Começa na próxima semana busca por ossadas no Araguaia
Vannuchi protesta, mas Jobim convence Lula de que operação cumpre ordem judicial
Tânia Monteiro
A comissão criada no Ministério da Defesa para fazer uma operação de busca de ossadas de mortos na Guerrilha do Araguaia (1972-1975) começará os trabalhos na próxima quarta-feira. Apesar das queixas do ministro-chefe da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, insatisfeito com o fato de a operação ter ficado sob o comando do ministro Nelson Jobim (Defesa), ficou definido que a tarefa vai ser levada adiante.
Vannuchi, Jobim e Lula se reuniram na segunda-feira à noite para discutir o assunto. Jobim mostrou a Lula que a criação da comissão e o início dos trabalhos não é uma decisão de civis ou militares. "Trata-se de cumprir uma decisão do Judiciário, que mandou o governo fazer uma busca das ossadas que existam nos locais onde se deu o conflito", disse o ministro.
LOGÍSTICA
Os militares serão parte integrante do grupo de trabalho, mas, segundo Jobim, apenas para ajudar na logística e garantir que "não será por falta de apoio que a operação vai deixar de cumprir a missão". Os militares, acrescentou o ministro, "não vão se envolver na procura de ossos ou promover qualquer tipo de interferência no processo de busca legal e independente".
A comissão, criada dois meses atrás e formada por 33 membros, foi fechada ontem. Inclui oito nomes do Ministério da Defesa (Comando do Exército), dois do Estado do Pará (por ser a região do conflito dos anos 70 e a base territorial da procura dos ossos), oito médicos e peritos independentes, três integrantes da Advocacia Geral da União (AGU), três da Polícia Federal, um professor e um técnico da Universidade de Brasília (UnB) e três observadores independentes - dois da Associação dos Juízes Federais (Ajufe) e Aldo Arantes, do PC do B.
Para atender Vannuchi, que queria que a busca fosse feita por uma comissão liderada pela Secretaria de Direitos Humanos, ficou acertado que o grupo de trabalho contará também com uma espécie de "comissão de supervisão". Os nomes serão indicados pela secretaria.
Lula entendeu que a logística militar preparada pelo Comando do Exército, apesar da discordância de Vannuchi, é fundamental para evitar que, mais uma vez, o governo vá para a região à procura de ossos e fracasse.
MAPEAMENTO
Para montar a infraestrutura de apoio ao trabalho da comissão, oficiais do 52º Batalhão de Infantaria de Selva, de Marabá, percorreram, na segunda quinzena de maio, a Serra das Andorinhas, no sul do Pará, região indicada em relatórios como local de combates e sepultamento de integrantes da guerrilha. A região de Três Quedas, no município de São Geraldo do Araguaia, foi um dos lugares mapeados recentemente pelos militares.
Na semana passada, a Defesa disse ao Estado que o Exército percorreu a região para "adiantar os trabalhos da comissão, reconhecendo os locais que deverão ser vasculhados". Segundo o ministério, ""a parte do Exército está pronta, esperando a indicação das pessoas para que se iniciem os trabalhos"".
Os nomes já definidos do Grupo de Trabalho do Araguaia
BUSCA DE OSSADAS
A - Do Ministério da Defesa
(Comando do Exército)
General de Brigada Mario Lucio Alves de Araujo
Coronel de Infantaria Humberto Francisco Madeira Mascarenhas
Coronel de Infantaria Anísio David de Oliveira Júnior
Coronel de Infantaria Edmundo Palaia Neto
Tenente-Coronel de Infantaria Amauri Silvestre
Tenente-Coronel de Artilharia Márcio Kazuaki Fusissava
Wellington Rodrigues Borges, professor de geologia
Péricles de Brito Macedo, técnico
I - Observadores independentes
Fernando Mattos, da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e Antonio Hermann Benjamin,
ministro do Superior Tribunal de Justiça
J - Do PC do B
Aldo da Silva Arantes
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O Estado de S. Paulo - 02/07/2009
Lula arbitra disputa entre Vannuchi e Jobim
Ministro da Defesa ganha queda de braço e tem aval para fazer o trabalho
Tânia Monteiro
Durante uma tensa reunião, segunda-feira passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva avalizou o cronograma de trabalho da Comissão do Ministério da Defesa para procurar ossadas da Guerrilha do Araguaia.
