O novo presidente da União Nacional dos Estudantes, Augusto Chagas, acha "legítimo" o governo federal patrocinar o "movimento estudantil" e não vê, portanto, fundamento nas críticas ao fato de a UNE receber milhares de reais dos cofres públicos para realizar o seu congresso nacional e muitos milhões para reconstruir sua sede.
É uma maneira de ver a vida. Bem como é uma opção da entidade apoiar o grupo político que bem entender. Se o "movimento estudantil" se sente representado, confortável, ou não, nessa posição, é uma questão a ser resolvida entre os estudantes, a direção da UNE e os saudosos do velho espírito combativo retratado no lema "a UNE somos nós, nossa força, nossa voz".
Há algum tempo, a voz passou a ter um dono só. E, por isso mesmo, o público - ou parte dele - tem todo o direito de reclamar o destino do dinheiro coletivo. Bem como não tem mais condições de vislumbrar a mais tênue diferença entre um político que recebe favores do Estado para integrar a maioria do governo no Congresso e uma entidade que se curva a qualquer descalabro em troca de dinheiro em espécie.
O novo presidente da UNE, um estudante profissional de 27 anos de idade, eleito por pouco mais de 2 mil estudantes em pleito indireto e há anos devidamente manipulado pelo aparelho do PC do B, acha que protestar contra a CPI da Petrobrás sob o gentil patrocínio do acionista majoritário da empresa é exercer o sagrado direito à liberdade de expressão.
"Não vejo problema no fato de a UNE ter opinião", diz, aproveitando o ensejo para se associar a quem lhe paga (com o dinheiro alheio) no repúdio aos reparos - gerais, não só da oposição como quer fazer crer em seu sofisma - à presença na presidência do Senado e conduta moral e legal do senador José Sarney.
"A mera saída de Sarney não resolve nada", afirma como quem adere à campanha "eu também me lixo para a opinião pública". Realmente, "a mera saída" não resolve e pode até mesmo servir como lenitivo para aplacar consciências.
Por isso mesmo, o que se defende não é a "mera saída" por conta das irregularidades gerais cometidas na Casa, mas o afastamento por causa das denúncias de malversação do poder político que pesam contra o senador e a escolha de um presidente que possa conduzir o Senado para fora do mar de lama.
Mas tal providência não mobiliza a UNE, assim como aos estudantes do Brasil não parece causar desconforto esse tipo de posição por parte de alguém que diz representá-los. Há duas possibilidades de explicação para a indiferença, uma ruim e outra péssima.
A ruim, a ausência de legitimidade real da entidade. A péssima, o desinteresse da estudantada em tratar as questões nacionais com mais seriedade que protestos carnavalescos movidos ao horroroso simbolismo da "pizza".
O novo presidente da UNE não estabelece relação de causa e efeito entre a dinheirama ganha do governo federal e o protesto contra a CPI da Petrobrás. "Não acreditamos que a CPI tenha o objetivo de apurar irregularidades."
Não seria, então, o caso de esperar o início dos trabalhos e, uma vez configurada como verdadeira essa desconfiança, protestar contra a falta de empenho na investigação?
Talvez o novo presidente da UNE não tenha se dado conta, mas defende a mesma posição da tropa de choque comandada por Renan Calheiros, certamente alvo de zombaria e indignação nas rodas de sua convivência social, política e familiar.
O novo presidente da UNE ficaria chocado se comparado ao suplente Wellington Salgado? Pois não deveria.
Ter opinião é uma coisa. Isso o novo presidente da UNE faz quando revela sua preferência pela candidatura da ministra Dilma Rousseff. Quanto a isso, é como ele diz, não há nenhum problema.
A história muda de figura quando essa opinião é vendida como mercadoria. Repetindo: ter opinião é uma coisa.
Vendê-la é outra bem diferente. Implica uma decisão consciente, no mínimo, de abrir mão da moral para criticar o fisiologismo reinante na casa do vizinho.
Isso vale para a UNE, mas vale também para sindicatos e entidades ditas representativas de movimentos sociais, cuja função não é atacar ou defender governos, mas lutar pelas demandas de seus representados e, quando acham que devem, se engajar nas melhores causas. Sem prejuízo da opinião, mas também sem benefícios financeiros.
Honduras sob pressão
A recusa do governo de facto de Honduras de aceitar a proposta do mediador costa-riquenho Oscar Arias para pôr fim à crise provocada pelo golpe de Estado de 28 de junho, que depôs e desterrou o presidente Manuel Zelaya, cria uma situação ominosa para o pequeno país centro-americano e ameaça a estabilidade de uma região marcada por um prolongado histórico de violência política. O presidente Arias entrou no circuito a pedido dos Estados Unidos, depois que a OEA condenou por unanimidade o ato de força e, em seguida a um ultimato para o restabelecimento do governo Zelaya em 72 horas, aprovou a suspensão de Honduras da entidade.
