de inconstitucionalidade (Adin 329) ajuizada pelo Ministério Público Federal, ainda na década de 90, contra dispositivo da Constituição estadual de Santa Catarina que previa a possibilidade de instalação de usinas para a produção de energia nuclear naquele estado, na dependência do atendimento às condições ambientais e urbanísticas exigidas em lei e de autorização prévia da Assembléia Legislativa ratificada por plebiscito.
Por unanimidade, em abril de 2004, na linha do voto da ministra Ellen Gracie (relatora), o Supremo derrubou a lei estadual, com base, principalmente, no artigo 21 da Constituição, que dá à União competência para “explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer o monopólio estatal sobre a pesquisa, lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições: toda atividade nuclear em território nacional será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional; é autorizada a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos medicinais, agrícolas, industriais e atividades análogas; a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa”.
O dilema da bomba atômica
Editorial, Jornal do Brasil
RIO - A revelação, feita pelo Jornal do Brasil, de que o país já domina a tecnologia da bomba atômica põe a nação diante de um dilema. O que fazer com este conhecimento? Guardá-lo por tempo indefinido e manter a tradição de um Brasil pacifista, ou desenvolvê-lo e alçar o país ao seleto grupo de potências nucleares?
A confirmação de que o Brasil já tem a tecnologia para construir a bomba atômica, publicada domingo em reportagem de Vasconcelo Quadros, é fruto de uma pesquisa do físico Dalton Girão Barroso, no Instituto Militar de Engenharia (IME) do Exército. Em sua tese de doutorado, Barroso elaborou cálculos e equações que lhe permitiram interpretar os modelos físicos e matemáticos de uma ogiva nuclear americana, a W-87, cujas informações eram sigilosas, mas vazaram acidentalmente. Sua tese, atualmente, está mantida em sigilo no IME. Mas a maior parte das descobertas foi publicada em livro, provocando nos bastidores um choque entre a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e o governo brasileiro.
Responsável por fiscalizar instalações nucleares no mundo inteiro, a AIEA, alegando que os dados revelados eram secretos, exigiu que o livro fosse recolhido e pediu explicações sobre os métodos de pesquisa de Barroso. A solicitação abriu uma crise entre os ministros das Relações Exteriores, Celso Amorim, que pretendia atendê-la em parte, e da Defesa, Nelson Jobim, que a negou, argumentando que seria censura a uma obra acadêmica.
Longe de representar uma ameaça à segurança internacional, a façanha do físico brasileiro foi obtida legitimamente, com seu esforço intelectual. Dalton criou um programa de computador que decifrou informações sobre a ogiva W-37, vazadas em 1999 por uma reportagem da revista americana Insight Magazine.
É natural a preocupação da AIEA em evitar que terroristas internacionais tenham acesso à tecnologia nuclear. Mas o achado brasileiro foi obtido dentro de um dos institutos de pesquisa mais respeitados do país, subordinado ao Exército.
Ainda que pesem restrições, previstas na Constituição, à construção de arsenal nuclear, o domínio da tecnologia deve ser considerado uma conquista importante. A geopolítica mundial tem se alterado. Não à toa, o governo acaba de fechar com a França um megaacordo militar para reequipar as Forças Armadas.
Nesse contexto, dominar a tecnologia da bomba atômica, como forma de dissuasão a ameaças externas, é uma opção válida e que não vai contra necessariamente ao espírito pacifista do brasileiro. Em enquete realizada pelo JB Online, 81,25% dos leitores consideraram importante o Brasil saber fazer a bomba atômica.
Agora, está adiante a decisão de se criar ou não um programa nuclear brasileiro para fins não pacifistas. Cabe ao país responder à indagação se o programa deve ser encarado, sem receios de se enfrentar o monopólio das grandes nações, consagrado no Tratado de Não Proliferação Nuclear.
Nesse sentido, é bem-vinda a convocação do pesquisador e dos ministros Nelson Jobim e Celso Amorim, feita acertadamente pelo senador Eduardo Azeredo. Eles ajudarão a explicar, no Congresso, como o Brasil chegou e o que fazer com esse conhecimento. Esse deve ser o ponto de partida para uma ampla e aprofundada discussão que envolva toda a sociedade.
