Embraer completa 40 anos visando a liderar em várias frentes e mitigar riscos. E ganha fôlego antes de entrar no próximo embate no segmento comercial
por Solange Monteiro
Em 2007, a companhia brasileira aeroespacial Embraer começou a projetar que a comemoração de seus 40 anos de vida - em agosto de 2009 -, seria feita com um crescimento ímpar. A empresa, líder mundial do segmento de aviação comercial de 70 a 120 assentos, adotou novas práticas industriais e dimensionou suas plantas para produzir como nunca. O objetivo era fechar o ano de festas com um faturamento recorde de US$ 7 bilhões.
Entretanto, o mapa de navegação da companhia não contemplava a crise econômica do final de 2008. "Tivemos que reduzir a estimativa de entrega, de vendas, número de funcionários - que foi a pior coisa que poderia ter acontecido, pois a gente não contrata 10 mil pessoas em seis anos, as capacita, para depois demitir 4 mil", diz Carlos Eduardo Camargo, diretor de Relações com os Investidores da Embraer. A projeção de entrega, que era de 270 aviões, foi reduzida para 242, devido a cancelamentos e prorrogações. "Mas isso não significa que andamos para trás. A atual estimativa de receita, de US$ 5,5 bilhões - e que esperamos que se repita em 2010 -, significará o segundo melhor ano da história da empresa. Então, temos que comemorar", afirma o executivo.
Para suportar a queda nas vendas, a Embraer recebeu de presente duas ajudas de peso. A primeira, o financiamento do BNDES para contratos de compra de aviões regionais, sobretudo os primeiros feitos em reais para companhias aéreas brasileiras: à Azul Linhas Aéreas - primeira companhia a adquirir os E-Jets para operar no Brasil -, de R$ 254 milhões para quatro jatos. E o segundo para a Trip (de R$ 199,2 milhões), que havia feito uma encomenda inicial em junho de 2008, logo revista, e cujo primeiro de quatro jatos ERJ 145, para 86 passageiros, estava estacionado na Embraer desde fevereiro esperando pagamento.
Esse é um avanço considerado importante dentro do mercado doméstico, em que a ausência da Embraer no âmbito da aviação comercial é notória, e não apenas por uma questão de mercado para os modelos regionais ou pela falta de financiamento, principal desafio da força de vendas dessa indústria em qualquer país. "Nossas companhias aéreas sofreram para comprar aviões nacionais devido a impostos altos, enquanto um Airbus, por exemplo, entrava no País isento de impostos", diz Roberto Portella Bertazzo, membro do Centro de Pesquisas Estratégicas da Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais. "Hoje não existe mais diferença de carga tributária entre aeronaves compradas no Brasil e no exterior", garante Adalberto Febeliano, diretor de assuntos institucionais da Azul. Segundo Febeliano, a empresa chegou a efetuar algumas operações de exportação e reimportação de aviões da Embraer, mas "porque os financiadores eram internacionais, e questões legais e burocráticas ditaram esse procedimento".
Já a segunda ajuda, na área de defesa, veio das mãos da Força Aérea Brasileira (FAB), com um projeto de construção de um avião cargueiro (KC 390) que poderá substituir o C-130 Hércules e implicará investimentos de US$ 1,3 bilhão em sete anos. "O nosso cargueiro será mais moderno, conseguirá cobrir uma distância mais longa e mais rapidamente, pois é um avião a jato, com a mesma capacidade", conta Camargo. A estimativa é de uma demanda de 22 unidades pelo governo brasileiro, e mais um mercado de exportações que poderia alcançar os US$ 18 bilhões.
