A grande lição do vôo AF 447 - A Vulnerabilidade do Sistema Diante de Variáveis Não Programadas.
Por Cláudio Magnavita (*)
O acidente com o Air France 447 exige algumas respostas. Na atual década foi o primeiro envolvendo um vôo de longo curso no ocidente: a aeronave desapareceu em pleno cruzeiro e era um modelo de nova geração. O tema fica ainda mais grave quando envolve uma das maiores empresas aéreas do mundo, a Air France, hoje em consórcio com a KLM e sócia da Alitalia, além de um grande fabricante, a Airbus, e uma das aeronaves de maior sucesso comercial para o segmento de longo curso, o A330.
Os primeiros indícios apontam um vilão, o pitot (sensor de velocidade), que teria contribuído para que o avião Airbus A330-200 matrícula F-GZCP ficasse vulnerável em plena tempestade. O sensor falho teria deixado os computadores desorientados.
Os amantes da Boeing voltaram com o discurso que os modelos da Airbus são muito mais para engenheiros de vôo do que para pilotos.
As mensagens transmitidas automaticamente pelo cockpit do vôo AF447 revelam uma sequência de colapsos, inclusive o elétrico, em um intervalo de 4 minutos. Os instantes finais da aeronave mostram a soberania da máquina sobre o homem.
Na prática, os falsos dados, alimentados pela falha dos sensores e até gerados pela posição equivocada dos manetes, como ocorreu no acidente da TAM em Congonhas, transformam os computadores de bordo em verdadeiros HAL 9000, o computador personagem do filme 2001 Uma Odisséia no Espaço, que se transformou em um dos maiores vilões da história do cinema.
O instinto suicida destas máquinas não pode superar o comando do homem. Esta é uma realidade que se alastra em todos processos da aviação. E no caso dos cockpits é mais grave: está surgindo uma nova geração de comandantes que estão saindo do forno pronta para obedecer e não comandar. E a obedecer uma máquina! As pessoas estão sendo programadas para não pensar.
Querem um exemplo mais perto? Quem trabalha na aviação há mais de 20 anos sabe o que é o despacho manual de um vôo. Consolidar um pré-manifesto de passageiros que chegava via telex no aeroporto, emitir manualmente os cartões de embarque e até consolidar manualmente as fichas de reservas e cada vôo.
Cada funcionário controlava e compreendia todo o processo. A nova geração só conhece o que está escrito na tela do computador. Se você não for um bit não existe. Se o sistema cai é um caos. Ninguém consegue mais liberar manualmente uma aeronave.
Aplique isso ao dia a dia de um Despachante Operacional de Vôo, o famoso DOV. Como era possível fazer o balanceamento de um 747 só usando tabelas e réguas?
Essa geração que pensava e calculava está em fase de extinção. Mas voltemos ao ocorrido com o AF447.
Devemos lembrar o vôo de demonstração do A320 no Aeroporto Mulhouse-Habsheim, em 1988, com as cores da Air France e matrícula F-GFKC, quando o computador travou e a aeronave seguiu direto para um bosque, sem obedecer o comando de ninguém.
Os incidentes de interpretação de dados de outros Airbus mostram que a soberania dos bits pode ser fatal. É só imaginar as milhares de turbulências que pilotos dos Constellations, DC-6, 707, DC10 atravessaram na mesma rota. E tinham o controle do avião na mão. Os pilotos eram soberanos e a máquina estava escravizada ao seu controle.
Vivemos hoje uma transição de toda uma safra de comandantes que mandava nas máquinas. Não podemos perder essa memória e deixar que os avanços tecnológicos reduzam o ser humano ao papel de espectador.
A grande lição do vôo AF 447 poderá ser esta: Trata-se de uma ferida que revela a vulnerabilidade de um sistema diante de variáveis não programadas.
A Boeing, ao ser conservadora e manter a máquina subordinada ao homem, acertou e conseguiu ficar, por enquanto, anos à frente da concorrente européia.
(*) Cláudio Magnavita é publisher da “AVIAÇÃO EM REVISTA” e diretor do “JORNAL DE TURISMO”.