Coisas da Política
Mauro Santayana
A tese de Girão e o nosso direito
É estranho que o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Eduardo Azeredo, e os que o apoiam nessa iniciativa, queiram interpelar o governo sobre a tese acadêmica do físico Dalton Girão Barroso, relativa à construção de artefato atômico. Trata-se de assunto restrito à escolha de um estudioso, à sua inteligência e liberdade. Qualquer um de nós, dispondo dos exigidos instrumentos intelectuais, pode desenvolver tese sobre qualquer tema, seja ele a física atômica ou o comportamento taciturno de alguns escorpiões, como fez o entomologista Jean Henri Fabre. Todos – os indivíduos e as nações – têm direito a todo conhecimento. O homem foi desvendando os mecanismos naturais da machina mundi muito antes que Demócrito e outros se aventurassem a pensar na arquitetura da natureza; antes que Epicuro redigisse o seu tratado Peri Physeos. Quando Demócrito imaginou o menor dos componentes do universo – e ele só podia ter imaginado o grão de matéria impossível de ser partido, daí chamá-lo átomo – lançou o desafio à mente humana de devassá-lo, de quebrá-lo, saber de que era feito. O homem levou 23 séculos para chegar àquela assustadora madrugada de 16 de julho de 1945, em Alamogordo, quando explodiu a primeira bomba. De quem deveria ser o monopólio sobre esse conhecimento? Dos físicos de várias nacionalidades, reunidos pelo governo norte-americano, a conselho de Einstein, para a execução do Projeto Manhattan? Dos Estados Unidos que financiaram – em seu esforço de guerra – a construção da bomba-A? Dos gregos, que, com sua especulação teórica e sua geometria, abriram o caminho para a ciência moderna? O direito ao conhecimento é universal, porque o conhecimento adquirido é da Humanidade, embora procurem impedir que a maioria dos povos a ele tenham acesso.
Não é a tese do físico Dalton Girão Barroso que nos permite fazer a bomba. Ele apenas demonstrou a engenharia de uma ogiva atômica em particular. Não foi necessário que tivesse, em mãos, o desenho do artefato. Tal como Einstein elaborara a sua teoria da relatividade, o físico fez apenas cálculos, a partir da cápsula da ogiva para chegar ao conteúdo e ao mecanismo da detonação. É impossível impedir a quem quer que seja de pensar, de usar de sua preparação intelectual, a fim de investigar qualquer fenômeno, seja ele físico, ou não. Dalton realizou uma tese acadêmica e a divulgou, como qualquer estudioso faz.
Ao Brasil não interessa, no momento, produzir a bomba, mesmo porque se trata mais de uma arma de ataque do que de defesa. Como bem lembrou Stalin, não é a destruição de um país que assegura a vitória política sobre seu povo. O que decide uma guerra é a ocupação, o pé do soldado sobre o território pretendido. E, conforme Mao, a conquista de sua mente. A grande arma de defesa do Brasil é o seu território. Mas, se não interessa produzir a bomba, saber como construí-la rapidamente, para o caso de necessidade extrema, é nosso dever. A posse da arma mais poderosa sempre foi instrumento de dissuasão. O Brasil não se comprometeu, nos foros internacionais, a selar a inteligência de seus pesquisadores, a renunciar ao conhecimento. O Brasil – e contra a opinião de muitos patriotas, que não queriam isso – comprometeu-se apenas em não desenvolver armas nucleares. Todos nós somos impedidos, pela consciência, pelos mandamentos religiosos e pelo Código Penal, de matar, mas ninguém nos pode proibir de saber como manejar o revólver em caso de legítima defesa.
A quebra do segredo atômico, primeiro pelos soviéticos e, mais tarde, pela China, impediu que uma terceira bomba – além das detonadas sobre Hiroshima e Nagasáki – viesse a assassinar inocentes em massa nos países “inimigos”. Pensando dessa forma, fora legítima a decisão norte-americana de desenvolver a arma, a partir da informação de que os alemães estavam a ponto de construí-la. Mas não foi legítima a decisão de testá-la sobre seres humanos inermes em duas cidades abertas de um país militarmente derrotado.
Temos, sim, que aprofundar as nossas pesquisas sobre todos os campos do conhecimento, entre eles o da física atômica. Entende-se que alguns senadores estejam querendo discutir tudo – até mesmo as atas do Concílio de Bizâncio, sobre a anatomia genital dos anjos – porque lhes interessa desviar a atenção da opinião pública de seus atos, dentro e fora da Câmara Alta.
