Com uma gestão fiscal agressiva, que combina forte elevação de receitas, sem aumento de impostos, e rígido controle de despesas, o governador José Serra (PSDB) está investindo, em São Paulo, mais do que o governo federal em todo o país com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). No ano passado, o governo paulista investiu R$ 9 bilhões, face a R$ 8 bilhões gastos efetivamente pela União com o PAC. Neste ano, está desembolsando R$ 12,7 bilhões - até outubro, segundo dados oficiais, o governo federal havia liberado apenas R$ 8,2 bilhões para seu programa prioritário.
Quando assumiu o cargo, em janeiro de 2007, Serra constatou que São Paulo tinha capacidade limitada de investimento - algo entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões por ano em recursos do orçamento fiscal, ou seja, sem levar em conta o dinheiro das estatais. Por essa razão, o governador procurou rapidamente criar fontes alternativas. Em menos de dois anos, obteve R$ 17,7 bilhões adicionais a partir de cinco medidas específicas.
A primeira delas foi a venda à Nossa Caixa, por R$ 2 bilhões, da folha de pagamento do funcionalismo estadual. Depois, aproveitando-se do fato de ter herdado do antecessor, Geraldo Alckmin (PSDB), as contas do Estado em ordem, Serra solicitou ao Ministério da Fazenda autorização para tomar R$ 6,7 bilhões em novos empréstimos. A Fazenda e o Senado Federal aprovaram o pleito do Estado.
No fim do ano passado, o governo paulista engordou o caixa com mais R$ 2 bilhões ao licitar, em regime de concessão à iniciativa privada, o trecho Oeste do Rodoanel. No início deste ano, Serra pediu ao governo federal nova autorização para elevar o endividamento, dessa vez em R$ 3,5 bilhões. Novamente, a Fazenda, numa prova de que o governo Lula está cooperando com o adversário político, concordou com a solicitação, que, para entrar em vigor, depende agora da aprovação do Senado. Em conversas com assessores e amigos, Serra diz que é grato ao empenho e à correção do ministro Guido Mantega no atendimento a suas reivindicações.
Os recursos de São Paulo devem crescer nas próximas semanas e meses, com a venda da Nossa Caixa ao Banco do Brasil, uma operação que poderá render quase R$ 5 bilhões ao governo paulista, dono de 71% do capital daquele banco estatal, e com a privatização da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), medida que ainda depende de decisão do governo federal - como o prazo de concessão de duas usinas da estatal paulista expira em 2015, Serra solicitou prorrogação da licença, do contrário, não haverá interesse de investidores privados no negócio; como há 18 usinas e 37 distribuidoras de energia na mesma situação, o governo Lula decidiu estudar uma regra geral e encaminhá-la ao Congresso Nacional.
Outros recursos para investimento estão vindo da gestão do caixa do governo de São Paulo no dia-a-dia. Serra controla com mão-de-ferro os gastos com pessoal, que cresceram, de janeiro a agosto, apenas 1,7% em termos reais - essa postura tem lhe rendido inúmeras e ruidosas greves de funcionários, como a dos policiais civis, que terminou em conflito com a Polícia Militar.
A política salarial leva em conta os resultados de cada unidade gestora. Na área de Educação, vamos avaliar não o processo, mas o resultado. As crianças estão aprendendo? Se estiverem, todos daquela unidade escolar serão remunerados com base em resultados, explicou, em entrevista ao Valor, o secretário estadual da Fazenda, Mauro Ricardo. Não permitimos um descolamento em relação à despesa com pessoal e encargos sociais.
Em outra ponta, o governador aposta no aumento da arrecadação sem criar impostos ou elevar alíquotas (a receita tributária avançou, nos primeiros oito meses do ano, 13,5% acima da inflação) e coloca a máquina para gastar (a despesa corrente total subiu 7,2% no mesmo período, com destaque para os investimentos, que avançaram 11,6% em termos reais).
Desde que assumimos, temos procurado ampliar as receitas e promover ações para redução de despesa, de tal maneira a criar um espaço importante para investimentos, em especial, em infra-estrutura, disse o secretário da Fazenda. O governo de São Paulo tem que fazer a sua parte no crescimento do Estado. Focou em duas questões importantes para apoiar o desenvolvimento: infra-estrutura e qualificação da mão-de-obra, explicou o secretário de Planejamento, Francisco Luna.
Para reduzir as despesas, Serra cortou 15% dos cargos em comissão, gerando economia anual de R$ 77 milhões. Renegociou contratos, economizando, segundo Mauro Ricardo, mais de R$ 600 milhões. Além disso, instituiu a contribuição dos servidores para a previdência pública, obrigando ativos, inativos e pensionistas a pagarem 11% sobre seus vencimentos. Em seguida, criou a SPPrev, o instituto que vai administrar não só as aposentadorias dos funcionários do Poder Executivo, mas também as do Legislativo e do Judiciário estaduais. Nem o governo federal fez isso, apesar de ter tomado a iniciativa de instituir a medida na Constituição, comparou o secretário.
