Veio à luz, finalmente, o verdadeiro PAC: o Plano de Aceleração da Candidatura de Dilma Rousseff. Todo o desenho tem esse único objetivo: da primeira à última letra. Engana-se quem acha que tudo foi meticulosamente pensado ao longo de mais de um ano. Não! Os últimos 30 dias foram definidores na estrovenga apresentada. Ela empacou e precisa buscar os votos no fundo do poço, no pré-sal, na pré-história, no paleolítico, na rua, na chuiva, na fazenda…
E saibam: este plano tem muito de… Franklin Martins. Não! Não o superestimo. Aliás, sou dos poucos jornalistas que lhe fazem justiça. Ele deve ficar feliz comigo. Dou a ele a importância que tem nos malasartismos planaltinos. O governador do Rio, Sérgio Cabral, sabe muito bem, por exemplo, que o maior entusiasta da mudança na lei dos royalties é o muito generoso, patriota e capixaba Franklin. Mesmo sendo o seu estado de origem, o Espírito Santo, um dos maiores produtores de petróleo. Vocês sabem: ele é um homem bom. A família Martins, aliás, sabe tudo de petróleo: seu irmão é Victor Martins, aquele da Agência Nacional de Petróleo, vocês se lembram. Também têm o dedo de Franklin — todos os 20 — a defesa do regime de urgência e a armação da resistência junto aos governistas.
Mas é na proposta dos royalties que estava e está a sua obra-prima, o seu Moisés. Ele não tem dúvidas, a esta altura, de que é um gênio.
Desde o começo, a idéia era — E AINDA É — arrastar o governador José Serra para a defesa do óbvio e do que está na Constituição: os estados produtores de qualquer coisa que esteja sob o controle da União têm direito a compensações. A proposta da divisão fraterna ou quase é um absurdo, claro, que atenta contra a federação, diga-se de passagem. O bode foi posto na sala para cheirar mal mesmo e ser retirado depois, mas deixando aquele aroma… Objetivo: atrair José Serra para a defesa dos interesses de São Paulo e, assim, caracterizá-lo como adversário do resto do Brasil.
Quem estragou um tanto o jogo foi o governador Sérgio Cabral. Inteligente, genial, fora de série, fantástico e visionário como é, Franklin apostou que o governador do Rio defenderia… o Rio, claro! Mesmo sendo uma aliado de Lula, estava no preço: pega bem a um candidato à reeleição aparecer como o defensor do Rio. Ele só não queria que Cabral tivesse sido tão enfático. Acabou ocupando o noticiário. Mas e Serra? O governador de São Paulo sentiu o cheiro de bode, viu os chifres do bode, o rabo do bode, o corpo do bode e dedeve ter pensado: “Ah, isso é um bode!” Ficou quieto. E fez bem! Reclamou dos prazos, pediu o fim do regime do urgência — o que até alguns governistas agora pedem — e mais não disse. Defendeu os interesses de São Paulo, como lhe cumpre fazer, mas sem estardalhaço.
Franklin falhou. Sua capacidade de enxergar com mais aguda vista do que todos os outros homens o que está além da bruma, de antecipar com precisão científica como reagirá o outro, que sempre pode ser controlado, não demonstrou estar muito atilada. Então é preciso chacoalhar a árvores para derrubar os frutos, já que eles não caem por conta própria.
E veio a rebelião dos governadores nordestinos, capitaneada pelo governador de Pernambuco, Eduardo Campos — que, ao falar, sempre me parece que vai começar a cantar: “É o meu guri, olha aí, é o meu guriiiii…” Olhos de Chico Buarque e clarividência de Miguel Arraes… Nem parece uma voz do federalista Pernambuco. Ele quer ir à guerra. Ameaçou, se preciso, com uma variante de bater chapa! Sua tese: tudo dividido fraternalmente, pouco importa onde esteja o óleo — se é que tem óleo. Se não for assim, vamos para o voto.
Dilma, responsável, conciliadora e demonstrando que está preparada para ser presidente do Brasil, disse preferir não entrar no mérito. Entendo! É óbvio que a questão dos royalties nem mesmo teria sido colocada pelos demais estados não fosse o grupo palaciano (a tentação é usar outro substantivo para “grupo”) ter acenado com a alternativa. Até porque todo o rendimento do petróleo do pré-sal, se um dia houver petróleo do pré-sal, vai para investimento em infra-estrutura e para a área social, sem discriminação de estados. O que se pretende esconder é que os royalties incidem sobre uma parcela mínima dos ganhos. Nada além disso. A reivindicação, data vênia, é absurda. É como se São Paulo, Rio ou Espírito Santo reivindicassem dividir benefícios das riquezas naturais dos demais estados. Não adianta forçar a barra.
Mas Campos se pintou para a guerra e chamou para a briga. Quer ver se o principal candidato da oposição morde a isca. Aécio Neves chegou a ensaiar uma defesa da divisão equânime, mas deve ter pensado a tempo que poderia até ser simpático aos nordestinos, mas não muito prudente, então, junto ao eleitorado do Rio e de São Paulo. “Mas e Dilma? Não teme prejuízos?” O esforço é para ver se ela decola, de preferência assumindo uma dianteira folgada, no Nordeste. No Sudeste e Sul, não poderia perder de muito feio. Ademais, quem está atrás, muito atrás, é ela. Campos está fazendo a sua parte. Há zero de teoria conspiratória nisso tudo. Trata-se apenas de cálculo.
“Ah, ninguém pode proibir o outro por jogar com inteligência”. Epa! A inteligência também pode ser moral. Não há contradição entre essas categorias. A proposta, no modo como sugeriu o governo, era indecorosa. Seu propósito era e é deslocar o debate para um falso confronto: entre o resto do Brasil e os estados produtores. Já estamos fora do território da política.
Serra faz bem em ficar longe do tiroteio. Fazer o contrário seria burrice. Os governadores do Rio, Sérgio Cabral, e do Espírito Santo, Paulo Hartung, são aliados de Lula. Se a proximidade lhes custar o prejuízo da população de seus respectivos estados, que isso fique gravado na biografia de cada um.
De todo modo, e isso é o mais formidável dessa bufonaria toda, o petróleo está longe, no espaço e no tempo. A eleição é que está perto demais.