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Folha de S. Paulo - 9/9/2009
Depois de mal-estar, governo recua de anúncio sobre caças
Defesa diz que haverá negociações com os 3 concorrentes; francês deve ser mesmo o vencedor
Lula se precipitou em jantar com Sarkozy no domingo, o que irritou a Aeronáutica e deixou o ministro Jobim no meio de um fogo cruzado
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
Ao anunciar antes do esperado a definição do Brasil pelos caças da francesa Dassault, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva provocou constrangimento no seu próprio governo, que teve de recuar ontem, informando que o processo de seleção não está concluído e que o F-18 dos EUA e o Gripen sueco ainda estão na disputa.
O comunicado conjunto de anteontem dizia que Lula e o presidente Nicolas Sarkozy "decidiram fazer do Brasil e da França parceiros estratégicos também no domínio aeronáutico" e anunciava "a decisão" de entrar em negociações para a compra. Em nota ontem à noite, Nelson Jobim (Defesa) corrigiu: "o processo de seleção (...), ainda não encerrado, prosseguirá com negociações junto aos três participantes".
A expectativa é que o negócio acabe sendo fechado com a França, mas só depois que a Dassault abaixar os preços do Rafale -o mais alto entre os concorrentes- e criar condições mais favoráveis de juros. Conforme a Folha apurou, Lula se precipitou no jantar com Sarkozy no domingo à noite e queimou etapas do processo de seleção, o que irritou o Comando da Aeronáutica e deixou Jobim no fogo cruzado.
Tanto que o ministro se recusou a dar entrevista na segunda no Alvorada para explicar um anúncio que é da sua área. Lula delegou a tarefa então para o chanceler Celso Amorim, que confirmou os termos do comunicado conjunto: "O que há é uma decisão de iniciar uma negociação com um fornecedor [a França].
E não há a mesma decisão em relação aos outros dois [EUAe Suécia]". Criada a confusão, o comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, reuniu durante todo o dia de ontem seus assessores. Eles se dizem satisfeitos como Rafale, mas não aceitaram o anúncio sem que o processo estivesse concluído. O relatório da FAB sobre as três opções nem sequer foi entregue ainda. Por volta das 15h, Jobim, Saito e o responsável pela seleção se reuniram para acertar um recuo que não confrontasse Defesa e Força Aérea com Planalto e Itamaraty. Na reunião do Conselho Político, Jobim deu uma explicação sobre o processo de escolha, defendendo que "os ritos e os prazos" fossem seguidos à risca para evitar questionamentos judiciais futuros.
Um dado considerado nas reuniões do governo foi que a opção por qualquer um dos três aviões só pode ser anunciada depois do aval do Conselho de Defesa Nacional, presidido por Lula e integrado por Jobim, Amorim, outros ministros e os presidentes do Senado e da Câmara.
Em encontro com líderes partidários, ontem, Jobim já tinha afirmado que o acordo entre Brasil e França para a compra de 36 Rafale ainda não estava fechado, e o que havia era apenas uma "conversa avançada" com os franceses. Questionado se Jobim teria confirmado a compra, o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), foi enfático: "Ao contrário, ele disse que ainda está em negociação".
Ontem, militares e diplomatas fecharam-se para declarações, enquanto afunilava a versão em Brasília de que Lula tomou a decisão do anúncio praticamente sozinho e isso pode atrapalhar a negociação de detalhes, como preços e condições do negócio. Daí o recuo. No caso da compra de quatro submarinos da classe Scorpène, mais a tecnologia para a fabricação de um submarino nacional de propulsão nuclear no Brasil, houve várias etapas de negociação, até ser assinado o contrato em si.
Um dos motivos apontados para Lula ter se precipitado foi a intenção de Sarkozy de adquirir da Embraer brasileira dez unidades da futura aeronave de transporte militar e reabastecimento aéreo KC-390. O avião está em fase de projeto, com financiamento da FAB, e uma promessa de venda externa deverá deslanchá-lo no mercado internacional. As compras dos aviões franceses podem custar R$ 10 bilhões.
Colaborou MARIA CLARA CABRAL, da Sucursal de Brasília
Projeto prevê mais poder para Defesa
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O ministro Nelson Jobim apresentou ontem aos líderes partidários proposta de reestruturação do Ministério da Defesa e das Forças Armadas para os próximos 20 anos.
O projeto, que deve ser enviado ao Congresso nos próximos dias, dá mais poderes à pasta, delegando ao ministro, por exemplo, a responsabilidade de indicar comandantes de Marinha, Exército e Aeronáutica. Hoje, o presidente tem poder de livre indicação. Pelo projeto, ele dará apenas a chancela final.