"Agora, o desafio da Embraer está claro: a busca do equilíbrio entre as áreas executiva, comercial e de defesa, bem como a diversificação de mercados, para superar os momentos de alta e baixa comuns nessa indústria", avalia Paulo Sampaio, diretor da Multiplan Consultoria Aeronáutica, na capital paulista. E a atual turbulência não fez a empresa sair dessa rota. Na matriz em São José dos Campos, interior de São Paulo, o movimento é moderado, mas diferente do visto no início da década. Em junho, no hangar F-220, dedicado à montagem final das aeronaves, a fileira de caudas dos jatos estacionados era multicolorida: encomendas de companhias aéreas da Polônia, Alemanha, França e Índia. "Há sete anos, 80% de nossas vendas eram para a América do Norte (sobretudo EUA). Hoje são 45%; Ásia Pacífico saltou de 4% para 18%; há um movimento interessante do Oriente Médio que não existia, além do crescimento na Europa", diz Camargo.
Força da marca. O balanço da carteira de produtos começou a se configurar já em 2007, com a maior participação do segmento da aviação executiva - avaliado pela Embraer em US$ 201 bilhões, ou 13 mil unidades até 2016. Antes mesmo de começar as primeiras entregas do Phenom - destacado por seu projeto e por seu preço, US$ 3,3 milhões -, a Embraer já começou a sentir o potencial do segmento. "A categoria saiu de uma participação na receita da companhia de 6% para 14% em 2008", conta Camargo. E a crise, se implicou algumas desistências, também significou a queda de algumas concorrentes: para a categoria do Phenom, por exemplo, dos seis players que havia no mercado, três significativos fecharam as portas, restando Cessna e Honda.
Este ano, da projeção revisada de entregas de aviões da Embraer, quase a metade (110 jatos) é do segmento executivo. "É um setor mais sensível a fatores como o preço do petróleo, e que por isso sofreu uma forte retração sobretudo nos EUA, o maior mercado. Além de que demora mais para se recuperar. Mas em 2013, quando a economia melhorar, a Embraer terá novos produtos prontos para serem lançados", diz Respício do Espírito Santo Júnior, professor de transporte aéreo da UFRJ e presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Estratégicos e de Políticas Públicas em Transporte Aéreo (Instituto Cepta), no Rio de Janeiro. Respício refere-se, além da entrada do Phenom 300 no mercado, aos novos modelos Legacy que deverão ser lançados nesse período. "Eles terão uma nova tecnologia no sistema de pilotagem, além de cabine desenvolvida pela BMW, como no Phenom", conta Camargo. "E se a BMW consegue fazer do Mini um carro confortável, imagine o que significa num avião. Este é um segmento que valoriza marca e quer o máximo de seu investimento, e é no detalhe que se ganha o cliente." Com isso, a Embraer quer que a aviação executiva represente em cinco anos 25% do faturamento da empresa, contra 60% da aviação comercial, e o restante divididos equilibradamente entre os segmentos de defesa e de prestação de serviços.
Nova geração. Na área comercial, apesar da atual retração, a Embraer beneficia-se da tendência crescente de muitas companhias aéreas de equalizar capacidade e demanda. "Isso significa que nosso produto não é mais regional. Eles são comerciais de média capacidade, e o mercado passou a se adequar a isso", diz Camargo. Entre as últimas encomendas dessa lista, estão a KLM Cityhopper - subsidiária regional holandesa da Air France-KLM -, confirmando opções de compra que constavam de um contrato de 2007, e a Fuji Dream Airlines.
"Antes você tinha muitas rotas cobertas por aviões de 150 assentos, usando 60% da capacidade. Com petróleo a US$ 30, há lucro. A US$ 60, ele começa a ficar comprometido. A US$ 110, a quanto chegou no ano passado, você tem prejuízo na certa", diz Camargo. Com aviões que "podem ser 15% a 20% mais eficientes que outros maiores", não se comprometem frequências. Tendência que a Azul quer consolidar também no Brasil. "Com os E-Jets, podemos desenvolver novos mercados ainda não explorados pelas outras empresas, seja oferecendo voos diretos, ou conectando novas cidades à malha aérea nacional", comenta Febeliano, da Azul.