Talvez porque previsse que o novo regime em Tegucigalpa chefiado por Roberto Micheletti fincaria pé no veto taxativo ao seu regresso, talvez porque, instigado por seu patrono Hugo Chávez, não tivesse intenção de cumprir os termos do plano Arias, o fato é que Zelaya não objetou a nenhum dos seus sete pontos. O pacote configurava, nas circunstâncias, o arranjo decerto mais razoável para devolver a Honduras um semblante de normalidade institucional e resgatar o país do isolamento a que foi submetido por exumar uma prática que infelicitou secularmente o Hemisfério - e contra a qual a OEA aprovou em 2001 a Carta Democrática em que se baseariam as decisões do organismo no caso.
Os seus aspectos cruciais seriam a formação de um governo de "reconciliação nacional" que ele encabeçaria, com representantes dos principais partidos, e o abandono da ideia chavista - que levou à destituição de Zelaya - de promover uma consulta popular que abriria caminho a uma reforma constitucional que, por sua vez, lhe permitiria disputar um segundo mandato. (A não-reeleição, a qualquer tempo, é cláusula pétrea da Constituição hondurenha.) Zelaya permaneceria no poder até o fim do mandato, em 27 de janeiro de 2010, mas as eleições para a sua sucessão seriam antecipadas de novembro para outubro próximo. Todo o processo seria monitorado por uma comissão de notáveis, entre hondurenhos e membros de entidades internacionais.
Se a intransigência do governo Micheletti embutia a expectativa de que os EUA se resignariam ao estado de coisas em Honduras que o presidente Barack Obama qualificara como "terrível precedente", os dias seguintes à recusa da oferta de Arias devem ter trazido desapontamento e inquietação para os dirigentes de Tegucigalpa. A secretária de Estado Hillary Clinton, que até então mantinha uma atitude próxima da neutralidade em relação ao conflito no país, em contraste com as posições pró-Zelaya da Casa Branca, pela primeira vez confrontou pessoalmente a crise. Em um telefonema a Micheletti, ela o instou a reconsiderar o plano Arias, advertindo-o para "as potenciais consequências de deixar de se beneficiar dessa mediação", no relato do porta-voz do Departamento de Estado.
Ao mesmo tempo, divulgou-se que empresários hondurenhos foram procurados pelo embaixador americano em Tegucigalpa, Hugo Llorens, que chamou a sua atenção para o impacto das sanções econômicas que os Estados Unidos poderiam adotar, não apenas suspendendo por inteiro a ajuda ao país, como ainda bloqueando contas de Honduras em bancos americanos - por sinal, uma insistente demanda de Zelaya. As pressões de Washington se somaram à decisão da União Europeia de congelar o equivalente a US$ 92 milhões em ajuda a Honduras. Se o endurecimento americano passar das palavras aos atos, não se imagina como os autores do golpe conseguirão fazer a travessia até as próximas eleições - o que parece ser o seu intento, numa política de fatos consumados. A dependência hondurenha dos Estados Unidos é simplesmente imensa.
E há o extremismo cada vez mais acentuado de Zelaya. Com o fracasso das negociações na Costa Rica, ele passou a pregar a "insurreição" contra os seus inimigos, além de anunciar sua segunda tentativa de voltar ao país, no próximo fim de semana, na sequência da greve geral que os seus partidários pretendem desencadear. O secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, não exagera ao dizer que a teimosia do regime de Micheletti é "uma loucura que pode custar caro". Para todos, menos para o caudilho venezuelano Hugo Chávez - dizemos nós.
O GLOBO:
Bizarrice
SER "ESTUDANTE profissional" já foi atividade política de alto risco. Passou a ditadura, e, felizmente, Augusto Chagas, 27 anos, novo presidente da UNE, pode exercer a militância sem sustos.
E COMO a UNE foi cooptada pelo lulismo em troca de patrocínio de estatais e outros repasses de dinheiro do contribuinte, Chagas é remunerado, de alguma forma, com dinheiro público.
DÁ-SE, ENTÃO, algo bizarro: um presidente da UNE convertido em servidor do Executivo federal.
Último golpe
É terrível o caminho que o governo Hugo Chávez impõe à Venezuela. Adepto da "democracia plebiscitária", ele empacotou tudo o que queria para se perpetuar no poder num projeto de Constituição mais delirante que socializante. Como o povo achou demais e não aprovou o projeto, Chávez tratou de implementá-lo por etapas e por decreto.
Derrotado também em eleições regionais em importantes estados do país, decidiu tirar dos governadores oposicionistas suas principais fontes de renda, repassando-as ao poder central, ele. O que resta da economia venezuelana fora das mãos do Estado está sob ameaça com o projeto da Lei da Propriedade Social, que Chávez deverá aprovar no Congresso, dominado por seus correligionários, no segundo semestre. O artigo 5 reza que o Estado pode "declarar de propriedade social bens, materiais e infraestruturas para assegurar, mediante a produção socialista, a satisfação das necessidades sociais e materiais da população". Estabelece, ainda, que o "Executivo poderá decretar a aquisição forçada, mediante justa indenização e pagamento oportuno, da totalidade de um bem ou de vários bens e declará-los de propriedade social". É quase inacreditável, não fosse fruto da cabeça de Chávez, que, em pleno século XXI, se queira criar, com esse projeto, o "Conselho Central de Planejamento da Economia Socialista", de retumbante fracasso na União Soviética. A última providência de Chávez é uma ampla reestruturação de seu Partido Socialista Unido da Venezuela, com a criação de 15 mil "pontos vermelhos" em todo o país, ou seja, patrulhas de 30 membros do PSUV que funcionarão como células. O presidente disse que elas deverão realizar um trabalho diário para "desmontar matrizes" de opinião contrárias ao "processo revolucionário". Tradução: caminha-se para o partido único e os comitês de bairro, sinais da cubanização da Venezuela. Este salto no escuro do passado é o golpe final numa democracia já em coma.