A proposta, segundo o presidente da Força Parlamentar de Defesa Nacional, deputado Raul Jungmann (PPS-PE), prevê ainda redistribuição das Forças Armadas no país.
Outro ponto considerado importante é o que dá poderes de polícia nas áreas de fronteira para Aeronáutica e Marinha, sendo que esta última poderia atuar também em águas no interior do país. Atualmente, tal poder é concedido apenas ao Exército.
Deputados destacaram ainda que o projeto cria um Estado Maior Conjunto das Forças Armadas.
PARCERIA
DASSAULT DEVE AJUDAR EMBRAER A DESENVOLVER NOVO AVIÃO
Segundo um executivo da Embraer que pediu para não ser identificado, a parceria está incluída no pacote de transferência de tecnologia oferecido ao Brasil como contrapartida à compra dos Rafale. O presidente Nicolas Sarkozy anunciou a disposição em comprar dez unidades do KC-390, que será usado para transporte de tropas e cargas e reabastecimento de aeronaves. A previsão é que o avião comece a voar em 2015 e substitua os Hércules C-130 usados pela FAB.
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Correio Braziliense - 9/9/2009
GLOBALIZAÇÃO
França investe no país
Quatro gigantes franceses reforçam presença no Brasil, que está um pouco mais competitivo para receber dinheiro estrangeiro
Vicente Nunes
A crise mundial, que completará um ano em 15 de setembro próximo, quando ruiu o banco americano Lehman Brothers, não afastou os investimentos franceses no Brasil. “Pelo contrário, reforçamos a posição no país. Nosso principal projeto, a construção da usina hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira, começou em dezembro do ano passado, auge da crise”, disse o diretor de Desenvolvimento de Negócios da GDF Suez, Gil Maranhão. “Somente nesse empreendimento, investiremos R$ 5 bilhões dos R$ 6 bilhões que programamos para o triênio 2009 e 2011”, acrescentou.
Segundo Maranhão, os desembolsos da empresa no país só não são maiores por falta de projetos, sobretudo para a construção de usinas geradoras de energia de porte médio, com capacidade para produção entre 800 e 1.000 megawatts (MW). “O Brasil priorizou os megaprojetos na área hidrelétrica. É uma opção, mas também é preciso oferecer empreendimentos menores. Com certeza, muitas empresas se interessariam em tocar os projetos. É por isso que está sobrando dinheiro no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) na área de energia”, destacou.
Enquanto espera por oportunidades menores, a GDF Suez está analisando a possibilidade de entrar na disputa para a construção da usina de Belo Monte, que terá capacidade de produção de mais de 11 mil megawatts. Quando estiver em andamento, será a maior hidrelétrica do mundo sendo levantada. A audiência pública para viabilizar Belo Monte deve começar neste mês e o leilão de concessão será realizado no fim deste ano ou início de 2010. “Estamos muito satisfeitos com o Brasil, onde já somos o maior investidor privado na geração de energia. O país está entre as nossas três prioridades fora da França. As outras duas são os Estados Unidos e a Tailândia”, frisou Maranhão.
Estratégico
O presidente da Rhodia para a América Latina, Marcos de Marchi, assegurou que nem mesmo a desaceleração econômica do Brasil, que viveu uma breve recessão entre outubro de 2008 e março deste ano, diminuiu o apetite da empresa pelo país. “O Brasil é estratégico dentro do nosso faturamento, pois responde por 15% das receitas totais do grupo”, afirmou. “Além da França, Brasil e Coreia do Sul são vistos como prioridade”, assinalou. Por isso, a gigante da área química manteve intocável o investimento de US$ 50 milhões previsto para este ano, apesar de a indústria ter sido o setor mais castigado pelas turbulências originárias do estouro da bolha imobiliária americana. “A crise não atrapalhou em nada os planos da empresa no país”, reforçou.
No varejo, não foi diferente. Segundo o diretor-geral da Leroy Merlin, Alain Ryckeboer, a companhia manteve firme o cronograma para a abertura de três lojas neste ano, sendo que uma delas, a de Niterói, no Rio de Janeiro, que será inaugurada em outubro, seguiu um modelo novo, por priorizar as questões ambientais. “Gastamos nessa loja 8% acima do tradicional. Mas, apenas com a economia nos próximos seis anos com o consumo de energia, recuperaremos todo o investimento”, disse. Em 2010, serão pelo menos mais dois pontos de venda, um deles em Taguatinga. “Estamos seguindo à risca os investimentos deste ano, de R$ 100 milhões”, enfatizou, lembrando que, na Leroy, as vendas registram alta acima de 10% contra queda média de 10% do mercado.