A rigor, a reunião foi convocada para por um fim à tentativa da Secretaria de Direitos Humanos, do ministro Paulo Vannuchi, de barrar os trabalhos da comissão criada no Ministério da Defesa.
Vannuchi argumentou ao presidente Lula que já existe a comissão dos desaparecidos criada por lei e funcionando no Ministério da Justiça.
Disse ainda que um dos objetivos era, exatamente, buscar os restos mortais dos desaparecidos durante o regime militar (1964-1985).
Na avaliação de Vannuchi seria uma desnecessidade o ministro Nélson Jobim (Defesa) criar outro grupo para o mesmo fim. Ele disse ainda que essa nova comissão, se mantida, deveria ter formação "mais plural", com representantes do Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil e representantes dos familiares, entre outros.
Jobim acabou ganhando a queda de braço, manteve a comissão e ganhou a ordem para dar a partida no trabalho, ao explicar que a comissão do Ministério da Justiça já esteve pelo menos uma dúzia de vezes no Araguaia à procura de corpos e nunca conseguiu dar uma resposta cabal sobre a existência ou não das ossadas na região da guerrilha.
A logística do Exército e a prova de que a atual comissão é plural, como pediu Vannuchi, acabou chancelando a disputa a favor do Ministério da Defesa.
Jobim deixou claro que a comissão precisava começar a trabalhar logo porque na Justiça há prazos a serem seguidos. O trabalho também precisa ser feitos nos próximos dois meses, pelo menos, antes do período das chuvas. A Defesa também argumentou que a composição da comissão segue padrões de metodologia científica adequada para que a tentativa de localização, recolhimento e identificação dos corpos de guerrilheiros e camponeses mortos no episódio seja eficiente.
O ministro Paulo Vannuchi não queria os militares no grupo de trabalho. Mas Jobim afirmou que eles são absolutamente necessários, para que o trabalho seja executado com objetividade e para que os peritos tenham apoio logístico para buscar os corpos nas áreas já demarcadas.
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O Estado de S. Paulo - 02/07/2009
Jobim se solidariza com presidente do Senado
Tânia Monteiro
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, aproveitou a sua ida na manhã de ontem à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, para declarar apoio ao presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP). Jobim alertou os parlamentares de que a renúncia do peemedebista não resolverá a crise no Senado, ressalvando que ela é institucional.
Na noite anterior, Jobim, que é do PMDB, foi à casa de Sarney para levar a solidariedade do governo. Jobim atribuiu a crise também à antecipação do debate eleitoral de 2010. "Não se pode tributar a uma pessoa aquilo que é ocorrência de vários anos e se os senhores e senhoras renunciarem gerir as suas crises, deixando que os outros façam a pauta dos senhores, os senhores estarão desonrando o voto que tiveram", disse Jobim, diante de uma plateia atônita, que estava ali presente para ouvir explicações sobre a Estratégia Nacional de Defesa e a necessidade de ampliação do Centro de Lançamento de Alcântara.
Jobim estava exatamente defendendo o avanço do CLA em direção a área ocupada pelos quilombolas, com ampliação do número de bases de lançamento de 3 para 15, no Maranhão, Estado de Sarney, quando mudou abruptamente de assunto, para surpresa de todos.
"LUCIDEZ"
"Espero que os senhores senadores tenham a lucidez de saberem que os senhores não estão tratando com biografias individuais, mas tratando com o País", advertiu Jobim. Ele lembrou que Sarney "conseguiu algo extraordinário que foi a grande transição democrática num período autoritário, quando assumiu a presidência". "Isso não foi história que se construiu, mas que se realizou", prosseguiu.
O ministro destacou que as soluções que se dão "não têm a ver com instrumentos imediatos individuais, mas sim de uma grande instituição democrática".
Para Jobim, que se disse "consternado" com tudo que estava acontecendo, o Senado deve resolver os seus problemas e "não deve admitir intervenção em hipótese alguma". O ministro reiterou que os problemas que estão sendo divulgados agora, no Congresso, são de ontem.