Se o futuro que Chávez pretende para o país é o do "socialismo bolivariano", o presente é o do nepotismo, do patrimonialismo, em nome do enriquecimento familiar a qualquer custo. É o que, segundo detalhada reportagem do "New York Times", acontece no estado natal do presidente, Barinas, controlado há décadas pelo clã Chávez, cada vez mais rico. O estado, o mais pobre do país, exibe o maior número de sequestros em toda a América Latina - 7,2 casos para cada grupo de 100 mil habitantes.
Honduras é a segunda Colômbia de Chávez
DEMÉTRIO MAGNOLI
Honduras, em si mesma, não tem importância econômica e perdeu uma efêmera relevância estratégica desde o encerramento da Revolução Sandinista na Nicarágua, há duas décadas. Mas, no pequeno país, joga-se a sorte do projeto de expansão da "revolução bolivariana" de Hugo Chávez.
No Parque Central de Tegucigalpa, ergue-se a estátua equestre de Francisco Morazán, herói nacional hondurenho e líder da República da América Central, o Estado de inspiração bolivariana que unificou, entre 1823 e 1840, quase todo o istmo centro-americano. O Morazán histórico era um liberal e tinha nos EUA o modelo para sua república federalista. Contudo, Eduardo Galeano e Gabriel Garcia Márquez, artesãos de uma mitologia latino-americanista, o incorporaram a um panteão lendário de personagens anti-imperialistas. Chávez, por sua vez, enxergou na Honduras de Manuel Zelaya a oportunidade para restaurar a República da América Central como uma das peças de seu almejado bloco antiamericano.
A República da América Central desmoronou sob os efeitos do conflito oligárquico entre liberais e conservadores. As duas correntes coagularam-se em Honduras como os partidos Liberal (PLH) e Nacional (PNH), que configuraram um duopólio e governaram o país durante quase todo o século 20, numa dinâmica interrompida apenas por ciclos de regimes militares. O último desses ciclos encerrou-se pela elaboração de uma Constituição que, expressando um consenso entre os dois partidos, estabilizou a democracia oligárquica hondurenha.
A Constituição de 1982 é um documento curioso. Vazada em linguagem democrática, ela assegura a hegemonia do duopólio partidário e a alternância de poder entre o PLH e o PNH. Para evitar a ascensão de um caudilho, subordina a realização de consultas populares à aprovação de uma maioria de dois terços do Congresso. O ferrolho completa-se com os artigos 373, que só permite emendas constitucionais pelo voto de dois terços dos parlamentares, e 374, que define o mandato único presidencial de quatro anos como cláusula pétrea. Adicionalmente, o artigo 42 prevê a punição de perda de cidadania pelo crime de "incitar o continuísmo ou a reeleição" presidencial, o artigo 239 determina a "cessação" imediata das funções públicas de quem "proponha a reforma" da cláusula do mandato presidencial único e o artigo 272 elenca, entre as funções das forças armadas, a defesa da alternância na presidência. Zelaya, um integrante da elite do PLH, rico criador de gado e comerciante de madeira, elegeu-se em 2005 e sonhou elevar-se a caudilho. A sua pretensão envolveu Honduras no turbilhão da "revolução bolivariana".
Zelaya não se permitiria sonhar, não fosse o chavismo. Mas o candidato a caudilho alinhou Honduras à Aliança Bolivariana das Américas (Alba), o bloco geopolítico liderado por Chávez, incorporou o país à Petrocaribe, um sistema de fornecimento de petróleo a preços subsidiados pela estatal petrolífera venezuelana - e, quando perdia apoio popular, lançou-se à aventura de reformar a Constituição por meio de um referendo. Em Honduras, o presidente é pouco mais que um funcionário administrativo da elite política liberal-conservadora. A deposição de Zelaya, por um golpe militar apoiado pelo Congresso e pela Corte Suprema, evidenciou a força do consenso oligárquico num país cuja legislação não prevê o instrumento do impeachment.
A condenação consensual do golpe esconde a divergência de fundo entre as condutas dos EUA e da Venezuela. A Carta Democrática da OEA, instituída como plataforma para a reinvenção da organização panamericana no pós-Guerra Fria, determina a suspensão da participação de Estados que sofrem ruptura da ordem democrática. Em consonância com ela, Washington votou pela suspensão de Honduras. O gesto de coerência com os princípios da democracia inscreve-se na política de preservação da OEA como ponte entre os EUA e a América Latina e estabelece parâmetros a serem aplicados também nos casos de Cuba e, eventualmente, da própria Venezuela. Mas o governo Obama não cortou o tratado comercial bilateral com Honduras. Ele pressiona por um acordo entre Zelaya e o governo de fato que propicie a realização de eleições e afaste o intento continuísta.