No Carrefour, com faturamento anual de R$ 14 bilhões, os desembolsos em 2009 baterão em R$ 1 bilhão para a abertura de 70 lojas, a despeito da crise. Entre 2008 e 2010, os investimentos totalizarão R$ 3 bilhões. Em termos de importância para a empresa, o país só está atrás da França e da Espanha.
O número
3
Número de países prioritários para a Rhodia: França, Brasil e Coreia do Sul
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Zero Hora - 9/9/2009
Por que o Brasil elegeu o caça Rafale
Aeronave francesa é mais cara que concorrentes, mas transferência de tecnologia pesou na decisão
Uma rajada de vento (ou de metralhadora), uma ventania. O significado de “Rafale” parece apropriado para o supersônico francês que leva esse nome – e foi escolhido em uma disputa com mais dois caças para ser adquirido pelo Brasil, em anúncio feito na segunda-feira. A escolha, que surpreendeu até as Forças Armadas, forçou o Ministério da Defesa a recuar.
Apesar do anúncio, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, declarou ontem em nota que o acordo não está fechado. Pressionado pela FAB, excluída da negociação, o governo admitiu o atropelo das regras formais da concorrência com o anúncio prematuro.
Os três aviões são similares em termos de performance, capacidade e desenvolvimento, diz o especialista em assuntos militares Nelson Düring, editor do site DefesaNet:
– A questão está mais centrada em outros aspectos, como o desenvolvimento de parcerias e a transferência de tecnologia. Nisso, os franceses parecem ter sido mais hábeis.
Düring lembra que a França fez, em São Paulo, uma apresentação em março para empresas dispostas a participar de parcerias. O esforço não significa, no entanto, que faltem qualidades ao Rafale, o mais caro entre as opções – aproximadamente US$ 88 milhões, contra US$ 55 milhões do F-18 eUS$ 76 milhões do JAS-39A Gripen.
– Ele é duas gerações mais avançado do que os caças que o Brasil têm – explica.
Segundo Düring, os caças brasileiros são bons, mas alguns são muito antigos, como os F-5, datados dos anos 70 e 80. Hoje, eles representam toda a frota da Base Aérea de Canoas. Em breve, os F-5 serão desativados. Com três esquadrilhas do Rafale – uma em Anápolis (GO) e outras duas no Norte e no Sul –, será possível fazer a defesa aérea de todo o território nacional.
Ainda não se sabe se algum dos 36 caças virá para Canoas. Conforme a Defesa, o processo está em andamento. Düring acredita que será mantida uma esquadrilha no Rio e uma segunda, em Anápolis. Por aqui, a previsão é de que o atual esquadrão funcione até 2020. Se caças vierem, serão para substituir os anteriores. O Brasil deve receber o primeiro em 2014.
Direto de Brasília
Klécio Santos
Nacionalismo supersônico
As Forças Armadas vão às compras. O eixo nacionalista do governo Lula não é novidade. E nem sua ambiciosa política externa, agora com tintas ainda mais fortes desde a descoberta do petróleo do pré-sal. Um nacionalismo armamentista dessa envergadura, contudo, não se manifestava desde o Estado Novo de Getúlio Vargas. Ao todo, serão quase R$ 34 bilhões em submarinos, aviões e helicópteros. Com o anúncio da intenção de comprar 36 caças Rafale da França, Lula manda um recado: França e Brasil se unem e se colocam como parceiros não só na esfera militar, mas no jogo diplomático. O próprio chanceler Celso Amorim escolheu a dedo as palavras ao afirmar que a negociação com os franceses “não será uma mera compra de caças”. É por isso que a antecipação já esperada da escolha do Rafale deixou até mesmo a FAB de lado. O ar de estupefação está nas palavras do diretor de uma das empresas concorrentes, consultado por Zero Hora.
– Não estamos prontos para comentar a escolha. Fomos surpreendidos, como todo mundo.
Embora seja um dos mais modernos caças supersônicos, a França vinha enfrentando dificuldades para vender o Rafale. Mas isso pouco importa agora. Com as encomendas, o Brasil entra para um seleto grupo de países que detêm uma frota de propulsão nuclear e se transformará na maior força aérea da América Latina. Um passo e tanto para quem almeja se firmar como liderança além da região e, de quebra, fazer um contraponto às parcerias já existentes entre Venezuela e Rússia e Colômbia e Estados Unidos.