Cenários - Cotas para a universidade: uma visão racional
(JB, 07Jun09)
Igor Barenboim
A recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reacendeu o debate nacional acerca das cotas para ingresso em universidades públicas. Este tema é polêmico, capaz de incendiar corações e mentes com voracidade incrível.
Portanto, antes que coloquemos nossas paixões para funcionar, ofereço aqui algumas reflexões pragmáticas sobre o assunto.
A priori, a política de cotas aparenta ser um simples instrumento que reduz a desigualdade entre maioria e minoria, em detrimento da eficiência econômica. No entanto, esse tipo de política tem consequências bem mais profundas do que essa visão míope da questão.
Por um lado, pode-se argumentar que a política de cotas viabiliza o ingresso na Universidade Pública por grupos que não poderiam outrora sonhar com tal feito.
Essa possibilidade pode incentivar alunos de etnias, raças ou origem desprivilegiadas a aumentarem seus esforços e, com isso, alcançarem vagas antes impensáveis na Universidade.
Em contrapartida, o famoso artigo Ação Afirmativa e sua Mitologia, de Fryer e Loury (2005), destaca que é possível que o grupo beneficiado pelas cotas pode ser desestimulado a se educar e se esforçar, porque a vantagem conferida, implica que com menos esforço pode-se conseguir o mesmo sucesso profissional.
Em 2005, Bruno Ferman, ao escrever sua tese de mestrado na PUC do Rio, estudou qual desses dois efeitos predominava no caso brasileiro. Ao usar dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e técnicas estatísticas adequadas, mostra que no caso do Rio de Janeiro o sistema de cotas contribuiu para uma queda das notas do grupo favorecido pelas cotas no montante de 5,7%. O impacto pode parecer baixo, a priori. No entanto, ao considerarmos que a
diferença média entre as notas dos grupos de brancos e negros é de cerca de 24,5%, temos então que as cotas contribuíram para um aumento desta distância em 23%.
Ou seja, o estudo do Sr. Ferman indica que a maneira pela qual a política de cotas foi implantada no Brasil causou prejuízo ao desempenho escolar e provavelmente ao empenho nos estudos e aquisição de conhecimento por parte do grupo favorecido pelas cotas. Ora, isso é um tanto quanto desastroso, na medida em que uma política que visa a oferecer oportunidade aos desprivilegiados acaba por desestimular o estudo e o esforço.
A questão passa a ser como implementar uma política de cotas capaz de criar estímulos para os outrora desfavorecidos. A principal variável com que se tem de trabalhar é o percentual de vagas para cotistas. Percebam que um percentual muito alto simplesmente baixa a dificuldade de sucesso no exame e o consequente nível de esforço exercido pelos alunos cotistas.
Ademais, notem que esse percentual não necessariamente deve ser permanente. É preciso, que se crie uma regra que ligue o percentual referido à distância das notas médias entre maioria e minoria. Como o objetivo de tal política é a futura equiparação de capacidades entre os diferentes grupos, é preciso que se crie mecanismo que elimine as cotas gradualmente, na medida em que tal disparidade desapareça. Com mecanismo desta sorte, a vantagem ao grupo desfavorecido seria tão maior quanto a real distância em termos de preparo de cada grupo.
Por fim, acredito que políticas de cotas acertadas para universidades públicas devem contemplar apenas renda, a não ser que me expliquem porque se haveria de preferir um negro rico a um branco pobre. E que não venham, colegas economistas, tentar me convencer que a cor da pele é mais fácil de ser precisamente determinada do que a renda, porque estamos tratando dos trópicos e não da gringolândia.