Chávez precisa de um outro desfecho da crise: a reinstalação incondicional de Zelaya na presidência e uma ruptura política que o eleve à condição de caudilho. Antes do golpe, o venezuelano providenciou as cédulas para o referendo hondurenho, que havia sido declarado ilegal pela Corte Suprema. Depois, coordenou a tentativa frustrada de retorno de Zelaya, em avião cedido pela Venezuela. Agora, dirige indiretamente os confrontos entre os apoiadores do presidente deposto e as forças do governo de fato no território de Honduras. Diversos indícios sugerem que militantes chavistas ingressam em Honduras, através da Nicarágua de Daniel Ortega, um firme aliado do chavismo.
As iniciativas ousadas de Chávez no teatro hondurenho não refletem o avanço, mas o impasse da "revolução bolivariana" que se desenhou com o fracasso na Colômbia. Há pouco mais de um ano, o desfecho da crise dos reféns na selva colombiana destruiu o projeto chavista de alcançar o reconhecimento internacional das Farc como força beligerante. Hoje, por uma das proverbiais ironias da história, a recessão econômica global corta as rendas petrolíferas que possibilitaram a projeção regional da influência da Venezuela. Na América Central, Honduras tendia a abandonar a Alba após o fim do mandato de Zelaya, reduzindo o bloco a uma Cuba que ruma sem leme para o desconhecido e à Nicarágua do governo impopular e autoritário de Ortega.
A "revolução bolivariana", como toda a revolução, só tem as alternativas de se expandir ou de estagnar e morrer. Chávez não pode admitir uma segunda Colômbia. Por isso, precisa cobrir o cavalo de Morazán com a bandeira da Alba.
DEMÉTRIO MAGNOLI é sociólogo e doutor em geografia humana pela USP.
JB ONLINE:
STF decidirá sobre cotas para negros no vestibular
Pedido de liminar contra medida foi impetrado no tribunal pelo Democratas
Brasília
O Supremo Tribunal Federal recebeu do Democratas pedido de suspensão liminar da adoção, pela Universidade de Brasília, de cotas para admissão de vestibulandos negros e pardos. A medida começou a ser praticada em 2000 no estado do Rio de Janeiro por diversas universidades federais e depois se estendeu à Universidade Federal da Bahia, sendo adotada em seguida pela UnB.
Está previsto para os dias 23 e 24 de julho o registro dos estudantes aprovados no segundo vestibular de 2009 da Universidade de Brasília, tendo sido fixadas 20% das vagas para eles. O DEM alegou na medida impetrada no STF que vão ocorrer "danos irreparáveis se a matrícula se basear em cotas raciais, a partir de critérios dissimulados, inconstitucionais e pretensiosos". Para o partido, fica caracterizada "ofensa aos estudantes preteridos" e por isso pede a legenda pede resposta urgente do Supremo.
Os advogados do DEM alegam que estão sendo violados diversos preceitos fundamentais fixados pela Constituição de 1988, como a dignidade da pessoa humana, o preconceito de cor e a discriminação, afetando o próprio combate ao racismo.
Um marco
Para o ex-assessor de Diversidade e Apoio aos Cotistas e coordenador do Centro de Convivência Negra da UnB, professor Jaques Jesus, o obedecimento de cotas na UnB se insere num "marco na batalha pela inclusão social, como defendia um dos fundadores da UnB, o professor Darcy Ribeiro". Segundo Jaques Jesus, que até agosto do ano passado era gestor do sistema de cotas na UnB, o sistema "é justificável diante da constatação de que a universidade brasileira é um espaço de formação de profissionais de maioria esmagadoramente branca, valorizando assim apenas um segmento étnico na construção do pensamento dos problemas nacionais, de maneira tal que limita a oferta de soluções para os problemas do país".
O advogado Valmir Pontes Filho, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por sua vez, combate a fixação de cotas em universidades, porque entende que isso estimula a discriminação. O critério, segundo ele, deveria ser estabelecer cotas para quem for mais pobre, sem levar em conta a sua cor, defende Pontes. Segundo o conselheiro, em determinadas áreas do Nordeste existem lavradores brancos, de olhos azuis, muito pobres, descendentes dos exploradores holandeses que invadiram o Brasil na época da colonização.
- Eles em nada são diferentes de pessoas que tenham outra cor de pele. A diferença está na questão econômica e social - argumenta.
O combate à discriminação racial em todos os gêneros, assinala, "começa no coração e na cabeça de cada um, e o Brasil ainda carrega o ranço do preconceito, que só com muito trabalho e convencimento será superado". O jurista reconhece que os negros foram historicamente discriminados na época da escravatura, e o país "precisa ter em mente que eles devem ser tratados como iguais e não por causa da cor da pele".
A decana de Ensino de Graduação da UnB, Márcia Abrahão, disse ontem que a instituição recebeu com surpresa o pedido de liminar encaminhado pelo DEM.
