Experimente negar o aquecimento global ou a superioridade moral do socialismo, e veja seu emprego ir diretamente para o beleléu.
A quase totalidade das pessoas que conheço nas classes opinantes jamais dedicou um só minuto a examinar os meios e critérios da busca da verdade – seja no sentido mais geral e filosófico da coisa, seja no que se refere à veracidade dos meros fatos que se alegam, na mídia e nas conversas do dia a dia, como provas disto ou daquilo.
Mesmo estudantes de filosofia, quando a obrigação curricular os força a um contato epidérmico com o assunto, não absorvem dele senão as crenças da moda – marxista, desconstrucionista, neopragmatista -, não as usando jamais como pontos de partida para uma investigação moralmente responsável, mas como travesseiros fofos onde podem acomodar-se, sem nenhum problema de consciência, nas reconfortantes certezas usuais do seu meio social.
Não por coincidência, são esses mesmos os que com maior freqüência apelam ao chavão da incerteza geral e da inexistência da verdade, não porque tenham algum dia buscado essa verdade sem encontrá-la, mas precisamente para dispensar-se de buscá-la.
Outro dia, em debate num blog, uma senhorita formada nessa mentalidade despejava sobre os interlocutores seu olímpico desprezo pelas "teorias conspiratórias que buscam um verniz de `cientificidade`, ao mesmo tempo que não se submetem às regras do discurso científico, como peer-reviewing, "revisão pelos colegas", uma regra da publicação de trabalhos científicos em revistas especializadas, não uma regra do discurso científico.
A confusão entre o discurso científico e as condições sociológicas da sua aceitação por esta ou aquela comunidade acadêmica reflete uma visão infantil, concretista, misticóide, fetichista do que seja a ciência. Essa visão é a base sobre a qual se erigem não só alguns dos mitos mais queridos do ativismo acadêmico contemporâneo - como o aquecimento global, o holismo ecológico, as teorias da "exclusão social", a superpopulação ou as eternas causas econômicas da criminalidade - como também o simulacro de autoridade com que os grupos interessados impõem, sob a alegação desses mitos, as políticas que bem lhes interessam. Essas políticas podem ter os resultados sociais mais variados – quase sempre nefastos -, mas pelo menos um desses resultados é constante e infalível: o acréscimo do poder social da classe acadêmica.
Como a opinião da mídia, formada nas mesmas fontes, segue de perto a da comunidade acadêmica, a conjugação de poderes dá a esses dois pilares da ortodoxia contemporânea uma autoridade controladora mais vasta que a do alto clero católico na Idade Média.
Se acompanharmos a história da formação da doutrina cristã ao longo da sucessão dos concílios, veremos que é uma história marcada por polêmicas apaixonadas, violentas até, que se estendiam por décadas e por séculos antes que uma decisão papal lhes pusesse fim. Nada de semelhante existe na universidade atual, onde a condenação das heresias não vem ao término de um longo processo de discussão, como na Igreja, mas já vem pronta desde o começo, proibindo e impossibilitando a discussão e expelindo do meio social os discordes e recalcitrantes. E a repressão totalitária não se exerce só sobre teorias científicas, mas até sobre meras opiniões políticas. Experimente negar abertamente o evolucionismo, o aquecimento global, a superioridade moral do socialismo ou as virtudes salvíficas de Barack Hussein Obama – e veja quantos minutos transcorrem antes que suas verbas de pesquisa sequem ou seu emprego vá diretamente para o beleléu. Isso não significa, é claro, que sempre a força repressiva se esteie na opinião da maioria. Um grupo relativamente pequeno pode controlar facilmente os mecanismos de publicação e, justamente através da peer-review, impor ou vetar o que bem entenda.
Recentemente, um grupo de 52 cientistas subscreveu um apelo urgente da ONU em favor de medidas drásticas para controlar o aquecimento global. O documento foi contestado por nada menos de 650 cientistas, para os quais o aquecimento global é apenas uma farsa montada para juntar dinheiro e poder político.
Adivinhem qual das duas correntes tem mais fácil acesso às publicações acadêmicas? A ex-pesquisadora da Nasa, dra. Dr. Joanne Simpson, signatária do manifesto dos 650, até explicou que agora podia falar a verdade porque já não estava ligada a nenhuma organização científica nem dependia de verbas de pesquisa (v. http://epw.senate.gov/public/index.cfm?FuseAction=Minority.Blogs&ContentRecord_id=2158072e-802a-23ad-45f0-274616db87e6).
(*) Olavo de Carvalho é jornalista, ensaista e professor de Filosofia