Outro esforço feito para aumentar as receitas foi a realização de uma auditoria em toda a folha de pagamento, medida que reduziu em quase R$ 400 milhões os gastos do Estado com salários que vinham sendo pagos de forma indevida. A exemplo do governo federal, Serra tornou obrigatória a licitação por meio de pregão eletrônico, o que teria provocado, de acordo com Mauro Ricardo, redução de 28% nos preços negociados anteriormente.
Do lado da receita tributária, o governo estadual promoveu um amplo programa de parcelamento de débitos - R$ 8,4 bilhões já foram renegociados pelos contribuintes, gerando pagamento à vista ao tesouro estadual de R$ 1,1 bilhão. Além disso, Serra instituiu a Nota Fiscal Paulista, um programa inovador que permite aos consumidores receberem de volta 30% do ICMS pago na compra de mercadorias.
Com esse programa, mantemos o controle do movimento econômico das empresas, combatendo, com isso, a sonegação no comércio varejista. O contribuinte vira parceiro do Estado no acompanhamento do recolhimento do imposto, comentou Mauro Ricardo. No mês passado, a Fazenda estadual fez a primeira devolução semestral, ao custo de R$ 270 milhões, para 13 milhões de pessoas, que escolheram onde receber o dinheiro (na conta bancária ou de poupança, na fatura do cartão de crédito ou como crédito para o pagamento do IPVA).
Além dessas medidas, o governo Serra lançou um programa de sorteio de prêmios, ao custo de R$ 1 milhão por mês, para estimular os contribuintes a cobrarem dos comerciantes o fornecimento de nota fiscal. Implantou também o regime de substituição tributária, sistema em que o imposto é pago na indústria, em 13 setores da economia. A sonegação no varejo leva à sonegação em cadeia. Se o varejo emite nota, também não tem nota contra ele do atacadista nem da indústria, disse o titular da Fazenda estadual.
A contração de novas dívidas só foi possível graças à herança deixada pelo antecessor de Serra, que fez em seu mandato uma gestão fiscal austera. Em 2002, a relação entre dívida consolidada líquida e receita corrente líquida no Estado de São Paulo era de 2,27, acima, portanto, do teto estabelecido pelo Tesouro Nacional. Quando Serra assumiu, essa relação estava em 1,89. Em agosto deste ano, já havia caído para 1,63 - a tendência nos próximos meses é que ela suba, graças à alta da inflação medida pelo IGP-DI, o indexador das dívidas estaduais.
Mesmo aumentando os gastos correntes, puxados pelos investimentos, o governo estadual está numa situação confortável do ponto de vista do equilíbrio das contas públicas. A meta de superávit primário exigida pela União para São Paulo é de R$ 4,2 bilhões em 2008. Até agosto, a economia feita já havia chegado a R$ 17,1 bilhões. Amparado nesses números, o governo Serra ampliou em R$ 10,2 bilhões, em dois anos, a capacidade de endividamento do Estado.
Quando assumimos, graças a uma boa gestão fiscal do governo anterior, identificamos que tínhamos limite suficiente para tomar R$ 6,7 bilhões em novos empréstimos. Concentramos os pedidos no Banco Mundial, no Banco Interamericano de Desenvolvimento, no Japan Bank for International Cooperation (JBIC) e no BNDES. Todos já foram negociados com as entidades internacionais e uma parcela grande dos recursos será usada no próximo ano, detalhou Luna.
A expectativa é investir R$ 18,2 bilhões apenas em 2009, 50% a mais do que está sendo aplicado neste ano. Segundo Mauro Ricardo, a ambição de Serra é elevar a participação dos investimentos nas despesas correntes para 12%. Em 2003, ela era de 4,73%. Em 2008, está chegando a 9,38% e, no ano que vem, se tudo der certo, atingirá 10,82%. Luna não acredita que a crise internacional vá prejudicar os planos de investimento, porque a maioria dos recursos virá de organismos internacionais.
Sempre que se faz o orçamento, primeiro, colocam-se as despesas correntes, depois o que sobra é jogado para investimento. A partir deste ano, estamos fazendo o contrário. Agora temos metas de investimentos e a sobra vai para as despesas correntes, assegurou Mauro Ricardo.
Além de privatizar, por meio de concessões e alienação, o governo Serra está recorrendo a Parcerias Público-Privadas (PPPs) para tocar obras e projetos nos quais o setor privado não tem interesse. O primeiro projeto foi o da Linha 4 do Metrô. O Estado constrói a linha e o setor privado compra os trens e opera, contou Luna.
Em Taiaçupeba, distrito de Mogi das Cruzes (SP), a Sabesp, a companhia estadual de água e esgoto, firmou PPP com uma empresa para explorar e produzir água, vendendo-a, por atacado, à própria estatal, por um preço pré-estabelecido. Até o fim do ano, o governo pretende lançar os editais, também por meio de PPP, para a reforma de trens antigos e a compra de novos vagões para a linha 8 (Diamante), da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). Além disso, planeja o lançamento de um VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) para a região da Baixada Santista.