- É um sistema consolidado, aprovado pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da universidade, que é autônoma - justificou. A professora defendeu a garantia de 20% das vagas do vestibular para negros e pardos e afirmou que a liminar do DEM não coloca em risco a continuidade do sistema. - A universidade está segura de que o sistema de cotas só enriquece a instituição. Nossa avaliação das cotas é excelente. Fez com que a universidade se abrisse, ampliou a diversidade.
Os alunos que entram na UnB pelo sistema de cotas fazem as provas do vestibular como os outros estudantes e só são selecionados os que obtém as notas mínimas exigidas pelos cursos.
- Só entram depois de aprovados no vestibular. Não houve queda na qualidade da instituição, pelo contrário, a universidade ganhou em riqueza cultural - defende a decana. A UnB não foi notificada da ação, segundo Márcia. - Ficamos sabendo pela imprensa.
As providências judiciais, como a apresentação de um possível recurso ao STF, serão tomadas pela Advocacia Geral da União (AGU), de acordo com a decana. (Com agências)
CORREIO BRAZILIENSE:
A ficha suja dos políticos
Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
O nome da campanha deixa claro o que pretende: tornar mais difícil ou impedir a eleição de candidatos que tenham "ficha suja", seja em suas vidas privadas, seja em atividades políticas ou na administração pública
Quem acompanhou o noticiário político dos últimos dias deve ter reparado na informação de que a Campanha Ficha Limpa está prestes a alcançar seus objetivos. Segundo seus idealizadores, até o fim deste mês, ela deve atingir a marca de 1 milhão de assinaturas, o que permite esperar que, até setembro, ela chegue ao 1,3 milhão necessário à apresentação de um projeto de lei de iniciativa popular.
A ansiedade quanto aos prazos se justifica. Se não obtiver esse número de assinaturas nos próximos dois meses, a nova lei pode vir a ser aprovada, mas fora do prazo para que tenha efeito nas eleições de 2010, pois propostas com essa origem, para que sejam apreciadas, exigem o aval de, pelo menos, 1% da população eleitoral. Ou seja, faríamos mais uma eleição (e de que importância!) sob as regras atuais.
Quem coordena o enorme esforço de mobilização que um trabalho como esse exige é o Movimento Nacional de Combate à Corrupção Eleitoral - MCEE, em torno do qual se organizam algumas dezenas de entidades da sociedade civil, maiores e menores. Na linha de frente, encontra-se a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por meio de sua Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP).
O nome da campanha deixa claro o que pretende: tornar mais difícil ou impedir a eleição de candidatos que tenham "ficha suja", seja em suas vidas privadas, seja em atividades políticas ou na administração pública. Pelo texto proposto, os casos de inelegibilidade seriam ampliados, abarcando os condenados em primeira instância por crimes graves e por atos de improbidade administrativa, assim como por práticas de corrupção eleitoral.
O MCEE enfrenta sua segunda batalha desde que foi criado como corolário da Campanha da Fraternidade de 1996. Ela tinha como inspiração o lema "fraternidade e política" e elegeu como alvo prioritário a corrupção eleitoral.
Entendendo que a solução do problema começava por uma mudança de atitude da população, a CBJP propôs à CNBB que fosse utilizado o mecanismo da iniciativa popular de lei, uma inovação subaproveitada da Constituição de 1988. Adotando-a, atingiam-se duas finalidades simultaneamente. De um lado, fazia-se chegar ao sistema político uma reivindicação relevante da sociedade civil. De outro, ao encaminhá-la, gerava-se uma mobilização popular que, em si, era um resultado a se valorizar.
Apesar de se apoiar na estrutura da Igreja Católica, a campanha contra a corrupção eleitoral demo-rou a ganhar corpo e, por pouco, não naufragou. Às vésperas do prazo final para que qualquer alteração jurídica tivesse efeito na eleição de 2000, faltava metade do necessário, com pouco mais de 500 mil assinaturas computadas e uma visível perda de seu ímpeto. Nem a maior, a mais tradicional e a mais enraizada instituição brasileira se mostrava capaz de motivar um esforço do porte que a Constituição requer nesses casos.
A primeira lei brasileira oriunda de uma iniciativa popular só vingou quando os meios de comunicação de massa resolveram viabilizá-la. O que a Igreja demorou quatro anos, de 1996 a 1999, a conseguir, as emissoras de televisão alcançaram em três meses. Chegou-se à meta de 1 milhão de eleitores.
Para que o desejo de tantas pessoas fosse, no entanto, sequer apreciado, a iniciativa popular teve que ser, do ponto de vista formal, desprezada e substituída por uma nova proposta, de iniciativa parlamentar convencional. Assim, pôde tramitar sem percalços, impulsionada pelo sentimento de que era bom (para os políticos) que fosse aprovada logo.
Essa é a história da Lei nº 9854, de 1999, a primeira de iniciativa popular, a que foi sem ser. Se a nova campanha vingar, ela ganhará uma companheira, para lutar contra os "fichas-sujas".
Será um avanço, mas que ninguém acredite que muita coisa vai mudar. De um lado, sua aplicabilidade será pequena, pois ela suspende um princípio fundamental da democracia: o respeito ao processo legal. Como garanti-lo, quando decisões de primeira instância se tornam, na prática, finais? De outro, as novas condições de inelegibilidade vão pegar mesmo os ladrões de galinha. Os tubarões da política, os que fazem mal de verdade, nunca foram (e parece pouco provável que venham a ser) condenados. Quem dá trabalho mesmo costuma ter ficha imaculada.