Uma dúvida que paira no ar é quanto ao futuro da operação da brasileira na China, onde desde 2006 a empresa possui uma fábrica com a estatal Avic para fabricar o ERJ 145 - que reduziu a estimativa de fabricação de aviões prevista em contrato de 50 para 25 -, e onde também se registrou a suspensão de encomendas de 50 jatos ERJ 190 pela empresa Hainan Airlines. "Hoje só posso falar que as entregas que temos que fazer demandam mais dois anos de trabalho. Mas, se a gente não tiver mais mercado, não faz sentido manter uma operação lá", diz Camargo, citando a possibilidade de, se caso se consolidar uma frota mínima, transformar futuramente a fábrica em unidade de manutenção de jatos Embraer. Ainda nesse caso, o executivo garante que a empresa não terá perdas. "Desde o primeiro ano, em que entregamos três aviões, a operação foi lucrativa. Fomos reconhecidos como empresa chinesa, o que foi importante até para concretizar as outras vendas que não saíram da fábrica local", afirma.
Mas, para os analistas, o verdadeiro desafio da Embraer no médio prazo no segmento comercial será superar a concorrência que já desponta no horizonte. "Nessa categoria já começam a surgir novos aviões no Canadá, Japão, China, Rússia - esses dois últimos, grandes mercados que certamente privilegiarão o fornecedor local", afirma Sampaio, da Multiplan. "A partir de 2020, o mercado irá demandar modelos novos e mais eficientes - e nesse sentido, a japonesa Mitsubishi, por exemplo, já está projetando um jato que em cinco anos poderá estar voando e ameaçando o terreno da Embraer", aponta Respício, da UFRJ.
A Embraer reconhece esse risco, mas afirma que ainda é cedo para tirar conclusões. "Tanto Bombardier quanto Mitsubishi estão trabalhando com tecnologia nova de motor, da Pratt & Whitney que, na prancheta, é mais eficiente que a nossa", diz Camargo, referindo-se ao motor GTF, menor e mais econômico quanto ao consumo de combustível. "Veremos qual a resposta que GE e Rolls-Royce (outras fabricantes de motor) irão dar, para saber se será possível adaptar o produto aos Embraer 170/ 190 ou se, o que é bem provável, demandará um novo desenvolvimento - e aí sim, forte investimento."
Esse movimento imprescindível que a brasileira em breve terá que dar em seu principal negócio faz alguns analistas avaliarem a possibilidade de a companhia futuramente fechar uma parceria com Boeing ou Airbus para lançar uma nova família dentro da categoria que já domina, ou até compartilhar a criação do substituto do 737 ou do A320, que se aproxima dos 200 assentos. "Eles têm uma tradição de bom relacionamento com a Airbus, esta já foi acionista minoritária da Embraer, e a francesa terá que cumprir um programa de supply chain para transferir 40% de sua produção para fora da zona do euro, com o objetivo de desonerá-la", lembra um analista em São Paulo, que pediu anonimato.
Mas Camargo, a princípio, nega tal possibilidade. "Não queremos ser concorrentes do 737 e do A320. Dependendo do que for lançado de tecnologia de motor, e do que for decidido a respeito desses aviões, vamos tomar uma decisão. A gente sempre conversou com todo mundo, não estamos fechados a nada. Mas temos que pensar em nossos acionistas e na perenidade da Embraer, e não adiantaria fazer isso para depois de alguns anos pensar que seremos dominados."
Segundo o executivo, uma parceria seria interessante sobretudo para o conhecimento de novas tecnologias. "A Airbus hoje tem a full fly by wire (pilotagem através de sensores), e ter acesso a isso pode ser excelente. A Boeing também está alguns passos à frente. Tudo depende de como o mercado vai ser desenhado. Mas, se for só para ser fornecedor, não vale a pena pra gente", afirma, deixando claro que, quando se trata de ganhar altura, a Embraer prefere o voo solo.