CRISE EM HONDURAS
Líder deposto prepara retorno
Viviane Vaz
O prazo de 72 horas para o fim da mediação do presidente costarriquenho Oscar Arias terminou ontem, mas o impasse em Honduras continua. "Estou esperando uma nova proposta", disse o chanceler e principal negociador do governo interino, Carlos Lopez. "Estamos esperando uma ligação", disse. O presidente interino, Roberto Micheletti, exclui a volta do líder eleito Manuel Zelaya ao poder para chegar a um acordo. Arias definiu ontem a negociação como "um processo não isento de oposição e intransigência".
O jornalista nicaraguense Juan José Pérez, do diário La Prensa, disse ao Correio, por telefone, que o tema está sendo acompanhado com preocupação em Manágua, sobretudo pelas consequências econômicas à região. A crise em Honduras já fez com que a União Europeia suspendesse as negociações para o acordo de associação comercial com a América Central por tempo indeterminado. Segundo Pérez, também circulam diferentes versões sobre a chegada de Zelaya a Honduras. Uma delas afirma que o presidente deposto entraria pela Nicarágua. Ontem, Zelaya anunciou que pretende voltar hoje a Honduras com uma caravana de manifestantes reunidos nos países vizinhos - El Salvador, Guatemala e Nicarágua.
Brasil
Micheletti pediu tranquilidade à população diante das declarações de Zelaya, de que começou uma "guerra civil" no país. A publicitária hondurenha Ana Carolina Andino disse à reportagem que o clima não é de confronto armado em Tegucigalpa, apesar de manifestantes de ambos os lados organizarem protestos perto da casa presidencial. Organizações defensoras de Zelaya convocaram uma greve de funcionários públicos para amanhã, como também o bloqueio de estradas, como forma de protesto ao governo de Micheletti.
Em Brasília, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, reiterou ontem a posição brasileira. "O Brasil é totalmente a favor da volta do presidente de Honduras. Mas queremos que isso se realize por meios pacíficos, obviamente", ressaltou. "Espero que eles (golpistas) compreendam que eles têm de sair, e eles estão apenas retardando sua agonia, porque eles não têm condições de ficar, com prejuízo para o povo hondurenho", afirmou Amorim. Para o chanceler brasileiro, o povo hondurenho é quem vai sofrer com a manutenção de Micheletti, uma vez que as ajudas humanitárias e de cooperação oficial a Honduras começam a ser interrompidas. A saída apontada por Amorim é resolver a questão nos termos da resolução da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Alta voltagem
Lula vai ceder ao Paraguai sobre Itaipu, e nem tem mais como virar as costas para o colega Lugo
Por Antonio Machado
A decisão do presidente Lula de ceder à pressão do Paraguai para vender no mercado livre de energia do Brasil a sua cota na usina de Itaipu não será tomada sem ônus, sobretudo para ele próprio. A associação com o caso da Bolívia, quando Lula aceitou sem piar que o governo Evo Morales encampasse investimentos da Petrobras, será inevitável. Mas a questão tem nuances, e parece irreversível.
As semelhanças são mais de forma, não de conteúdo. Morales agiu à moda revolucionária, justificada como decisão soberana, sem nem se preocupar em preservar a imagem de um aliado que chegou a intervir na política interna boliviana para ajudá-lo a se eleger.
Lula o fez mais de uma vez com Morales, e repetiu no Paraguai, na Venezuela, no Equador, sempre beneficiando candidatos com os quais imagina ter identidade política, como o venezuelano Hugo Chávez.
Foi com o mesmo discurso chavista, de soberania nacional e luta contra supostas injustiças externas - dos EUA, em todos os casos, do Brasil, em questões específicas, como da Petrobras na Bolívia e da empreiteira Odebrecht no Equador, do governo Rafael Corrêa, de onde foi escorraçada -, que o ex-bispo Fernando Lugo se elegeu no Paraguai. Ele prometeu forçar o Brasil a rever o tratado de Itaipu em campanha apoiada por Lula. Agora, cobra o prometido e é cobrado.
Enfraquecido por escândalos sexuais e à frente de um governo de coalizão no qual o seu grupo é minoritário, ou entrega uma receita maior de Itaipu ou corre o risco de ser desestabilizado.
Diferentemente de Morales, porém, Lugo não foi atrás da ajuda de Chávez para enfrentar o Brasil. Ele quer melhorar as condições do que recebe o Paraguai por algo que também pertence ao país, ainda que nada tenha feito para tê-lo, já que só entrou com a sua margem do Rio Paraná, sem gastar um centavo: a metade da usina de Itaipu.
Desse negócio, firmado à época pelos governos militares de Brasil e Paraguai, mas com sólida legitimidade legal e política, cabe aos paraguaios dispor de 50% da energia gerada por Itaipu, da qual só aproveita 5% e vende, por força de contrato, o excedente ao Brasil por meio da Eletrobrás pelo preço líquido de US$ 45 o megawatt/hora, abatidos os seus custos operacionais e prestações da dívida.
O que for mexido neste arranjo implica mudar o tratado, apesar de o governo Lula dizer o contrário, o Congresso talvez tenha de ser ouvido e haverá repasse de custo para as contas de eletricidade de algum jeito. Desse ônus o governo Lula não escapa ao ceder a Lugo.
Seis por meia dúzia
A idéia a ser apresentada por Lula a Lugo em Assunção, na sexta-feira, é que o Paraguai possa vender a energia excedente que lhe cabe no mercado livre brasileiro, sem passar pela Eletrobrás, no qual, teoricamente, poderá obter tarifa mais alta. Nesse mercado é comercializada a energia usada por grandes indústrias e shopping centers, por exemplo, enquanto a consumida por residências tem o seu fornecimento cativo pelas distribuidoras a tarifas fixas.
Hoje, tal arranjo equivale a trocar seis por meia dúzia, já que a oferta de eletricidade é maior que a procura. Em médio prazo, com a entrada em operação das usinas em construção, além das termos a gás e combustíveis alternativos, não se prevê grandes aumentos de tarifa, afora para amortizar os investimentos e repassar custos.
Como cunhado incômodo
Como reagirá o Paraguai? A questão é mais complexa do que sugere a discussão de tarifas pagas ao Paraguai. O governo Lugo, de fato, quer a aprovação brasileira para exportar a energia não consumida.
Os interessados são Chile e Argentina. Lula diz que isso ele não cede, até porque ai sim estaria ameaçada a segurança energética do Brasil. Seria risco grave. Ao Paraguai, será uma possibilidade só em 2023, quando vence o atual tratado. Ao mesmo tempo, tal como o cunhado incômodo que se tem de aturar para agradar a mulher, o Paraguai é, quer se queira ou não, parte dos interesses nacionais.
Pé fraco do Mercosul
Faltam ao Paraguai recursos naturais como os têm a Bolívia, renda de serviços e agricultura como o Uruguai e uma economia mais ampla como a Argentina. É o patinho feio do Mercosul. Lula extrapolou as possibilidades da integração regional, turbinando-a sem projeto de desenvolvimento para os vizinhos e a noção de liderança política. Sobraram faturas para o contribuinte brasileiro pagar. Agora ficou tarde para virar as costas. Mas não pode o governo sugerir que as concessões possam ser ilimitadas. Uma hora isso terá de ser dito.
Bate que eles cedem
A parte fraca da diplomacia lulista, que também se manifestava na de FHC, é o temor de o país ser visto como imperialista na região. Imperialista nunca foi, mas igual também não. Nos acertos com seus vizinhos, já é hora, por exemplo, de condicionar as concessões e o acesso a financiamento à aceitação do real em vez de dólar e euro.
Os mercados também não podem ser fechados à indústria brasileira, como faz a Argentina, que, no entanto, cedeu à China. Ela faz tais exigências como princípio para estabelecer relações preferenciais. EUA e Europa, idem. Aqui, o protecionismo deles é justificado. É o complexo de vira-lata invertido. Ficou assim: bate que eles cedem.
Central única dos altos salários
Ex-sindicalistas, que antes faziam greves em favor dos petroleiros, ocupam hoje cargos de gerência na empresa e recebem vencimentos mensais de R$ 40 mil em média
Durante mais de 20 anos, um grupo de sindicalistas da Petrobras, ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT), não hesitava em promover greves, fazer piquetes nas portas de refinarias ou até mesmo enfrentar a polícia durante as campanhas por melhores salários. Desde 2003, quando o PT assumiu o governo, o problema de salário não existe mais para esse núcleo de ex-petroleiros. Documentos obtidos pelo Correio/Estado de Minas comprovam que um grupo de pelo menos 20 ex-sindicalistas passou a receber da Petrobras e de empresas subsidiárias um salário médio de R$ 40 mil - incluindo participação nos lucros da empresa. Esse valor corresponde a 45 pisos mínimos salariais da categoria, que está hoje em torno de R$ 1 mil. Os vencimentos dos novos dirigentes da estatal, que variam de R$ 30 a R$ 60 mil, também estão bem acima do piso de R$ 3 mil dos funcionários da empresa com nível superior.
Remanescentes da Federação Única dos Petroleiros, a FUP, uma organização trabalhista ligada à CUT, os ex-petroleiros foram acolhidos principalmente nos departamentos de Comunicação Institucional, de Recursos Humanos e de Gás da estatal. Os bons rendimentos da empresa levaram os ex-sindicalistas a trocar os megafones por ternos bem cortados, propriedades rurais no interior de São Paulo e apartamentos na Zona Sul do Rio. Nomeado no início do governo Lula para o cargo de gerente comunicação estratégica da Petrobras, o ex-dirigente do sindicato dos Petroleiros de Campinas Wilson Santarosa, que entrou na empresa como operador de refinaria, conseguiu fazer uma mudança ainda mais radical. Além de se transferir para um apartamento no Leblon, bairro nobre na Zona Sul do Rio, Santarosa conseguiu trocar o número do seu CPF - documento que indica, por exemplo, se o portador tem uma dívida praça. O número 907.370.248.87, usado por Santarosa nos tempos em que ele morava em casa na periferia de Americana, no interior de São Paulo, foi cancelado pela Receita Federal.
Identidade
De posse de uma nova identidade fiscal, Santarosa recebe hoje em torno de R$ 704 mil por ano de rendimentos da Petrobras e da Petros, o fundo de pensão da empresa estatal, onde exerce o cargo de conselheiro. A papelada mostra que, em 2007, Santarosa recebeu da Petrobras a bolada de R$ 557.519,38 entre salários e outros bônus. O montante, que não inclui o valor do 13º salário, indica que só da estatal Santarosa recebeu em torno de R$ 45 mil por mês. O ex-sindicalista ganhou ainda cerca de R$ 84 mil da Petros em 2007, elevando os ganhos para R$ 641.516,48, o que deu rendimento mensal de R$ 53.400.
Com o aumento de 9,8%, concedido ano passado a toda a categoria, os rendimentos de Santarosa chegaram a R$ 704 mil por ano. Isso significa que em 2008, o ex-sindicalista recebeu renda mensal em torno RS$ 60 mil. A fim de garantir o futuro da família, ainda conseguiu empossar sua mulher, Geide Miguel Santarosa, como ouvidora na BR Distribuidora. Ex-assessora do marido na Sindipetro de Campinas, Geide recebe cerca de R$ 10 mil por mês.
ZERO HORA:
Diplomatas de Chávez expulsos de Honduras
Venezuela é principal aliado de Zelaya, que promete voltar hoje ao seu país
Em meio ao aumento da pressão internacional e à intensificação das manifestações internas, o novo governo de Honduras, instalado depois do golpe militar de 28 de junho, entrou de vez em conflito com a Venezuela. Honduras deu ontem um prazo de 72 horas para os diplomatas venezuelanos em Tegucigalpa e demais funcionários abandonarem o país, sob a acusação de "ameaças de uso da força e intromissão em assuntos internos". Os venezuelanos, porém, dizem que não vão se retirar, por considerar ilegítimo o novo governo.
A expulsão foi anunciada em carta enviada pela vice-chanceler Martha Casco ao embaixador da Venezuela, Armando Luna. Além do pessoal diplomático, foram expulsos os responsáveis pelos setores administrativo e técnico. Ao mesmo tempo, os funcionários da embaixada de Honduras já estão deixando Caracas. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, é o principal aliado de Manuel Zelaya, presidente deposto de Honduras.
Ontem, Zelaya caracterizou como "guerra civil" o que ocorre em seu país e responsabilizou o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas hondurenhas, general Romeo Vásquez, caso venha a ser morto. Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele afirmou que regressará hoje a Honduras, por volta das 10h (13h em Brasília), partindo por terra da Nicarágua. O presidente deposto já tentou uma vez retornar ao país por avião, em 5 de julho, mas foi impedido pelo governo interino.
Líderes mundiais pedem o retorno de Zelaya ao poder. O presidente interino, Roberto Micheletti, porém, está irredutível. Diz que Zelaya só voltará se for para responder a processo pelas ilegalidades que supostamente cometeu.
FOLHA DE SP:
No colo de Obama
Eliane Cantanhêde
Brasília
A ameaça do presidente eleito Manuel Zelaya de voltar a Honduras na raça hoje, por terra, não só alastrou o pavor de um conflito armado e até de um banho de sangue, como deixou uma evidência. A crise no segundo país mais pobre da América Central e do Caribe (depois do Haiti) virou um marco: a ratificação da influência decisiva dos EUA, que andava meio esmaecida na região.
Relembrando: os EUA ficaram isolados nas duas reuniões da OEA que condenaram a Colômbia pela invasão do Equador para dizimar um acampamento das Farc, o que foi comemorado como início de novos tempos de mais independência e mais iniciativa nas Américas.
Durou pouco. Bush se foi, Obama chegou e trouxe junto Hillary Clinton, com sua disposição de abrir o diálogo, ceder, ter uma ação mais pró-ativa aqui e alhures. Assim, se o impasse em Honduras uniu gregos e troianos, venezuelanos e norte-americanos, colombianos e cubanos no rechaço aos golpistas, o fato é que acabou sendo uma plataforma para a reentrada de Washington nos assuntos da região. Menos pelo Pentágono, mais pela Secretaria de Estado. Suavemente.
A posição brasileira é ilustrativa.
No conflito Colômbia-Equador, o tom do Brasil para a Washington de Bush era mais ou menos assim: "Não se meta, porque o problema é nosso". Na crise de Honduras, os telefonemas de Brasília para Obama-Hillary são bem diferentes: "Olha, só vocês podem resolver essa parada. Deem um jeito de impedir um acordo do Zelaya com os golpistas e um governo de coalizão".
Moral da história: Bush era ruim para todo o mundo, literalmente, mas tinha lá suas vantagens para o continente e para os arroubos de liderança do Brasil. Já Obama, que tende a ser bem melhor para todo o mundo, também literalmente, recompõe a natural hegemonia da maior potência na região. A bomba Honduras está no colo de Obama.